segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Conselho da noite...


Pensar é transgredir


Não lembro em que momento percebi que viver deveria ser uma permanente reinvenção de nós mesmos — para não morrermos soterrados na poeira da banalidade embora pareça que ainda estamos vivos.
Mas compreendi, num lampejo: então é isso, então é assim. Apesar dos medos, convém não ser demais fútil nem demais acomodada. Algumas vezes é preciso pegar o touro pelos chifres, mergulhar para depois ver o que acontece: porque a vida não tem de ser sorvida como uma taça que se esvazia, mas como o jarro que se renova a cada gole bebido.
Para reinventar-se é preciso pensar: isso aprendi muito cedo.
Apalpar, no nevoeiro de quem somos, algo que pareça uma essência: isso, mais ou menos, sou eu. Isso é o que eu queria ser, acredito ser, quero me tornar ou já fui. Muita inquietação por baixo das águas do cotidiano. Mais cômodo seria ficar com o travesseiro sobre a cabeça e adotar o lema reconfortante: "Parar pra pensar, nem pensar!"
O problema é que quando menos se espera ele chega, o sorrateiro pensamento que nos faz parar. Pode ser no meio do shopping, no trânsito, na frente da tevê ou do computador. Simplesmente escovando os dentes. Ou na hora da droga, do sexo sem afeto, do desafeto, do rancor, da lamúria, da hesitação e da resignação.
Sem ter programado, a gente pára pra pensar.
Pode ser um susto: como espiar de um berçário confortável para um corredor com mil possibilidades. Cada porta, uma escolha. Muitas vão se abrir para um nada ou para algum absurdo. Outras, para um jardim de promessas. Alguma, para a noite além da cerca. Hora de tirar os disfarces, aposentar as máscaras e reavaliar: reavaliar-se.
Pensar pede audácia, pois refletir é transgredir a ordem do superficial que nos pressiona tanto.
Somos demasiado frívolos: buscamos o atordoamento das mil distrações, corremos de um lado a outro achando que somos grandes cumpridores de tarefas. Quando o primeiro dever seria de vez em quando parar e analisar: quem a gente é, o que fazemos com a nossa vida, o tempo, os amores. E com as obrigações também, é claro, pois não temos sempre cinco anos de idade, quando a prioridade absoluta é dormir abraçado no urso de pelúcia e prosseguir, no sono, o sonho que afinal nessa idade ainda é a vida.
Mas pensar não é apenas a ameaça de enfrentar a alma no espelho: é sair para as varandas de si mesmo e olhar em torno, e quem sabe finalmente respirar.
Compreender: somos inquilinos de algo bem maior do que o nosso pequeno segredo individual. É o poderoso ciclo da existência. Nele todos os desastres e toda a beleza têm significado como fases de um processo.
Se nos escondermos num canto escuro abafando nossos questionamentos, não escutaremos o rumor do vento nas árvores do mundo. Nem compreenderemos que o prato das inevitáveis perdas pode pesar menos do que o dos possíveis ganhos.
Os ganhos ou os danos dependem da perspectiva e possibilidades de quem vai tecendo a sua história. O mundo em si não tem sentido sem o nosso olhar que lhe atribui identidade, sem o nosso pensamento que lhe confere alguma ordem.
Viver, como talvez morrer, é recriar-se: a vida não está aí apenas para ser suportada nem vivida, mas elaborada. Eventualmente reprogramada. Conscientemente executada. Muitas vezes, ousada.
Parece fácil: "escrever a respeito das coisas é fácil", já me disseram. Eu sei. Mas não é preciso realizar nada de espetacular, nem desejar nada excepcional. Não é preciso nem mesmo ser brilhante, importante, admirado.
Para viver de verdade, pensando e repensando a existência, para que ela valha a pena, é preciso ser amado; e amar; e amar-se. Ter esperança; qualquer esperança.
Questionar o que nos é imposto, sem rebeldias insensatas mas sem demasiada sensatez. Saborear o bom, mas aqui e ali enfrentar o ruim. Suportar sem se submeter, aceitar sem se humilhar, entregar-se sem renunciar a si mesmo e à possível dignidade.
Sonhar, porque se desistimos disso apaga-se a última claridade e nada mais valerá a pena. Escapar, na liberdade do pensamento, desse espírito de manada que trabalha obstinadamente para nos enquadrar, seja lá no que for.
E que o mínimo que a gente faça seja, a cada momento, o melhor que afinal se conseguiu fazer.
(Lya Luft)

Uma pausa para respirar


Como relaxar quando o mundo parece irrespirável!


