quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Pois é...


Como posso mudar o que não gosto em mim?

Como posso mudar o que não gosto em mim?
:: Silvia Malamud :: 
Existe um caminho para que você alavanque as mudanças mais desejadas em seu modo de ser.
Se você se encontra infeliz com suas relações em geral, se é daquele tipo que fica criando estórias e mais estórias mentais sobre como seriam as melhores possibilidades para se obter bons posicionamentos num suposto confronto, mas que, na hora do vamos ver, nada daquilo acontece. Se constantemente fica frustrado por suas expressões se manifestarem muito aquém do que desejava, saiba que pode transcender este robô cerebral de repetição que, no final das contas, atualmente mal e mal, está a seu serviço.
Trata-se de um método certeiro que pode colocar quilômetros à frente de como você está acostumado a se reconhecer.

Gostaria de convidá-lo para uma rápida e radical jornada de transformação e para dar início a este processo, você terá que se exercitar em algumas tarefas não usuais:

- Comece por perceber que as suas ideias e imagens mentais costumam funcionar dentro de você exatamente da forma como encara a ação do ato de dirigir um carro; ou seja, suas imagens mentais, seus pensamentos e emoções estão totalmente automatizados em seu cérebro cumprindo funções do mesmo modo que o ato de dirigir um carro.

- Ao começar a dirigir você sabe qual chave liga o carro e para cada caminho destinado, recursos cerebrais aprendidos serão acionados com a finalidade de lhe possibilitar êxito. No aspecto das reações emocionais, exatamente o mesmo ocorre. Você até pode ter noção do que o aciona, do que ativa, mas depois disso, tudo acontecerá do mesmo modo de quando dirige um carro, seu cérebro recorrerá automaticamente e sempre aos mesmos circuitos aprendidos e enviará padrões de respostas conhecidos para cada tema dinamizado; no caso de dirigir um carro, o tema é entre outras coisas o destino.

Um dia tivemos que ter a presença do eu para aprendermos a funcionar em determinadas situações, depois disso, como um computador, o cérebro automatizou o conhecimento aprendido e agora, em nome de auxiliá-lo, libera estes padrões de conhecimento nas situações onde associa que terá o mesmo tipo de demanda. Isso tudo para nos ajudar a otimizar nosso tempo e para que possamos a partir dos aprendizados anteriores, seguir em frente conhecendo novas coisas, aprendendo mais sobre tudo e criando. O problema aqui é que o cérebro sem a presença do eu, que pode perceber cada situação como sendo única, apenas funciona como uma máquina que um dia foi ativada para cumprir determinadas funções e permanece trabalhando com estas variáveis. Assim como ligamos mecanicamente o nosso piloto automático ao dirigirmos um carro, esquecemos que para reorganizar uma nova mecânica de resposta cerebral precisamos reativar a presença do eu em cada situação de vida vivenciada. Temos que reaprender a fazer isso e quem sabe automatizar antes de tudo a presença de um eu presentemente ativo.

A primeira dica é sair do esquema de aceleração cerebral que insiste em ter autonomia sobre este eu que é o que manda e quem tem de verdade o real poder. Imagine só que enquanto você esta à mercê do seu piloto automático, a sua autoestima vai embora junto com o seu eu real. Na medida em que você se lembra que tem alguém aí dentro que tem poder sobre si mesmo, tudo muda e não há a menor possibilidade de ser diferente.

Na maioria das vezes, aparentemente não prestamos atenção enquanto estamos "dirigindo"... e num susto, de repente, quando ficamos mais atentos, conscientes e lúcidos, olhamos para a estrada e nos damos conta que alguém esteve ali durante todo o tempo, com conhecimentos sobre manobras entre outras diretrizes e que este alguém era nada além de você mesmo.

Enquanto você estiver ausente de si mesmo, suas ações relacionais entre outras situações em sua vida funcionarão de forma semelhante. Por mais que se saiba o quanto é possível planejar uma conversa importante e de modo inteligente, via de regra, é desconhecido o que e como todas estas ideias serão expressas na hora certeira. Por mais que se saiba que somos donos dos nossos atos e desejos interiores, na hora de expressar, não é bem assim que a coisa acontece. Na maioria das vezes, fica-se muito aquém do que se desejaria ter falado e, por outro lado, às vezes desconfortáveis, em meio à sensação foi falado demais.
- A ideia sugerida é a de ficar mais acordado e presente por dentro e por fora. Uma mudança que vai exigir transformação sutil de atitudes, no intuito de você compreender passo a passo como se tomar mais consciente do que está fazendo, inclusive, do que e de como pensa. Puxe o freio de mão e comece a ser o observador de si mesmo absolutamente presente.

À proporção em que for se ganhando nessa nova postura, tanto seus pensamentos acerca de algum tema, como as suas ações tenderão a ficar cada vez mais vívidas e poderosas, portanto, lúcidos. O resultado é desenvolvimento de maior autonomia de você para você mesmo.
Por conta desse novo engajamento de vida, e por estar mais presente percebendo os seus próprios pensamentos como um observador de si mesmo, tanto seu poder de ação, como os resultados deste tipo de experiência lhe abrirão portas para que você acesse suas inúmeras reservas ocultas de energia, sabedoria e experiências adquiridas ao longo da vida. Além de tudo isso, como bônus superior, você estará habilitado para fazer novas sínteses de si, podendo se renovar por completo e muito provavelmente que seus objetivos de vida poderão mudar de modo radical, pois você não será mais o mesmo.

Mais uma dica:
- Durante os exercícios de auto-observação, fatalmente você irá se confrontar com emoções negativas relacionadas a alguma situação; apenas pela sua observação e centramento fará uma ponte com uma situação positiva onde se sente bem. É somente a partir de uma boa sensação emocional resgatada que você poderá resolver mentalmente alguma questão que o perturba.
Este é um exercício que exige presença positiva para que você conquiste suas ações de modo deliberado e, como conseqüência, ser dono do seu estado emocional, assumindo o seu poder para escolher de verdade onde e como deseja ficar e não mais um resultado passivo de um circuito cerebral aprendido e automatizado.
O seu cérebro é inteligente, mas fica literalmente "burro" sem a sua presença, como um computador girando um programa nunca revisitado, com soluções não atualizadas e que acabam ficando arcaicas para todo o sistema.

Sempre é bom trocar softwares da nossa máquina mental quando percebermos ser necessário. Algumas vezes pode ter necessidade de chamar algum técnico para lhe auxiliar, no caso, terapeuta certificado, mas o serviço interno da autonomia do eu, quem sempre terá que fazer é você mesmo.

