segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Uma pausa para respirar


Como relaxar quando o mundo parece irrespirável!


Hoje não tem tragédia, dilema ou desafio. Nenhum dos embates de difícil solução que costumo mencionar nesta coluna. Nada de reclamação, alerta ou denúncia. Tudo isso é importante, mas pode esperar uma semana. Hoje proponho um pouco de leveza. Quem sabe descobrimos, juntos, que ela também é relevante?
No final de julho, tudo o que eu queria era respirar. Literalmente. O ar seco e a poluição provocada por sete milhões de carros deixavam a cidade de São Paulo insuportável. Não há nada de espetacular ou incomum no ato de respirar. É a mais básica das necessidades humanas, mas é de uma relevância tremenda. É o que faz a diferença entre a vida e a morte.
A maioria de nós é capaz de passar uma existência inteira sem dar a devida atenção à respiração. Só pensamos nela quando o oxigênio começa a fazer falta. É um erro.
No sentido figurado, também queria respirar. Descansar o corpo e a mente. Se não fazemos isso, se nos deixamos abater pelas incertezas, pelo estresse, pelo medo, pelas relações conturbadas, o mundo se torna irrespirável.   
Por essas duas razões, resolvi passar uns dias de férias no Rio. Descobri que a cidade é ainda mais maravilhosa no inverno.Solzinho ameno, praias vazias, generosas porções de ar (ainda) respirável.
O que mais admiro nas praias cariocas - e em grande parte do Brasil - é o jeito nacional de ganhar a vida sem perder a esportiva. Uma capacidade que grande parte dos paulistanos perdeu.
É uma tremenda bobagem dizer que os paulistas trabalham mais que os cariocas. Além de démodé, essa rivalidade Rio-São Paulo se alimenta de um preconceito que, como todo preconceito, é vergonhoso.
Há muitos trabalhadores informais nas praias do Rio. Eles trabalham duro. Ao mesmo tempo, respiram. Nos dois sentidos: no literal e no figurado. Isso se traduz em eficiência no trabalho e indica uma tremenda sabedoria. É gente que sabe viver.
Em Ipanema, no Posto 8, admirei a capacidade de ganhar a vida (com categoria e saúde) da dona de uma barraca que aluga cadeiras e serve quitutes. Ela passa o dia inteiro na praia, de biquíni. Se vestisse terninho e fosse CEO de uma grande rede hoteleira, não aparentaria mais profissionalismo.   
Muitos outros seguem a mesma receita de sucesso. Dos inúmeros vendedores de Biscoito Globo, mate, sorvete, esfiha à transexual que vende balangandãs de todas as cores e caminha em silêncio com a postura de quem se exibe na categoria luxo do desfile de fantasias do Hotel Glória.
A microempresária (ou nanoempresária?) de Ipanema aposta, ao mesmo tempo, na hotelaria e na gastronomia. De sua banqueta, observa os movimentos dos clientes refastelados na areia. Pressente, à distância, os desejos de consumo dos turistas e, sem ser indelicada, oferece bebidas e petiscos na hora certa. Depois volta para seu posto de observação. Conversa, ri, respira.
Será que eu teria feito essa leitura da realidade se não estivesse de férias? Assim, sem medo de ser feliz nem de parecer ingênua? Talvez não. Jornalistas têm pavor de ingenuidade. Talvez por isso percam a chance de enxergar o lado bom da vida e dos fatos. Ficam viciados em notícia ruim.
Nosso estado mental altera a forma como sentimos e interpretamos os acontecimentos. Não é isso que aprendemos quando fazemos terapia? Chegamos estropiados ao consultório do terapeuta. Depois de alguns meses nos sentimos muito mais leves. Qual o mistério?
A carga de trabalho não mudou, os chefes continuam se comportando da mesma forma, a família é o que sempre foi, a cidade não se tornou mais amigável. O que muda é a forma como enxergamos os fatos e nos deixamos afetar por eles.
Cabe a cada um buscar os recursos necessários para se fortalecer. Sim, é possível aprender a respirar num mundo irrespirável. Há muito tempo se sabe que pensamentos e sentimentos podem afetar a saúde.
Mais e mais estudos revelam que a ansiedade, o medo ou o otimismo não são apenas sentimentos. São estados fisiológicos capazes de afetar a saúde, tanto quanto a obesidade ou a prática de exercícios físicos.
A chamada medicina mente-corpo foi desbravada nos anos 70 pelo americano Herbert Benson, fundador de um instituto ligado à Universidade Harvard.
Hoje os cientistas sabem que a resposta do organismo ao estresse crônico envolve hormônios que podem desencadear desde uma simples dor de cabeça até um infarto. O principal hormônio envolvido nisso é o famoso cortisol. Ele é benéfico quando o estresse é passageiro. A substância nos deixa em estado de alerta, o que nos permite enfrentar a ameaça ou fugir dela.
Se o estresse for crônico, porém, o cortisol fica circulando em grandes quantidades na corrente sanguínea. É aí que mora o perigo. Cortisol em excesso aumenta o risco de aterosclerose (acúmulo de gordura nas paredes das artérias), eleva a pressão arterial, enfraquece o sistema imune e, com isso, reduz a capacidade do organismo de lutar contra as doenças. Ele provoca também outros danos: dificuldades de memória, úlceras, problemas dermatológicos e digestivos etc.
O que é possível fazer? Buscar o relaxamento. Não importa a ferramenta usada para chegar até ele. O que importa é relaxar, se equilibrar, estar em paz. Os cientistas acreditam que o corpo produz mais óxido nítrico quando está profundamente relaxado. E essa molécula atua como um antídoto contra o cortisol.
O importante é descobrir o que o ajuda a relaxar. Técnicas de meditação, de respiração, convívio social, natureza, terapia, religiosidade, altruísmo. Tudo isso pode ajudar. Algumas estratégias funcionam melhor para algumas pessoas do que para outras.
Consegui relaxar, mas arrumei uma encrenca depois dessa viagem. Meu marido quer se mudar para o Rio. Respirar vicia.   
(Cristiane Segatto escreve às sextas-feiras - REVISTA ÉPOCA)

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