Hoje não tem tragédia, dilema ou desafio. Nenhum dos embates de difícil solução que costumo mencionar nesta coluna. Nada de reclamação, alerta ou denúncia. Tudo isso é importante, mas pode esperar uma semana. Hoje proponho um pouco de leveza. Quem sabe descobrimos, juntos, que ela também é relevante?
No final de julho, tudo o que eu queria era respirar. Literalmente. O ar seco e a poluição provocada por sete milhões de carros deixavam a cidade de São Paulo insuportável. Não há nada de espetacular ou incomum no ato de respirar. É a mais básica das necessidades humanas, mas é de uma relevância tremenda. É o que faz a diferença entre a vida e a morte.
A maioria de nós é capaz de passar uma existência inteira sem dar a devida atenção à respiração. Só pensamos nela quando o oxigênio começa a fazer falta. É um erro.
No sentido figurado, também queria respirar. Descansar o corpo e a mente. Se não fazemos isso, se nos deixamos abater pelas incertezas, pelo estresse, pelo medo, pelas relações conturbadas, o mundo se torna irrespirável.   
Por essas duas razões, resolvi passar uns dias de férias no Rio. Descobri que a cidade é ainda mais maravilhosa no inverno.Solzinho ameno, praias vazias, generosas porções de ar (ainda) respirável.
O que mais admiro nas praias cariocas - e em grande parte do Brasil - é o jeito nacional de ganhar a vida sem perder a esportiva. Uma capacidade que grande parte dos paulistanos perdeu.
É uma tremenda bobagem dizer que os paulistas trabalham mais que os cariocas. Além de démodé, essa rivalidade Rio-São Paulo se alimenta de um preconceito que, como todo preconceito, é vergonhoso.
Há muitos trabalhadores informais nas praias do Rio. Eles trabalham duro. Ao mesmo tempo, respiram. Nos dois sentidos: no literal e no figurado. Isso se traduz em eficiência no trabalho e indica uma tremenda sabedoria. É gente que sabe viver.
Em Ipanema, no Posto 8, admirei a capacidade de ganhar a vida (com categoria e saúde) da dona de uma barraca que aluga cadeiras e serve quitutes. Ela passa o dia inteiro na praia, de biquíni. Se vestisse terninho e fosse CEO de uma grande rede hoteleira, não aparentaria mais profissionalismo.   
Muitos outros seguem a mesma receita de sucesso. Dos inúmeros vendedores de Biscoito Globo, mate, sorvete, esfiha à transexual que vende balangandãs de todas as cores e caminha em silêncio com a postura de quem se exibe na categoria luxo do desfile de fantasias do Hotel Glória.
A microempresária (ou nanoempresária?) de Ipanema aposta, ao mesmo tempo, na hotelaria e na gastronomia. De sua banqueta, observa os movimentos dos clientes refastelados na areia. Pressente, à distância, os desejos de consumo dos turistas e, sem ser indelicada, oferece bebidas e petiscos na hora certa. Depois volta para seu posto de observação. Conversa, ri, respira.
Será que eu teria feito essa leitura da realidade se não estivesse de férias? Assim, sem medo de ser feliz nem de parecer ingênua? Talvez não. Jornalistas têm pavor de ingenuidade. Talvez por isso percam a chance de enxergar o lado bom da vida e dos fatos. Ficam viciados em notícia ruim.
Nosso estado mental altera a forma como sentimos e interpretamos os acontecimentos. Não é isso que aprendemos quando fazemos terapia? Chegamos estropiados ao consultório do terapeuta. Depois de alguns meses nos sentimos muito mais leves. Qual o mistério?
A carga de trabalho não mudou, os chefes continuam se comportando da mesma forma, a família é o que sempre foi, a cidade não se tornou mais amigável. O que muda é a forma como enxergamos os fatos e nos deixamos afetar por eles.
Cabe a cada um buscar os recursos necessários para se fortalecer. Sim, é possível aprender a respirar num mundo irrespirável. Há muito tempo se sabe que pensamentos e sentimentos podem afetar a saúde.
Mais e mais estudos revelam que a ansiedade, o medo ou o otimismo não são apenas sentimentos. São estados fisiológicos capazes de afetar a saúde, tanto quanto a obesidade ou a prática de exercícios físicos.
A chamada medicina mente-corpo foi desbravada nos anos 70 pelo americano Herbert Benson, fundador de um instituto ligado à Universidade Harvard.
Hoje os cientistas sabem que a resposta do organismo ao estresse crônico envolve hormônios que podem desencadear desde uma simples dor de cabeça até um infarto. O principal hormônio envolvido nisso é o famoso cortisol. Ele é benéfico quando o estresse é passageiro. A substância nos deixa em estado de alerta, o que nos permite enfrentar a ameaça ou fugir dela.
Se o estresse for crônico, porém, o cortisol fica circulando em grandes quantidades na corrente sanguínea. É aí que mora o perigo. Cortisol em excesso aumenta o risco de aterosclerose (acúmulo de gordura nas paredes das artérias), eleva a pressão arterial, enfraquece o sistema imune e, com isso, reduz a capacidade do organismo de lutar contra as doenças. Ele provoca também outros danos: dificuldades de memória, úlceras, problemas dermatológicos e digestivos etc.
O que é possível fazer? Buscar o relaxamento. Não importa a ferramenta usada para chegar até ele. O que importa é relaxar, se equilibrar, estar em paz. Os cientistas acreditam que o corpo produz mais óxido nítrico quando está profundamente relaxado. E essa molécula atua como um antídoto contra o cortisol.
O importante é descobrir o que o ajuda a relaxar. Técnicas de meditação, de respiração, convívio social, natureza, terapia, religiosidade, altruísmo. Tudo isso pode ajudar. Algumas estratégias funcionam melhor para algumas pessoas do que para outras.
Consegui relaxar, mas arrumei uma encrenca depois dessa viagem. Meu marido quer se mudar para o Rio. Respirar vicia.   
(Cristiane Segatto escreve às sextas-feiras - REVISTA ÉPOCA)