Todos nós temos a tendência de ficarmos anestesiados pelo dia a dia, mas se assim permanecermos, dificilmente sairemos vencedores de quadros que nos afetam de modo negativo. Com treino, você aprenderá a ter maestria sobre como sair de qualquer mal-estar para o estado de absoluta presença do eu. E na medida em que for desenvolvendo capacidade para examinar os seus inimigos internos que hoje lhe detonam, um véu começará a sair da sua frente e você saberá que está totalmente acordado, no comando da sua existência. Que lhe pertence.

Sempre!


Que tal falar sobre o que sente?

Que tal falar sobre o que sente? 
:: Rosemeire Zago :: 

Todos nós temos um pouco de dificuldade em lidar com nossos sentimentos. Tudo começa quando ainda somos crianças. Naquela época, raramente tínhamos alguém que nos desse apoio para que pudéssemos demonstrar sentimentos como raiva, ciúme, inveja, vergonha, nem chorar nos era permitido. Nos ensinavam, com raríssimas exceções, que nada devíamos demonstrar e, aos poucos, aprendemos a reprimir o que sentimos.

Quando não tivemos quem nos ajudasse a lamentar nossos momentos de dor, solidão, tristeza, acabamos por bloquear, esconder, até para nós mesmos, tudo aquilo que sentimos. Queremos ser fortes e conseguimos, mas só nós sabemos qual o preço que pagamos. Com o tempo, começamos a perceber que tudo aquilo que por anos ficou muito bem guardado, começa de alguma forma a pedir, para não dizer gritar, que precisa sair.
É neste momento que, inconscientemente, criamos situações nas quais estes sentimentos possam ser experimentados novamente.

Quando vivemos situações de desprezo, rejeição, abandono, solidão, quando criança, e não havia quem pudesse suportá-la ao nosso lado, passamos a recriar situações e relacionamentos para podermos expressá-los aqueles mesmos sentimentos que foram reprimidos, com a fantasia inconsciente de resolver o trauma original. Nem sempre recriamos as mesmas situações, mas, sim, qualquer situação que nos faça sentir os mesmos sentimentos.

Sentimentos de rejeição, abandono e abusos vividos durante a infância são os mais difíceis de serem superados. É como se registrássemos que não somos dignos de sermos amados, nem aceitos por aquilo que somos, gerando assim muitas dificuldades nos relacionamentos pela necessidade constante de aprovação e reconhecimento.
Por exemplo, uma pessoa que viveu situações de rejeição e abandono durante sua infância, pode buscar, é isso mesmo, buscar inconscientemente, situações que a façam se sentir abandonada e rejeitada.

Se teve um pai e/ou mãe que a rejeitaram, foram ausentes, distantes, poderá fazê-la recriar relacionamentos com pessoas que a façam se sentir igualmente rejeitada e abandonada. Com qual intenção? Para que possa se libertar daqueles sentimentos que tanto machucaram e continuam a machucar, mesmo depois de muitos anos.
Mas para isso é importante ter alguém com quem possa contar o que sentiu, lamentar, e receber todo apoio que não recebeu na época que aconteceu. Há pessoas que perderam pessoas significativas quando crianças e até hoje, já adultas, não choraram, nem elaboraram, e muito menos superaram essa dor.
Ser capaz de falar sobre a dor que sentimos significa que inconscientemente estamos dispostos a aceitar e superar o que nos aconteceu. O que nem sempre é fácil, pois assusta, causa medo de sentir mais dor, o que faz com que as pessoas evitem tocar nestes assuntos, o que só causa mais dor. O fato de não falar sobre o que sentimos, não nos isenta de senti-los.

Quando passamos uma vida sendo machucados e passamos por cima, ignorando como se nada tivesse acontecido, pois do contrário ficaríamos completamente sós, acabamos por permitir que outras pessoas nos machuquem mais e mais. Assim, perdemos o foco em nossa própria vida, deixando de nos ouvir para ouvir aos outros, deixamos de ser nós mesmos para sermos quem gostariam que fôssemos, e é assim que nos perdemos de nossa essência, de quem somos verdadeiramente.

É preciso lembrar e ter consciência que se um dia alguém não o aceitou, o abandonou, muitas outras lhe deram valor, gostam de você e estão ao seu lado.

É preciso parar com essa busca incessante de aprovação, seja de quem for, geralmente dos genitores, e que pode se estender por toda uma vida, do contrário, de vítima poderá se tornar em algoz de si mesmo.
Se a rejeição ainda está viva como se existisse no momento presente é porque, de alguma forma, você assim permite. Interrompa esse círculo vicioso de dor. Libere este sentimento para que ele se dissolva e pare de se torturar.
Hoje você não precisa mais passar pelas mesmas agressões, indiferença, desprezo, vergonha, humilhação, entre tantas outras situações que já vivenciou.
Hoje você pode viver na harmonia, paz, tranqüilidade, pois essa condição só depende de você.

Enquanto criança, não temos muitos recursos para nos defender, mas, hoje, adultos, podemos, e temos todo direito de sermos pessoas inteiras, felizes, sem implorar por carinho, apoio, compreensão, amor.
Com certeza, você deve ter muitos momentos agradáveis registrados em sua mente. Muitas palavras e atitudes de carinho. Traga isso para o momento presente. Por que se sentir desvalorizado, diminuído, inferior, rejeitado, porque uma pessoa não o aceitou ou demonstrou aquilo que você precisava? Por que não permitir que o amor de outras pessoas, que com certeza há ao seu redor, cheguem até seu coração? Quais são as pessoas que lhe demonstram amor, carinho, atenção, que lhe tratam com respeito, dignidade e consideração? Valorize essas pessoas, deixe que o amor que sentem por você seja muito maior que a rejeição e o desprezo que recebeu um dia. Você pode reagir!

A quem você gostaria de agradecer por uma palavra, um gesto, apoio, que um dia recebeu? Você já falou para essa pessoa o quanto lhe ajudou quando precisou? Por que não fazer isso agora? Dê um telefonema, escreva um e-mail, marque um almoço, jantar, um suco, um momento para falar da diferença que fez em sua vida.
Você deixará essa pessoa feliz e você ficará mais ainda em saber que há pessoas com quem pode contar. Divida estes bons sentimentos com quem conseguiu fazê-los despertar dentro de você.

