Quando aquele amigo que você não vê há séculos posta fotos comprometedoras no Facebook.
Texto por Hermés Galvão / Revista Trip.
Já abriu seu Facebook um belo dia e deu de cara com uma foto antiga sua, postada por um “amigo” que você não via há séculos?
Se servir de consolo, você não é o único
Tenho 1.699 amigos no Facebook. E quando você me ler já devo ter “conquistado” mais um, pois um dia quero ser como o Roberto Carlos e ter 1 milhão deles, para cantar por aí e tirar onda de popular. Afinal, o que são os friends do FB senão figurinhas de um álbum que nunca irá se completar? Quanto mais gente na página, melhor (pode até ser repetido, ou você não conhece ninguém com dois perfis, sendo um público?). E quanto mais requests pendentes, opa, melhor ainda – pega superbem dizer, em tom meio de reclamação, que sua lista de pendências, já enorme, não para de crescer. E que entre tantos pedidos – desesperados, você adora dizer – há um rol sem-fim de velhos conhecidos que o tempo, sempre sábio, tratou de afastar do seu convívio: o gordinho da escola, a baranga que comemos (e negamos, naturalmente), o filho da amiga de uma irmã da sua ex-namorada que você viu uma vez na vida, provavelmente nas férias em algum lugar que você também prefere esquecer, e, claro, primos distantes e cunhados, tios de mais de 60 que descobriram o poder das redes sociais e, mais claro ainda, desocupados em sua nova ocupação (aposentados), passam o dia te cutucando, mandando correntes de paz e amor, frases da Clarice Lispector, links de matérias velhas, histórias de maus-tratos com cachorros, paisagens tipo de calendário de farmácia, clipes do Renaissance (os mais prafrentex já sabem copiar URL e aprenderam o significado de “share”) e, tcharan, postando fotos antigas, muito antigas, em que você aparece invariavelmente:
1 medonho
2 bêbado e de olhos fechados
3 em péssima companhia
4 em uma casa de praia muito diferente das que você frequenta hoje
5 e, tiro no pé, abraçado com a garota mais feia do bairro, vestindo uma camiseta com a frase “NO STRESS” estampada no peito
É, amigo, o mundo virtual traz coisas que a gente não gostaria nunca que chegassem ao real. Porque, sim, o passar dos anos serviu não só para tirarmos um monte de gente da frente como também para deixar muita coisa para trás. Mas existem mil maneiras de fugir, se esconder e tornar-se invisível diante dos olhos que veem do outro lado da tela. Da mesma forma que o lado de lá sempre arruma uma maneira de revelar você, assim, de surpresa, no meio da sua tarde de trabalho. Em outras palavras, não temos saída.
A foto, aquela foto, chega mais cedo ou mais tarde – às vezes, num ato de saudosismo radical alheio, você é agraciado com uma verdadeira compilação de vida regressa que o seu muy amigo resolveu publicar numa tacada só. Saiba que ainda tem gente com hora livre pra digitalizar porta-retratos, e aí é que nós, ocupados demais para desfazer todos os tags, nos vemos numa berlinda irreversível. A essa altura, no fim da noite, quando entramos para dar uma espiada sem compromisso na vida dos outros, já vemos comentários de amigos recentes: “é você nessa foto? Nossa, quem diria”, ou, mais cruel ainda, um seco e sonoro “ahahahahahahahaha”. Sem contar aqueles que fazem download da foto para no futuro ter um trunfo contra você. Quem nunca recebeu chantagem virtual que faça log out agora.
Pois é, o amigo de outrora pode ser o inimigo de agora, e sem se dar conta disso. Claro, pelo menos eu acredito que ele, o nervosinho on-line, está a agir com a melhor das intenções ao trazer de volta momentos que nem o seu inconsciente quis lembrar. Fazer o quê? Bem, nada muito extremado, não.