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Canção dos Homens


Que quando chego do trabalho ela largue por um instante o que estiver fazendo
- filho, panela ou computador - e venha me dar um beijo como os de antigamente.

Que quando nos sentarmos à mesa para jantar
ela não desfie a ladainha dos seus dissabores domésticos.

E se for uma profissional, que divida comigo o tempo de comentarmos nosso dia.

Que se estou cansado demais para fazer amor,
ela não ironize nem diga que "até que durou muito" o meu desejo ou potência.

Que quando quero fazer amor ela não se recuse demasiadas vezes, nem fique impaciente ou rígida, mas cálida como foi anos atrás.

Que não tire nosso bebê dos meus braços dizendo que homem não tem jeito pra isso, ou que não sei segurar a cabecinha dele, mas me ensine docemente se eu não souber.

Que ela nunca se interponha entre mim e as crianças, mas sirva de ponte entre nós quando me distancio ou me distraio demais.

Que ela não me humilhe porque estou ficando calvo ou barrigudo, nem comente nossas intimidades com as amigas, como tantas mulheres fazem.

Que quando conto uma piada para ela ou na frente de outros, ela não faça um gesto de enfado dizendo "Essa você já me contou umas mil vezes".

Que ela consiga perceber quando estou preocupado com trabalho, e seja calmamente carinhosa, sem me pressionar para relatar tudo, nem suspeitar de que já não gosto dela.

Que quando preciso ficar um pouco quieto ela não insista o tempo todo para que eu fale ou a escute, como se silêncio fosse falta de amor.

Que quando estou com pouco dinheiro ela não me acuse de ter desperdiçado com bobagens em lugar de prover minha família.

Que quando eu saio para o trabalho de manhã ela se despeça com alegria, sabendo que mesmo de longe eu continuo pensando nela.

Que quando estou trabalhando ela não telefone a toda hora para cobrar alguma coisa que esqueci de fazer ou não tive tempo.

Que não se insinue com minha secretária ou colega para descobrir se tenho amante.

Que com ela eu também possa ter momentos de fraqueza e de ternura, me desarmar, me desnudar de alma, sem medo de ser criticado ou censurado: que ela seja minha parceira, não minha dependente nem meu juiz.

Que cuide um pouco de mim como minha mulher, mas não como se eu fosse uma criança tola e ela a mãe, a mãe onipotente, que não me transforme em filho.

Que mesmo com o tempo, os trabalhos, os sofrimentos e o peso do cotidiano, ela não perca o jeito terno e divertido que tanto me encantou quando a vi pela primeira vez.

Que eu não sinta que me tornei desinteressante ou banal para ela, como se só os filhos e as vizinhas merecessem sua atenção e alegria.

E que se erro, falho, esqueço, me distancio, me fecho demais, ou a machuco consciente ou inconscientemente,

Ela saiba me chamar de volta com aquela ternura que só nela eu descobri, e desejei que não se perdesse nunca, mas me contagiasse e me tornasse mais feliz, menos solitário, e muito mais humano.
Lya Luft

Canção das mulheres

Que o outro saiba quando estou com medo, e me tome nos braços sem fazer perguntas demais.