A vida não pode ser contabilizada apenas por dor, mágoas, tristezas... mesmo que um dia existiram elas podem ser substituídas por alegria, paz, harmonia.
Saber valorizar o que recebemos de bom e partilhar com quem nos faz sentir vivos, alegres, pode ser um antídoto contra a dor que nos fizeram um dia sentir. Solte essa dor, chore o que não chorou, procure quem possa ouvi-lo, só assim irá conseguir se libertar daquilo, que por mais que negue, ainda dói dentro de você.

Gratidão.


Mulheres e garotos

Elas descobriram que não precisam de homens maduros para ser felizes.

Algumas das minhas amigas de 30 e 40 anos estão namorando garotos de 20. Não sei se é uma tendência, mas parece. Se eu conheço pessoalmente uns quatro casais, deve haver muitos deles por aí. Acho natural e previsível. Num mundo em que os homens sempre apreciaram a juventude das parceiras, as mulheres começam a fazer o mesmo. Basta ler o novo romance da série Bridget Jones – Louca pelo garoto - para constatar que o fenômeno está em toda parte. Ao menos como aspiração.

O que dizer sobre isso? Nada revolucionário. É mais uma manifestação da liberdade feminina. Ela deixa claro, de novo, que aquilo que sempre se disse sobre o desejo e os sentimentos das mulheres era bobagem para muitas delas. As mulheres NÃO precisam de um sujeito maduro para ser felizes. As mulheres SÃO atraídas de forma duradoura por um corpo e um espírito jovem. Como acontece há séculos com os homens.

Não há muito que discutir. No passado, quando as mulheres pouco podiam falar de si mesmas, criaram-se teorias para explicá-las. Teorias masculinas, naturalmente. Em geral formuladas por homens influentes, com mais de 40 anos. Agora que as mulheres podem fazer o que têm vontade, muitas estão descobrindo que as velhas descrições da alma feminina não lhes servem. Por isso estão mergulhadas em grupo no trabalho de explorar o mundo por conta própria. Às vezes em companhia de garotos. Sabe-se lá o que irão descobrir sobre elas mesmas.

Do alto da minha monumental ignorância, suspeito que as experiências das mulheres vão levá-las à constatação da diversidade. Umas farão de uma forma; outras, de forma inteiramente diferente. Não há uma regra que sirva para todas. Não há uma forma única de amar ou de ser feliz. Cada um de nós precisa de um tipo de resposta emocional e de parceria. Ela será encontrada em pessoas e situações diferentes. É simples.

É claro que existem comportamentos gerais, mas quem se interessa por eles? Não vivemos no interior de uma estatística. Cada um de nós habita a própria vida, convive com os próprios desejos, um dia de cada vez. A gente faz o que pode, nas circunstâncias que nos são oferecidas, com mais ou menos coragem e discernimento. Deixem aos sociólogos, em 100 anos, o trabalho de quantificar nosso comportamento. Até lá estaremos mortos, mas talvez tenhamos sido felizes.

Do ponto de vista que realmente importa – o dos sentimentos – relações entre gente de idades diferentes costumam ser mais cuidadosas. A percepção da distância faz com que as pessoas se tratem de maneira mais delicada. Elas sentem que aquela construção exige cuidados adicionais. O resultado da preocupação é bom. Vivemos um tempo de aspereza e até brutalidade nas relações afetivas. As pessoas andam despachadas demais umas com as outras. Melhor que se tratem com zelo do que com arrogância indiferente.

Minha experiência de ser mais velho, - mas também de ser o mais novo – sugere que há coisas legais nas duas situações. Gente mais velha aprecia a importância das relações e tende a tratar o outro com generosidade. É bom. O mais novo carrega uma intensidade que faz a vida ficar muito mais interessante. Também é bom. A arte está em lidar com as diferenças e fazer com que o interesse mútuo permaneça. Aí intercede a fatalidade. Alguns casais terão fôlego, outros não. Só dá para saber tentando.

(Ivan Martins escreve às quartas-feiras)

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Reflexão do dia


Amar não é para todos

Tem gente que ainda não aprendeu como se faz

O filósofo e escritor francês Albert Camus disse uma vez que o único tema filosófico que valia a pena era o suicídio. Às vezes, por outras razões, me ocorre que o único tema relevante sobre os relacionamentos cabe numa única pergunta: você é capaz de amar alguém que retribua os seus sentimentos?

A resposta automática a essa pergunta, em quase 100% dos casos, é afirmativa. “Claro que sim”. Mas, espere um pouco. Aproveite o momento solitário em frente desta tela e considere, sem risco de ser descoberto: você já gostou de alguém a ponto de deixar algo de lado por ele ou por ela? Já se percebeu duradouramente conectado a outro ser humano, de forma que ele deixasse de ser um estranho? Já sentiu que vida de alguém o preocupava – e o atingia - quase como se fosse a sua própria vida?

Quem consegue dizer sim a isso tudo e não está numa relação imaginária – ou platônica – com a pessoa do andar de cima, parabéns. Ao contrário do que diz a lenda, esse negócio de amor não é para todo mundo.

Se houvesse um teste emocional capaz de medir nossas emoções, acredito que ele mostraria que boa parte da humanidade não consegue estabelecer relações românticas profundas e duradouras.

Penso no sentimento geral de que é bom estar na companhia da sua pessoa, em vez de estar com qualquer outra. Penso em passar um dia, uma semana, um mês, sem cogitar em cair fora. Imagino um período, qualquer que ele seja, sem que os sentimentos e as sensações se voltem para fora da relação, em busca de horizontes que não estão lá. Quando eu falo em amor, penso em satisfação, ainda que temporária.

Quem passa no teste? Não muitos, imagino. O que nos leva de volta ao primeiro parágrafo e à capacidade de amar, que raramente é confrontada.

Por alguma razão inexplicável, estamos acostumados a atribuir o sucesso ou fracasso dos nossos relacionamentos apenas aos outros. Ela não me quer, não corresponde meus sentimentos, não é constante. Ou talvez seja algo na atitude dele, na maneira como fala, toma sopa ou ganha a vida que fez com que eu me afastasse. Em poucas palavras, nossos sentimentos parecem depender apenas do que o outro faz ou é, não de nós.

Isso acontece desde o início.