Brigas no chat estão fora de questão, ligar tampouco – até porque você provavelmente nem tem o número de telefone da criatura. Responder mensagem ou curtir, então, nem sem fala. Podemos, talvez, ignorar os fatos e aceitar que o Facebook tornou-se, mais que uma rede social, uma teia de aranha fácil de entrar e difícil de sair. Uma vez dentro, adeus integridade, adeus neutralidade.
A foto, aquela foto, chega mais cedo ou mais tarde, no dia em que você é agraciado com uma verdadeira compilação de vida regressa que o seu muy amigo resolveu publicar numa tacada só
Estamos todos entregues, vulneráveis e à mercê. Ninguém, ou quase ninguém (talvez a Marisa Monte), pode tirar onda de cool desde a tenra infância – porque a verdade sempre vem, em forma de imagem ou em comentário (público, nunca no seu in box). Porque na calada da noite sempre haverá um amigo insone on-line, deixando um recado no seu mural dizendo sentir saudade da época em que foram juntos, de ônibus, para a micareta de Conceição da Barra, lá no Espírito Santo. E quando você ler a mensagem, no dia seguinte, já terá sido tarde demais. E aquela figura que aceitou seu convite para ir ao show do Yamandu Costa na noite anterior já vai ter descoberto que, no fundo, você é tão refinado quanto, digamos, a Carminha de Avenida Brasil.
Poderia ser diferente, caso seu grupo de amigos no Facebook fosse mais próximo da realidade – ou realmente dá para acreditar que temos, na vida pé no chão, mais de seis com quem podemos contar na hora do aperto? Tem dúvidas? Diga que está na pior, sem grana e sem sexo, e verás. Se não fôssemos tão vaidosos (e carentes) a ponto de aceitar todo mundo que pede amizade, talvez não precisássemos passar por situações que hoje, na mesa de bar e na fila do quilo, nos queixamos como vítimas desarmadas. E, se realmente tivéssemos coragem de dizer não sem medo de solidão, provavelmente declinaríamos metade dos convites que surgem a toda hora em nossa página inicial. Mas não, vibramos de alegria sempre que aparece uma bolinha vermelha lá no canto superior da tela, é como se “alguéns” no mundo lembrassem da nossa existência; nos sentimos queridos, desejados, observados. Assediados. Quase que sexualmente. E assim nos masturbamos diariamente, gozando da cara dos outros enquanto gozam da nossa, a maior lambança.
Sorte que o scroll desce tão rápido, é tanto post, tanto jornalista subindo foto de comida (ainda estou para entender o sentido de postar prato de massa, e no inverno a coisa piora), tanto stylist mostrando as novas tattoos, os novos músculos e a última viagem (tudo começa com um GRU >>> JFK), é tanta gente feliz trocando o profile picture que mal dá tempo de ver, mais uma vez, que algum condenado trouxe o nosso passado de volta sem ao menos avisar. Passa tudo tão depressa que, no fim das contas, tê-lo aceitado como amigo e não ignorá-lo num “piscar” de botões foi a melhor decisão que tomamos na vida. Na vida virtual, claro. Porque à vera, no corpo a corpo, continuamos distantes um do outro. Porque o tempo – o tempo real, os dias e os anos, o vento e a chuva, o sol e os verões que vieram em seguida – se encarregou de apagar o que foi escrito. Agora é prescrito, foi para o espaço. Mas não se perdeu de todo. Está no iCloud. Para caso um dia precisar, afinal nunca sabemos o dia de amanhã. Vai que aquela baranga com quem você deu uma volta em Arraial d’Ajuda virou CEO de uma agência de conteúdo?
Agradecemos aos leitores e colegas de trabalho que souberam rir de si mesmos e doaram as fotos que ilustram essa matéria e sua versão online: Isis Vasques, Rodrigo Paes, Luiz Henrique Amaral, João Paulo Pereira da Cruz, Ana Maria Bouzada, Nicole Balestro, Livia Jorge, Bernardo da Mata, Andre Colmeneiro, Lino Bocchini, Fernanda Valéria, João Guilherme Franco, Luka Pom Pom, Millos Kaiser, e Edy Star.