Que o outro note quando preciso de silêncio e não vá embora batendo a porta, mas entenda que não o amarei menos porque estou quieta.

Que o outro aceite que me preocupo com ele e não se irrite com minha solicitude, e se ela for excessiva saiba me dizer isso com delicadeza ou bom humor.

Que o outro perceba minha fragilidade e não ria de mim, nem se aproveite disso.

Que se eu faço uma bobagem o outro goste um pouco mais de mim, porque também preciso poder fazer tolices tantas vezes.

Que se estou apenas cansada o outro não pense logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva, nem diga que reclamo demais.

Que o outro sinta quanto me dóia idéia da perda, e ouse ficar comigo um pouco - em lugar de voltar logo à sua vida.

Que se estou numa fase ruim o outro seja meu cúmplice, mas sem fazer alarde nem dizendo ''Olha que estou tendo muita paciência com você!''

Que quando sem querer eu digo uma coisa bem inadequada diante de mais pessoas, o outro não me exponha nem me ridicularize.

Que se eventualmente perco a paciência, perco a graça e perco a compostura, o outro ainda assim me ache linda e me admire.

Que o outro não me considere sempre disponível, sempre necessariamente compreensiva, mas me aceite quando não estou podendo ser nada disso.

Que, finalmente, o outro entenda que mesmo se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser, a mulher-maravilha, mas apenas uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa - uma mulher.
Lya Luft.

Recadinho pra você!


7 anos de amor !!!



Só posso dizer que amo muito, do jeitinho que é... nem relacionamento de amizades são só flores... por isso estamos juntos, do mesmo jeito que era no início, só mais maduro, mais intenso, mais feliz! 
Te amo amo amo muito... se der... pra sempre! =)

Promessas de Casamento

Em maio de 98, escrevi um texto em que afirmava que achava bonito o ritual do casamento a igreja, com seus vestidos brancos e tapetes vermelhos, mas que a única coisa que me desagradava era o sermão do padre. "Promete ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-lhe e respeitando-lhe até que a morte os separe?" Acho simplista e um pouco fora da realidade. Dou aqui novas sugestões de sermões:

- Promete não deixar a paixão fazer de você uma pessoa controladora, e sim respeitar a individualidade do seu amado, lembrando sempre que ele não pertence a você e que está ao seu lado por livre e espontânea vontade?
- Promete saber ser amiga(o) e ser amante, sabendo exatamente quando devem entrar em cena uma e outra, sem que isso lhe transforme numa pessoa de dupla identidade ou numa pessoa menos romântica?
- Promete fazer da passagem dos anos uma via de amadurecimento e não uma via de cobranças por sonhos idealizados que não chegaram a se concretizar?
- Promete sentir prazer de estar com a pessoa que você escolheu e ser feliz ao lado dela pelo simples fato de ela ser a pessoa que melhor conhece você e portanto a mais bem preparada para lhe ajudar, assim como você a ela?
- Promete se deixar conhecer?
- Promete que seguirá sendo uma pessoa gentil, carinhosa e educada, que não usará a rotina como desculpa para sua falta de humor?
- Promete que fará sexo sem pudores, que fará filhos por amor e por vontade, e não porque é o que esperam de você, e que os educará para serem independentes e bem informados sobre a realidade que os aguarda?
- Promete que não falará mal da pessoa com quem casou só para arrancar risadas dos outros?
- Promete que a palavra liberdade seguirá tendo a mesma importância que sempre teve na sua vida, que você saberá responsabilizar-se por si mesmo sem ficar escravizado pelo outro e que saberá lidar com sua própria solidão, que casamento algum elimina?
- Promete que será tão você mesmo quanto era minutos antes de entrar na igreja?

Sendo assim, declaro-os muito mais que marido e mulher: declaro-os maduros.
- Martha Medeiros -

A sibutramina e o teste da tolerância



Quando o assunto é obesidade, a sociedade se divide entre o preconceito e o politicamente correto