Aos 13 ou 14 anos, quando nos apaixonamos pela primeira vez, a “causa” da paixão é o outro. Sua beleza, seu comportamento, seu sorriso. Achamos que vem tudo de fora. Nem reparamos na elaboração interna do nosso sentimento. Não perguntamos o quê, na nossa personalidade, faz o outro tão atraente. Damos de barato que aquela pessoa é responsável pelo que sentimos, embora os sentimentos emanem de nós.

Essa exteriorização prossegue pelo resto da vida.

Quando as coisas não dão certo – no casamento, no namoro, no caso – rapidamente culpamos o outro e partimos para a reposição, sem investigar nossos sentimentos. Trata-se apenas de procurar com afinco até encontrar a pessoa certa. Mas existe pessoa certa para quem não consegue transpor a barreira de si mesmo e criar uma conexão duradoura com o outro?

Temo que não.

Minha impressão é que aprender a amar é trabalho para a vida inteira. Exige abrir mão do egoísmo, que é imenso. Supõe a capacidade de se encantar com aquilo que não é apenas um reflexo de nós. É essencial, sobretudo nos homens, superar o fascínio boçal pela aparência, que em muitos casos funciona como um sinal de trânsito indicando o caminho para a pessoa errada.

Ao final, como tantas outras coisas na vida, também essa precisa de tempo e de atenção. Tempo para se conhecer e perceber suas próprias dificuldades. Atenção para não se perder em falsas questões. No frigir dos bolinhos, o problema não deve ser apenas a imperfeição do outro, que existe e é imensa. O problema talvez seja a sua, a minha, a nossa incapacidade de superá-la. De amar, apesar dela.

(Ivan Martins escreve às quartas-feiras Revista Época)

Espiritualidade - o dom sagrado da vida

Espiriualidade - o dom sagrado da vida 

por Marcos Porto


Muitas vezes, esquecemos de que a vida é um dom precioso, isso porque ela nos parece tão simples.

No entanto, os dons mais preciosos e profundos são os mais simples. Nossas mentes imediatistas muitas vezes nos colocam em tais circunstâncias quando estamos à espera de algo extraordinário acontecer e, na ansiedade, deixamos de ficar animados sobre a vida.

Vamos, então, refletir sobre o tema?

A vida é um dom sagrado, em cada segundo que nela vivermos.

O fato de só respirarmos é dom Divino do Ser Maior Criador Deus, e isso é motivo suficiente de nossa imensa gratidão.

Cada dia de vida que o Ser Maior Criador Deus nos dá é um presente sagrado e precioso.

"Sabei que o Senhor é Deus, Ele que nos fez, e não nós mesmos; somos o seu povo e ovelhas do seu pasto", nos diz o Salmo 100:3.

A vida é um dom concedido livremente a nós pelo Amor Divino.

A vida humana é, portanto, para ser recebida e acolhida com atitude de alegria e ação de graças.

É para ser valorizada, preservada e protegida como a expressão mais sublime da sagrada atividade Criadora, que nos trouxe "do não-ser para o ser", mais do que mera existência biológica. Faz sentido?

Para nós, seres humanos, o dom sagrado da vida não é algo que adquirimos, passando por certos padrões de desenvolvimento ou ganhando por alcançar determinados objetivos: não é um prêmio de graduação.

Também não é algo que jamais poderá ser perdido.

A vida de um bebê antes de nascer ou recém-nascido, e quando adulto se tornando em um ser com integridade espiritual, é sagrada, não na forma como olhamos, ou no que podemos fazer, mas em função de quem somos.

Somos sagrados - cada ser humano é sagrado - porque todos nós fomos criados à imagem de Deus, de acordo com o que nos diz as Sagradas Escrituras - Gênesis 1:27.

Nossa convicção no dom sagrado da vida humana não é atributo peculiar de alguma religião.

Pessoas de diferentes religiões ou de nenhuma acreditam no sagrado da vida e na dignidade inerente à pessoa humana.

No entanto, o respeito ao dom sagrado da vida humana torna-se frágil se rejeitada e esquecida a importância da 'mão' do Ser Maior Criador Deus na nossa criação.

Com muita frequência, nós não consideramos a vida como dom Divino.

A vida se torna então mero objeto, reivindicada como nossa propriedade, totalmente sujeita ao nosso controle e manipulação.

A capacidade de tornarmos nossa vida sagrada depende muito do despertar do nosso coração ao nível de nos sentirmos gratos por todos os encontros com outras pessoas que cruzam nosso caminho.

A gratidão pode ser vista como sinal de abertura dos nossos corações, e indicação de que não estamos mais dispostos a agir na inconsciência, na indiferença ou por motivos que sejam menores do que o respeito à vida sagrada dos outros.

Nossas vivências de aprofundamento espiritual nas reuniões do Grupo de Reflexão já no décimo ano com os mesmos participantes têm sido muito relevantes e significativas.

No início das reuniões, costumamos canalizar mensagens ou trazer as que foram recebidas em outras situações, e são compartilhadas e refletidas por todos.

Especificamente na reunião de 14/09/13 nossa amiga participante Alaíde de Castro Fernandes nos trouxe o poema inspirado no nascimento do seu netinho Otto, motivando o tema desta reflexão:
"POEMA AO OTTO"
"Bem-vindo menino querido...
Tão amado, tão esperado
Nos teus três quilos sustentas o peso maior
A Vida como prêmio, a Vida como dádiva
Corpinho frágil, pele alva
Que ganha nuance rosa ao pequeno esforço
Choro forte como apelos ainda indecifráveis
Olhos grandes que buscam perceber, conhecer, reconhecer talvez!
Boquinha bem feita que em movimentos ritmados buscam sensações que agradem que acalmem
Mãos e dedinhos longos que se agitam e em momentos espalmadas parecem comandar
Toda a descrição que meus sentidos sejam capazes de captar
Passam longe da beleza e nobreza, da Essência, que anima teu Ser
Este és tu Otto!
Um Ser de Luz enviado pelo Pai Maior
Criador de tudo e de todas as criaturas
Que tu sejas muito feliz!
Ilumine-nos com tua pureza e graça,
E receba todo amor e carinho de todos que ansiosamente te aguardavam,
Obrigada por tua escolha...
Obrigada por tua Vida, na nossa Vida, na Vida da Eternidade".
Vovó Alaíde 04-09-2013.

Vidas sagradas na interação mútua das pessoas são como troca entre Almas. Está claro?

Sentimento de gratidão no entendimento de que, em cada encontro, prevalece o mérito de reconhecermos o outro que, é como nós, parte igual do grande mistério Divino da Criação.

O dom sagrado da vida requer responsabilidade em percebermos como estamos pensando, sentindo e agindo nas nossas interações com os outros.

Encontros com os outros, quando vistos como função da vida sagrada, será sempre recebida com gratidão, onde o amor é desejado e expressado por um coração que tem a alegria de recebê-lo, como na inspiração carinhosa da Alaíde no "POEMA AO OTTO". Correto?

Sempre que for oportuno o reconhecimento ao nosso irmão ou irmã de Alma, reverenciando o respeito ao Divino.

Quando somos gratos por tudo o que recebemos na vida, seja grande, pequeno, fácil, difícil, seremos capazes de enxergar cada ser vivo como preenchido com idêntica vida da Alma que possuímos.

Não seremos mais capazes de viver sem gratidão, porque iremos nos tornar parte de um coração que descobriu o Amor Universal. 

Tal coração gera para si uma vida sagrada, com amorosidade infinita de coração e Alma na intimidade com o Amor Divino do Ser Maior Criador Deus

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

O bonitão que não se apega.

Será que ele vai mudar aos 40 anos? Bem...

Certas coisas não melhoram com a passagem do tempo. A dificuldade em manter relacionamentos, por exemplo. Alguém que ache difícil namorar aos 20 anos dificilmente chegará aos 30 ou aos 40 como a pessoa mais apegada do planeta. O tempo diminuiu a curiosidade afetiva e a inquietude. Diminui também a compulsão sexual. Mas a relutância em criar laços só aumenta.
Tenho uma amiga cujo irmão de 40 anos ilustra o caso. Médico bonito e bem sucedido, ele troca de mulher com as estações do calendário. São sempre garotas bonitas, diz a minha amiga. Muitas delas são interessantes, ela me explica. Mas nenhuma dura no posto. Antes, o irmão levava algumas dessas garotas para conhecer a família. Nos últimos anos, envergonhado com o rodízio, só visita os pais e a irmã sozinho. Os filhos dela, com aquela ingenuidade perversa das crianças, costumavam perguntar pela namorada anterior... 
Casada há 10 anos, mãe duas vezes, minha amiga acha o irmão um caso perdido. “Ele não sabe o que quer”, ela resume, sacudindo a cabeça. Sente que ele sofre e gostaria de vê-lo maduro e emocionalmente amparado. Eu, que só conheço o cara superficialmente, duvido que seja possível essa transformação. Mas, ao contrário dela, não acho que seja um drama. 
Esse negócio de receber os outros na nossa vida não é simples. Só gente muito jovem acredita que é fácil dividir o corpo, os sentimentos e o cotidiano com alguém que acabamos de conhecer. Em geral as pessoas fazem sexo, encantam-se umas pelas outras por uns dias e logo depois se afastam. Encontros duradouros são infrequentes. Relacionamentos verdadeiros são raros. Para alguns, como o irmão da minha amiga, eles são quase impossíveis. 
Acho que a palavra-chave nesses casos é intimidade. Há pessoas com facilidade de abrir a sua intimidade para os outros e de penetrar na intimidade alheia. Outros avançam com dificuldade nesse terreno: são tímidos na hora de revelar e relutantes no momento de descobrir. Por alguma razão, a troca de sentimento lhes parece incômoda e inadequada. Ou incompatível com o desejo. Quanto mais sabem sobre o outro, menos atração sentem por ele. É uma recusa visceral de intimidade: só me relaciono enquanto o outro for uma fantasia. No momento em que se torna real e humano, no momento em que exige a minha humanidade, perco o interesse. 
As pessoas acham que essas atitudes são premeditadas. Imaginam que o sujeito que age assim está tirando proveito das pessoas e deixando-as de lado. Eu discordo. Minha impressão é que pessoas que vivem trocando de parceiros – como o irmão da minha amiga – apenas não conseguem se vincular. É mais uma dificuldade do que uma escolha. O discurso cafajeste ou libertino vem depois, para encobrir o buraco emocional e justificar uma forma de existência. Vira ideologia. Por trás dela, tem alguma espécie de sofrimento. 
Posto isso, não acho que seja um drama. Todos nós temos dificuldades. Alguns com sexo, outros com sentimentos, muitos com as chatices burocráticas da vida, como tirar diploma, pagar as contas e ganhar a vida. Quando a gente é jovem quer ser perfeito em tudo. Depois relaxa. 
Talvez o irmão da amiga seja assim. 
Ele provavelmente gostaria de se apaixonar perdidamente, casar e ter filhos. Como isso não acontece, vive e troca de mulher. Deve estar atrás de alguma coisa que provavelmente não existe e que ele não sabe o que é, mas que o ilude. Aos 20 anos, provavelmente achava que encontraria fácil. Aos 30, percebeu que a procura poderia ser longa. Agora, aos 40, talvez já tenha desistido. A pressão da família e dos amigos arrefeceu e ele está cada dia mais confortável com seu próprio jeito de viver.
Minha amiga se preocupa sinceramente com o irmão, mas isso talvez oculte algo inadmissível.
Quem vive fora dos trilhos, cheio de parceiros, provoca sentimentos ambíguos nos que têm vidas convencionais. Causam preocupação e mesmo pena, mas também inveja. Trocar de namorada todo mês pode ser um insulto para quem dorme há 10 anos como o mesmo parceiro e nem se lembra mais da sensação de despir um corpo desconhecido ou se deixar tocar por uma pessoa estranha. O inferno da vida dos outros está cheio de passagens que os virtuosos adorariam experimentar. 
 (Ivan Martins escreve às quartas-feiras)

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Mente moderna, coração careta

Nossas emoções nem sempre combinam com as nossas idéias /  IVAN MARTINS.

Nem sempre nossas convicções andam juntas com as nossas emoções. É comum que a gente pense uma coisa e sinta outra. Ou defenda em teoria coisas que não conseguimos praticar. O ideal seria que dentro de nós valores e emoções andassem coladinhos, mas nem sempre acontece. Vira e mexe a gente se pega em contradição com a gente mesmo: achando uma coisa e fazendo outra; desejando diferente do que acha bonito.

Outro dia, conversando com uma amiga, ela comentou que aquilo que diz sobre sexo e fidelidade não tem muito a ver com a vida que ela realmente leva. O discurso dela é muito liberal, mas a realidade dela é bem careta. Uma coisa são as convicções dela sobre o que é certo nesse terreno, outra são as atitudes que ela tem vontade de tomar. As duas coisas não batem, e ela se sente uma fraude.