CRISTIANE SEGATTO
CRISTIANE SEGATTO  Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 15 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo. Para falar com ela, o e-mail de contato é cristianes@edglobo. (Foto: ÉPOCA)
Vamos começar com um jogo. Responda às questões abaixo com “falso” ou “verdadeiro”. Não vale tentar parecer politicamente correto. Responda com o máximo de sinceridade, de acordo com a sua opinião. Se preferir, faça o teste sozinho, em silêncio. O segredo é não temer o julgamento alheio.
1) Obesos são preguiçosos
2) Algumas pessoas estão fadadas a ser gordas
3) Se estivesse selecionando um funcionário e entrevistasse dois candidatos com habilidades e currículo semelhantes, contrataria o mais magro
4) Só é gordo quem quer
5) Ninguém precisa de remédio para emagrecer
6) Prefiro ter uma filha anoréxica a ter uma filha gorda
7) Gordos são feios, mas têm bom humor
Quanto mais vezes você concordar com as frases acima, mais contaminado pelo preconceito contra os obesos você deve estar. Uma versão mais elaborada desse teste é parte de uma pesquisa realizada pela antropóloga Alexandra A. Brewis, da Universidade do Estado do Arizona, nos Estados Unidos. O trabalho foi publicado no periódico Current Anthropology.
Várias pesquisas anteriores haviam demonstrado que o excesso de peso se tornou um estigma. Virou uma marca socialmente imputada aos obesos como prova de indolência - entre tantos outros preconceitos. O que Alexandra fez foi avaliar de que forma a visão pejorativa predominante na sociedade americana se espalhou globalmente. Inclusive em populações ou grupos que, historicamente, encaravam as curvas como um sinal de beleza e saúde.

Setecentas pessoas participaram da pesquisa em países da “anglosfera” (Estados Unidos, Inglaterra e Nova Zelândia), em nações da América Latina (México, Argentina e Paraguai) e em sociedades que tradicionalmente preferem corpos volumosos, como os nativos de Porto Rico e da Samoa americana (que fica na Polinésia).
Ela observou altos níveis de estigma em todas as sociedades estudadas. “Em pouco tempo, as percepções negativas sobre os obesos vão se tornar norma cultural mesmo nas comunidades em que as formas opulentas eram, até recentemente, vistas como atraentes”, afirma Alexandra.

O que estimula esse fenômeno? O fator óbvio, aquele que está na cabeça de todos nós, é o padrão de beleza magérrima cultuado pela mídia. Alexandra enxergou outro: as campanhas de saúde pública que apontam a obesidade como uma doença e, muitas vezes, criticam diretamente os indivíduos em vez dos fatores ambientais e sociais que levam ao ganho de peso.

“O excesso de mensagens negativas sobre saúde carregam com elas muitas mensagens morais negativas”, diz Alexandra. Segundo ela, expressões do tipo “a culpa é sua” ou “você pode mudar” são contraproducentes.
É um ponto que merece reflexão. Principalmente no momento em que as autoridades sanitárias debatem a proibição de inibidores de apetite. Desde fevereiro, a Anvisa discute se retira ou não do mercado a sibutramina (a principal escolha dos médicos que receitam drogas para tratar a obesidade) e outros três medicamentos: anfepramona, femproporex e mazindol.
A decisão era aguardada para quarta-feira, mas foi postergada mais uma vez. A tendência é a de que a agência mantenha a sibutramina no mercado, mas exija que o paciente e o médico declarem saber que o remédio aumenta o risco de problemas cardiovasculares. Provavelmente, os outros três remédios serão proibidos.
Para quem não acompanhou o que está por trás desse debate, aí vai um resumo: a sibutramina atua no cérebro e aumenta a sensação de saciedade. É um tratamento barato (R$ 20 por mês), mas incerto. Alguns pacientes não emagrecem nada. Outros podem perder mais de 20 quilos.
A justificativa da Anvisa a favor da proibição é um estudo de seis anos realizado pelo próprio laboratório Abbott, o fabricante do Reductil (a primeira marca de sibutramina a chegar ao mercado) com 10 mil pacientes, a pedido da Agência Europeia de Medicamentos (Emea). Foram incluídos apenas obesos acima de 55 anos, com diabetes e histórico de problemas cardiovasculares.
No grupo que recebeu placebo (comprimidos sem efeito), o índice de infarto, AVC ou outros problemas cardiovasculares foi de 10%. No grupo que tomou sibutramina, o índice foi de 11,6%. Ou seja: o risco aumentou 16%. Nenhuma morte foi registrada.

Embora o estudo tenha sido realizado com um grupo de alto risco, as autoridades europeias estenderam as conclusões para a população geral e proibiram a venda do remédio em janeiro de 2010.
A Abbott também foi pressionada pela agência americana FDA e decidiu retirar a droga dos Estados Unidos. O mesmo ocorreu no Brasil no final de 2010, mas a sibutramina continuou disponível na forma de produtos genéricos ou similares. Restaria nas farmácias apenas o orlistat, conhecido pela marca Xenical. Ele não atua no cérebro e tem um efeito emagrecedor menor.