Acho que esse tipo de coisa acontece todo dia, com muita gente. Coerência é uma mercadoria que nem sempre está disponível quando o assunto envolve sentimentos.

No passado, quando a sociedade inteira era mais ou menos moralista, as pessoas faziam sexo por impulso, enganavam seus parceiros e traiam suas mais profundas convicções. Corriam riscos graves e sofriam ao fazê-lo. Agora, quando a maioria tornou-se liberal, muitas pessoas violam suas próprias crenças e levam vidas sexuais e afetivas que seus avós aprovariam. Não é engraçado?

O que há de comum e ingovernável nos dois casos é o desejo. Às vezes queremos transgredir, outras vezes temos necessidade de nos adequar. A beleza do tempo em que vivemos é que ele permite as duas coisas. Todas as coisas, na verdade. A menina que quer namorar meninas e experimentar os prazeres da transgressão, pode. Assim como a garota ou garoto que sonha com o grande amor e o casamento na igreja: também pode.

Além de bonita, essa liberdade é benigna. Pense nos milhões que viviam em sofrimento no passado, quando não se podia fazer nada que o padre não abençoasse. Imagine os milhões que sofreriam agora se todos fossem forçados a agir como “modernos”. Não dá. O espírito humano é avesso a esse tipo de uniformidade. As pessoas são diferentes entre si. Desejam e necessitam coisas diferentes. O papel da sociedade é respeitar - e impedir, vigorosamente, que os desejos sejam satisfeitos por meio de violência física ou qualquer outra espécie de coerção. O resto é interferência indevida.

Mas isso não resolve o desconforto da minha amiga.

Ela tem toda a liberdade do mundo, mas não tem vocação para exercê-la. Acontece com muita gente. O ambiente ao nosso redor ajuda a desenvolver ideias e a moldar nossos valores. Depois espera que atuemos de acordo. Mas, quando se trata de questões íntimas, nem sempre é possível. A pessoa pode ser intelectualmente a favor do sexo livre, da bissexualidade e do poliamor, mas, na hora de transar com alguém que não seja seu parceiro ou parceira, vacila, treme e broxa. Acontece o tempo inteiro. A cabeça está num lugar, o sentimento está em outro. O intelecto é livre, mas a consciência está presa a certas formas de viver. O que se faz? 

Quem sente essa contradição como sofrimento pode buscar ajuda. Analistas são ótimos em identificar a causa das fissuras entre pensamento e sentimento. Um bom profissional pode ajudar a colocar as coisas em sintonia. Mas muitas pessoas não sentem a contradição como um problema. Estão em paz com a colisão de sentimentos e ideias. Sentem-se felizes com aquilo que são e sentem. Não me parece que haja nada de errado nisso. 

Quando eu era criança, nos anos 60, teve início uma onda quase revolucionária que tinha a intenção de libertar todo mundo para os prazeres do sexo. As proibições eram muitas e aos poucos foram sendo derrubadas. Cinquenta anos depois, nós ainda vivemos sob os efeitos dessa borrasca salutar de permissividade.

O que a atual geração acrescentou de original a ela foi a percepção de que nem todos querem ser libertados. Muitos aplaudem a revolução sexual e até lutam por ela, mas preferem, pessoalmente, viver de maneira recatada. Mantêm relações monogâmicas desde cedo, casam-se por volta dos 20 anos e têm filhos. Ou ficam solteiros, mas sempre com um namoro de cada vez, comportadamente. Parecem viver tão felizes – ou mais – do que aqueles que estão na vida louca. Apenas de maneira diferente. 

Deitados no divã do analista, talvez os comportados confessem fantasias que fariam corar o Marquês de Sade. Mas, e daí? Todos têm fantasias inconfessáveis. Elas não desqualificam ninguém. Hoje em dia podemos sonhar com tudo, até com a possibilidade de sermos caretas. Sem culpa.  


Quem morre?


Morre lentamente
Quem não viaja,
Quem não lê,
Quem não ouve música,
Quem não encontra graça em si mesmo

Morre lentamente
Quem destrói seu amor próprio,
Quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente
Quem se transforma em escravo do hábito
Repetindo todos os dias os mesmos trajeto,
Quem não muda de marca,
Não se arrisca a vestir uma nova cor ou
Não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente
Quem evita uma paixão e seu redemoinho de emoções, Justamente as que resgatam o brilho dos Olhos e os corações aos tropeços.

Morre lentamente
Quem não vira a mesa quando está infeliz
Com o seu trabalho, ou amor,
Quem não arrisca o certo pelo incerto
Para ir atrás de um sonho,
Quem não se permite, pelo menos uma vez na vida, Fugir dos conselhos sensatos...

Viva hoje !
Arrisque hoje !
Faça hoje !
Não se deixe morrer lentamente !

NÃO SE ESQUEÇA DE SER FELIZ!!!!!!!!!!!!!!
Martha Medeiros.

Livros para curar o incurável

A vida é cheia de momentos em que só a literatura pode nos ajudar.

Nunca acreditei nas promessas da autoajuda, mas sempre confiei no poder curativo da literatura. Não importa qual situação enfrentemos na vida, há sempre um personagem de ficção que passou por ela, ou memórias de outras pessoas que superaram os mesmos dramas. Poucas experiências são tão transformadoras quanto ler o livro certo no momento certo – e há um livro certo para qualquer estado de espírito. Se você desconfia de todos ao seu redor, há um livro que pode ajudá-lo. Sente-se traído por uma pessoa amada? Há um livro para isso. Está entediado com a futilidade da vida e em busca de um significado para tudo? Há um livro (ou talvez todos) para isso.  

Como qualquer pessoa com um trabalho vagamente relacionado à literatura, vez ou outra sou procurado por alguém que quer indicações de livros. No início, ciente da minha ignorância, eu desconversava. Com o tempo, perdi a vergonha. Indicar o melhor livro para cada pessoa e cada situação tornou-se um desafio delicado e recompensador. Não é necessário qualquer treinamento para se tornar um terapeuta literário: apenas o gosto pela leitura, uma memória razoável e um pouco de pretensão. 

A busca pela indicação ideal ultrapassa os limites da minha estante. Perdi a conta de quantas vezes indiquei um livro que eu não havia lido, com base na vaga impressão de que seria a leitura perfeita para aquela pessoa, naquele momento. A falta de regulamentação para os terapeutas literários permite essas irresponsabilidades. Fora isso, minha pequena experiência nessa área me convenceu de que é possível conhecer um livro sem jamais ter encostado nele.  