Durante toda a discussão, várias afirmações preconceituosas ou descabidas vieram à tona. Coisas do tipo: qualquer um pode emagrecer sem remédios; há abuso de inibidores de apetite no Brasil; os endocrionologistas são contra a proibição dos remédios porque os consultórios deles vão ficar vazios.
Nenhuma dessas afirmações está baseada em fatos. Seria maravilhoso se todas as pessoas emagrecessem apenas com reeducação alimentar e atividade física. Essa é, sem dúvida, a opção mais saudável, barata e duradoura. Infelizmente, não funciona para todo mundo.
“No grupo de pacientes com grau de obesidade que varia de leve a mórbida, 70% não emagrecem sem remédio. Podem até emagrecer por um tempo, com exercícios ou dietas, mas vão recuperar o peso”, diz o endocrinologista Alfredo Halpern, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
É verdade que muita gente toma inibidores de apetite de forma indiscriminada, irresponsável e, muitas vezes, desnecessária. Mas os números demonstraram que não há excesso de consumo de sibutramina no Brasil.
“No ano passado, houve 1,9 milhão prescrições. Isso é suficiente para tratar apenas 1,7% dos 19 milhões de brasileiros obesos”, diz Ricardo Meirelles, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.
Em vez de proibir os emagrecedores, as autoridades sanitárias deveriam aumentar o controle sobre a prescrição. Se esses remédios baratos (hoje encontrados apenas na forma de genéricos e similares) saírem do mercado, os ricos terão a opção de se tratar com alguns antidepressivos, anticonvulsivantes e outros remédios que, como efeito colateral, podem provocar perda de peso.
E os pobres? Para variar, ficarão sem opção.
Antropólogos como a americana Alexandra podem não gostar, mas de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) a obesidade é uma doença. Uma doença complexa, influenciada por razões sociais, econômicas, biológicas, emocionais e culturais. À medida que a pessoa sai do sobrepeso e caminha para a obesidade mórbida, a saúde fica cada vez mais comprometida.
A obesidade representa hoje um dos maiores desafios de saúde pública porque aumenta o risco de males como diabetes, infarto, AVC e câncer. Não é razoável imaginar que um obeso grave, com articulações comprometidas e joelhos sobrecarregados, possa sair correndo no parque se estiver motivado.
“É um tremendo preconceito achar que o obeso não emagrece porque não tem vergonha na cara”, diz o endocrinologista Walmir Coutinho, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso).
Por outro lado, vitimizar os obesos, tratá-los como seres incapazes de governar sua vida, assumir suas fraquezas e mudar seu destino também me parece injusto e hipócrita.
Assim como os magros, os gordos não são santos. Têm defeitos, sucumbem a tentações, procrastinam. Não devem ser tratados como vítimas indefesas de seus genes, do ambiente, da cultura, da condição social. Têm livre arbítrio e capacidade de lutar contra uma situação física e emocional que coloca a vida em risco.
Preconceito em relação à obesidade, nas ruas ou nos gabinetes de Brasília, não ajuda. O discurso politicamente correto que vitimiza os gordos também não!

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Jovens com TOC contam como lidam com o vício em manias


Inquieta, Andressa Freitas de Souza, 23, bota-se de pé. "Sabe o que é? Se eu não lavar as mãos, não vou conseguir conversar com você."
A garota vê sujeira onde, aparentemente, não há. "Se eu tocar no chão, no rejunte dos pisos, por exemplo, acho que vou me contaminar".
A aflição só passa quando ela abre a torneira da cozinha: "Senão a mente trava", explica, esfregando as mãos com detergente.
Andressa tem TOC (transtorno obsessivo-compulsivo), um distúrbio mental que afeta cerca de 4 milhões de jovens e adultos no Brasil. "A obsessão é aquele pensamento, mesmo sem sentido, que a pessoa não consegue tirar da cabeça. E a compulsão é o ritual feito para afastá-lo", explica Ana Hounie, psiquiatra do Hospital das Clínicas de São Paulo.
De acordo com a especialista, qualquer um pode desenvolver o TOC. E, muitas vezes, os primeiros sinais despontam na adolescência.

SAO PAULO, SP, BRASIL, 31-08-2011, 19:00h. Andressa Freitas, 23, fotografada em sua casa. Andressa uma das personagens da reportagem do Folhateen sobre jovens com TOC (transtorno obsessivo-compulsivo). Entre as muitas "manias" de Andressa est a simetria: a arrumao das roupas dela no guarda-roupa segue um padro de cor e "velhice"; ela no consegue dormir se o chinelo no estiver posicionado da forma como ela quer; pensamentos ruins a perturbam se, quando mesa durante a refeio, o copo, os talheres e os demais objetos no esto alinhados da maneira "correta".(Alexandre Rezende/Folhapress FOLHATEEN) *** EXCLUSIVO FOLHA ***
Andressa, 23, começou a tratar o TOC com remédios aos 19 anos


CHEIOS DE MANIAS
Prisioneira de inúmeras manias, que se acumularam e se substituíram, Andressa começou a ir mal na faculdade de enfermagem e largou tudo no segundo semestre.
"Quando ia estudar, era o caderno deste jeito, a caneta assim, o estojo ali... Insuportável." Como se não bastasse a fissura pela higiene, ela também se apega à simetria.
No ano seguinte, aos 19, a mãe chegou em casa afobada, sacudindo uma revista: "Olha, Andressa, você tem a mesma coisa que o Roberto Carlos!".
A revista, que já era antiga, contava que o cantor não saía de um lugar pela porta que entrou, não usava marrom e não dizia palavras negativas: parou até de cantar um de seus sucessos, "Quero Que Vá Tudo pro Inferno".
Preocupada, Andressa começou a pesquisar sobre o TOC e encontrou outro caso famoso, o da modelo e atriz Luciana Vendramini. Ela ficou entre 1999 e 2003 sem trabalhar, tempo que levou para vencer a doença. No início, ela só conseguia dormir depois de ver três táxis amarelos. No auge, ficou dez horas no chuveiro, esperando um pensamento bom vir à mente.

SAO PAULO, SP, BRASIL, 31-08-2011, 19:00h. Andressa Freitas, 23, fotografada em sua casa. Andressa uma das personagens da reportagem do Folhateen sobre jovens com TOC (transtorno obsessivo-compulsivo). Entre as muitas "manias" de Andressa est a simetria: a arrumao das roupas dela no guarda-roupa segue um padro de cor e "velhice"; ela no consegue dormir se o chinelo no estiver posicionado da forma como ela quer; pensamentos ruins a perturbam se, quando mesa durante a refeio, o copo, os talheres e os demais objetos no esto alinhados da maneira "correta".(Alexandre Rezende/Folhapress FOLHATEEN) *** EXCLUSIVO FOLHA ***
Todos os dias, antes de dormir, Andressa faz o mesmo ritual com o par de chinelos. Primeiro, checa se as solas estão limpas. Depois, posiciona o par sobre a risca formada entre os pisos e começa a contagem: "um, dois, um, dois, um dois", tocando o chinelo com os dedos. Se, durante o ritual, ela ouve um barulho, é preciso recomeçar

De imediato, Andressa procurou um psiquiatra e começou a se tratar com remédios. "Quando ele me disse que o TOC não tinha cura, eu comecei a chorar", lembra.
Há um ano, Diogo *, 12, também encara o tratamento recomendado --medicamentos (como antidepressivos) e terapia. Ele é da turma da limpeza, mas nada o atrapalha na escola, já que a região "contaminada" está em casa. Discreto, diz que não quer "parecer estranho".
Às vezes, o transtorno é tão intenso que chega a afastar seus portadores até de pessoas queridas. É o caso de João*, 19, que quando era criança não conseguia tocar na irmã, porque algo dentro da sua cabeça dizia que ela era "suja".
Naquele tempo, criou outro comportamento repetitivo: engolir saliva olhando para cima, "para não absorver algo do inferno". Aos 17, "achava que minha mãe ia morrer e rezava para isso não se concretizar".
Hoje, no segundo tratamento, ainda se incomoda com alguns pensamentos, mas uma rápida oração é o suficiente para acalmá-lo.

ENQUANTO É TEMPO
"O Roberto e a Luciana não têm ideia do quanto eles encorajam, até hoje, as pessoas", conta a educadora Maura Carvalho, que fundou, em 1996, a Astoc (Associação Brasileira de Síndrome de Tourette, Tiques e Transtorno Obsessivo-Compulsivo), junto com outras três mães.
Comum entre os jovens com o transtorno, a vergonha e a discrição, na verdade, só atrapalham. Quanto mais tarde o TOC for diagnosticado, mais difícil fica controlá-lo.
"O primeiro remédio é, na verdade, a informação", explica. De acordo com a educadora, é importante que as famílias e as escolas estejam atentas e preparadas para dar suporte e tornar tudo o mais natural possível.
"Se o Rei tem TOC, qual é o problema de nossos filhos e alunos terem, poxa?", acrescenta, entre risos.