Uma das autoras que mais indiquei sem ter lido foi Joan Didion, de O ano do pensamento mágico e Noites azuis. No primeiro, a autora descreve sua solidão após perder o marido, com quem viveu por quase 40 anos. No segundo, narra sua vida após a morte da filha, apenas 20 meses depois. Os dois livros entraram merecidamente nas listas de mais vendidos. É provável que você já os tenha lido, ou tenha ouvido falar deles. Comprei os dois quando foram lançados, mas nunca me senti preparado para lê-los. Mesmo assim, Joan Didion sempre foi minha recomendação para amigos e conhecidos que procuravam um livro para ler após enfrentar uma grande perda.  

No último sábado, passei por uma dessas situações em que recorremos aos livros em busca de consolo: a morte inesperada de um grande amigo, em circunstâncias particularmente dolorosas. Na literatura, no cinema e na música, há milhares de obras que nos alertam sobre a finitude da vida e nos aconselham a aproveitar cada momento ao lado de pessoas queridas. Lamento não ter seguido os conselhos. Perdi a chance de passar mais tempo com uma das pessoas mais incríveis que conheci. A caminho do velório de meu amigo, na mesma igreja em que fui padrinho de seu casamento, não pude deixar de lembrar de todas as vezes em que deixamos de nos encontrar por preguiça, e de imaginar as conversas que poderíamos ter tido. Um doloroso e inevitável exercício de ficção.

Eu tinha outros planos para esta coluna, mas preferi deixá-los para uma semana melhor. Em vez disso, decidi seguir, com anos de atraso, a minha própria recomendação. Dediquei o resto do fim de semana a ler Joan Didion. Devagar, como quem reaprende a pensar na vida. Ainda não terminei nenhum dos livros. Tenho pouco a dizer sobre eles. Tanto tempo depois do lançamento, as melhores e as piores resenhas já foram escritas. O que importa é o que os livros têm a dizer para mim e o que já disseram para os outros leitores. Foi uma indicação acertada, tanto para eles quanto para mim.

Por alguma coincidência, o luto é o tema principal de dois livros que mencionei em colunas recentes. Nina Sankovitch, de O ano da leitura mágica, só decidiu ler um livro por dia durante um ano porque tentava recomeçar a vida após a morte de sua irmã. Em O clube do livro do fim da vida, as conversas literárias de Will Schwalbe e sua mãe só se tornam rotineiras quando ela começa a passar por sessões semanais de quimioterapia.

Diante da certeza de que "a vida muda num instante", como escreveu Joan Didion, nada mais natural do que recorrer aos livros para retomar o controle. São provas vivas de que não estamos sozinhos. Podemos contar com os pensamentos e as experiências de outra pessoa que enfrentou uma situação igual ou pior. Não a esqueceu, mas sobreviveu a ela e teve força para narrar sua história. Transformada em livro, a dor do autor pode ser um remédio para quem lê. 

Danilo Venticinque escreve às terças-feiras Revista Época.

Namorado-filho procura namorada-mãe

por Flávio Bastos.


"A base essencial de nossa personalidade é a afetividade. Pensar e agir são, por assim dizer, meros sintomas da afetividade. Os elementos da vida psíquica, sentimentos, ideias e sensações apresentam-se à consciência sob a forma de certas unidades que, numa analogia à química, poderiam ser comparadas às moléculas". (Carl Jung)

A complexidade do relacionamento afetivo traz, na sua origem, a motivação inconsciente de diversos casos que envolvem o homem e a mulher. Geralmente, tais vínculos se estabelecem por uma necessidade de suprimento de amor que faltou na infância destes indivíduos. É o caso, por exemplo, das relações que envolvem o homem adulto carente de afeto materno, e a mulher adulta de forte traço maternal em seu perfil, ou seja, acolhedora, cuidadora e supridora de necessidades latentes ou básicas de seu parceiro.

Esta conjunção afetiva, que resulta em dependência emocional para o homem, torna-se com o tempo, um meio inconsciente de suprir o seu "vazio" de amor parental. Ao mesmo tempo que gera um processo obsessivo que interfere no amadurecimento emocional de ambos, à medida que não garante as liberdades individuais para que a relação se mantenha "oxigenada" e não se transforme numa experiência sufocante.

Nestes casos, a sensação de sufocação relacional ocorre principalmente com a mulher que, ao perceber a situação a qual encontra-se envolvida, decide libertar-se do companheiro. Tarefa nada fácil, que exigirá persistência na sua escolha, pois o homem lutará -até de forma desesperada- pela continuidade do relacionamento mesmo depois de formalizada a separação.

No âmbito da afetividade, traumas infantis geram psiconeuroses, cujo efeito se faz sentir mais tarde quando o homem adulto, inconscientemente, transfere para a parceira a sua demanda afetiva. Se esta mulher sinaliza em seu perfil psicológico, um forte traço maternal, a relação se transforma para o homem, numa espécie de canal de suprimento da sua histórica carência de amor, ou seja, via gratificações afetivas que tentam no presente -e, às vezes, conseguem parcialmente- amenizar a dor psíquica da traumática experiência infantil associada à afetividade.

No pano de fundo desta problemática relacional, encontramos perfis afins, mesmo se considerarmos que traços parentais nas relações afetivas sejam saudáveis nas suas medidas certas. Abordamos, portanto, o aspecto neurotizante do relacionamento, ao tratarmos de casos que tendem a estacionar no seu sentido evolutivo, à medida que temos como parâmetro a necessidade de equilíbrio entre as demandas infantis que transferem-se para uma relação de compromisso na fase adulta. Nesta direção, a dor infantil, camuflada por mecanismos do inconsciente, interfere negativamente na qualidade das relações afetivas do adulto, sendo responsável em grande parte, pela sensação de infelicidade que o indivíduo carrega consigo por toda a vida.

Portanto,  o namorado-filho, que procura namorada-mãe, é uma forma inconsciente da dor ser aliviada pelo mínimo de gratificações afetivas obtida durante um relacionamento deste tipo, que pelo seu caráter, cedo ou tarde cederá às consequências do inevitável: a sufocação devido ao nível de dependência afetiva, associada à imaturidade emocional de um indivíduo ou de ambos.

Apesar do ser humano necessitar da realimentação de amor durante toda a sua trajetória vital, é na infância que o "alimento da alma" torna-se imprescindível. Por este motivo, a importância da educação consciente na relação pais-filhos. Quando falta o fornecimento do amor original, o indivíduo busca a compensação em futuras relações na fase adulta.