* Nomes fictícios
MAYRA MALDJIAN
DE SÃO PAULO

Coragem!


sábado, 10 de setembro de 2011

Ele se acha o centro do universo?


O termo “narcisista” vem da mitologia grega. Narciso foi um homem condenado a se apaixonar eternamente por sua própria imagem refletida num lago. Ele foi punido por recusar o amor de Eco, a jovem ninfa das montanhas. Por não conseguir possuir a própria imagem, Narciso se destruiu. Hoje chamamos de “narcisistas” as pessoas egocêntricas, que vivem em torno de seu próprio mundo e de seus próprios desejos, sem empatia com o outro. Eles não conseguem estabelecer vínculos fortes. Em menos ou maior grau, não conseguem amar.
Importante: de acordo com os especialistas, de 75% a 80% dos narcisistas são do sexo masculino.
Está sendo lançado no Brasil o livro Ele se acha o centro do universo – sobreviva a um narcisista despertando nele o interesse por você, sua vida e seus sentimentos. A autora, a psicóloga americana Wendy Behary, é especialista neste tipo de transtorno. Diretora do Centro de Terapia Cognitiva de New Jersey, ela diz que o narcisismo é um dos maiores desafios da psicoterapia. Segundo ela, este tipo de indivíduo só procura a terapia quando a companheira faz um ultimato. Isso porque o narcisista não acha que tem problemas. Para ele, quem tem problemas são os outros. Também costuma ser difícil deixar um narcisista. Em muitos casos, eles são belos, sedutores, interessantes e bem-sucedidos.
O narcisista atrai e repele ao mesmo tempo. Ele pode parecer um Sir Lancelot moderno, repleto do encanto mais arrogante que se pode imaginar e adornado pela armadura bilhante de nossa época: uma carteira de investimentos polpuda e bens caros. Cuidado! Esse cavaleiro é um mestre da ilusão. Na verdade, talvez ele seja pura e simplesmente uma ameaça. Você pode cair nas garras sedutoras de sua inteligência e de sua aparentemente impecável autoconfiança. Entretanto, a arrogância, a complacência, o senso de merecimento e a falta de empatia são agressões terríveis que inevitavelmente levam a encontros interpessoais frustrantes e a relacionamentos de longo prazo crônicamente difíceis.
Wendy Behary diz que mesmo a mulher mais linda, segura e independente pode sofrer ao se relacionar com um narcisista – se não souber deixá-lo (ou modificá-lo, o que nem sempre é fácil) a tempo. “Suas necessidades serão subjugadas”, afirma. No livro, a psicoterapeuta explica o funcionamento do cérebro do narcisista, ajuda a identificar as armadilhas de seu comportamento, a enfrentá-lo e, finalmente, a modificá-lo. Para alguns, chegar ao fim será perceber também o que há de narcisista em nós mesmos. Você ainda não sabe se está casada com um narcisista? Copio aqui o teste que o livro oferece:
A PESSOA DIFÍCIL EM SUA VIDA É UM NARCISISTA?
Leia os itens listados a seguir e marque todos os que se aplicam à pessoa. Mas só marque se tal traço ocorrer com frequência.
1. Egocêntrico – age como se o mundo girasse a seu redor
2. Autoritário – dira e quebra regras
3. Intimidador – diminui você e a humilha
4. Exigente – de qualquer coisa que ele ou ela deseja
5. Desconfiado – suspeita de suas razões quando você está sendo simpática
6. Perfeccionista – tem padrões rigidamente elevador: ou é do jeito dele ou nada
7. Esnobe – acredita que é superior a você e aos outros; sente-se entediado com facilidade
8. Obcecado por aprovação – anesia por elogios e reconhecimentos constantes
9. Antipático – não tem interesse em entender a experiência interna alheia, ou é incapaz de fazê-lo
10. Sem remorsos – não consegue se desculpar genuinamente
11. Compulsivo – dedica-se excessivamente a detalhes e minúncias
12. Viciado – não consegue abrir mão de antigos hábitos; usa-os para se acalmar
13. Emocionalmente distante – evita os sentimentos
Se você marcou pelo menos 10 dos 13 traços, a pessoa se enquadra nos padrões estabelecidos para o narcisismo flagrantemente desadaptativo, a forma mais comum e difícil.
Fiz o teste – inclusive retroativo, para relacionamentos passados. Dei sorte. Nunca estive ao lado de um narcisista. O máximo que o teste deu foi 3 – e para alguém que já passou.
E você?





Martha Mendonça é editora-assistente de ÉPOCA no RJ.
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