Culturalmente, por ser o homem um coadjuvante durante o processo de gestação da mulher, talvez sinta mais os efeitos de uma experiência de abandono na infância. A mulher, por outro lado, carrega consigo o instinto maternal que poderá aplicar à pratica quando passar pela experiência de ser mãe. Nesta lógica, o homem depende mais do desempenho maternal na sua infância. Relação que marcará a sua vida tanto pelo aspecto negativo como positivo de seu desdobramento na fase adulta.

A Era da Sensibilidade, que traz em sua esteira a transparência de sentimentos aplicados à qualidade das relações afetivas, pressiona o homem para que as suas conexões psíquicas sejam, gradativamente, reveladas à luz da consciência. Labirintos de sintonias interdimensionais iluminados pelo foco de luz da Nova Era que orienta os passos do homem em fase de transmutação energética de seu lindo planeta.

Neste sentido, o psiquiatra e psicoterapeuta Carl Jung, no século passado, vislumbrou o futuro ao registrar que "as pessoas, quando educadas para enxergarem o lado sombrio de sua própria natureza, aprendem, ao mesmo tempo, a compreender e amar seus semelhantes".

Bem assim!


Para hoje...


Onde você vê um obstáculo,
alguém vê o término da viagem
e o outro vê uma chance de crescer.

Onde você vê um motivo pra se irritar,
Alguém vê a tragédia total
E o outro vê uma prova para sua paciência.

Onde você vê a morte,
Alguém vê o fim
E o outro vê o começo de uma nova etapa.

Onde você vê a fortuna,
Alguém vê a riqueza material
E o outro pode encontrar por trás de tudo, a dor e a miséria total.

Onde você vê a teimosia,
Alguém vê a ignorância,
Um outro compreende as limitações do companheiro,
percebendo que cada qual caminha em seu próprio passo.

E que é inútil querer apressar o passo do outro,
a não ser que ele deseje isso.

Cada qual vê o que quer, pode ou consegue enxergar.
"Porque eu sou do tamanho do que vejo.
E não do tamanho da minha altura."

Fernando Pessoa.



terça-feira, 3 de setembro de 2013

Parente é pior que chefe

Os relacionamentos estressam mais que o trabalho e o trânsito, revela uma pesquisa inédita no Brasil. Quatro estratégias para lidar com ele.

 A psicóloga Marilda Lipp é uma das principais pesquisadoras das causas, consequências e tratamento do estresse no país. Pós-doutora pelo National Institutes of Health, dos Estados Unidos, ela é autora de 22 livros e dirige a clínica privada Centro Psicológico de Controle do Stress (CPCS). Em seu mais recente projeto, Marilda decidiu aplicar no Brasil uma pesquisa on-line, de acordo com o método usado nos EUA pela Associação Americana de Psicologia.

Pela internet, Marilda conseguiu em abril e maio deste ano uma amostra inédita em pesquisas do gênero: 2.195 participantes, de várias regiões e de todos os níveis de renda e escolaridade -- de faxineiras a pós-doutores. O resultado, divulgado com exclusividade por esta coluna, foi surpreendente.
Os fatores que atualmente mais estressam os brasileiros:
1) Relacionamentos (18%)
2) Problemas financeiros (17%)
3) Sobrecarga de trabalho (16%)
4) Trabalho em si (13%)
5) A maneira de pensar do entrevistado (8%)
E o trânsito? A violência? A péssima qualidade de vida nas grandes cidades? 
Sim, esses ladrões de saúde apareceram entre as respostas espontâneas, mas foram muito menos citados que as dificuldades de relacionamento. A esfera privada, segundo os entrevistados, estressa mais que os fatores relacionados à coletividade. 
De todos os tipos de relacionamento que provocam estresse, os mais frequentes foram os familiares (7,85%), os amorosos (7,01%), a convivência com colegas de trabalho (2,12%) e com o chefe (1,58%).
“Os brasileiros estão confusos em relação ao papel de cada um na família. Os valores mudaram e faltam limites. Os adolescentes não sabem mais o que é normal e o que não é. Isso tudo complica os relacionamentos e faz sofrer”, diz Marilda.
Dificuldades de relacionamento em casa afetam mais a autoestima e a segurança que os problemas no âmbito profissional. “Quando o foco do problema é o trabalho, a pessoa pode tentar deixá-lo lá quando vai embora Se o que vai mal é a família, tudo fica mais difícil.”
Difícil não quer dizer impossível. Sempre há como melhorar as habilidades de comunicação dentro de casa, discutir e rever valores e criar normas de acordo com a visão da família – e não por pressão social. É fundamental empreender um esforço para priorizar uma área da vida que é de suma importância para a saúde emocional e física. 
Não por acaso, os participantes disseram sofrer de doenças que têm forte relação com o estresse, como hipertensão, asma, gastrite, depressão, ansiedade e doença do pânico.
Outros dados interessantes: 
34% sentiam que o nível de estresse estava extremo no momento da pesquisa 
37% relataram que o nível de estresse era maior em abril que no ano anterior
63% fazem atividade física para aliviar o estresse – o que é ótimo!
53% comem para aliviar o estresse – o que é péssimo!
75% conversam com amigos ou familiares para aliviar o estresse
“Se conversar com familiares e amigos é a primeira estratégia e as relações interpessoais estão conturbadas, a pessoa fica sem apoio”, diz a pesquisadora.  
Outras estratégias podem ser cultivadas. Marilda sugere quatro pilares de combate ao estresse. Os três primeiros aliviam sintomas e dão sensação de bem-estar. O quarto pode debelar a pressão excessiva, aquela que compromete a saúde.
1) Mexer o corpo
Descubra a atividade física que você gosta. Se não pode pagar uma academia, encontre outra forma de praticar exercícios. Caminhar, correr, pular corda, jogar futebol não custa nada – ou muito pouco.
2) Relaxar
Cada pessoa relaxa a sua maneira. Se você relaxa depois de praticar ioga, ótimo. Se relaxa assistindo à TV, ótimo também. Não há uma receita única. O importante é reservar 20 minutos diários para descontrair e esvaziar a cabeça. Praticar respiração profunda várias vezes ao dia é uma boa estratégia. Não custa nada, é rápido e oxigena o cérebro. Marilda ensina como fazer isso no livro Relaxamento para todos.
3) Comer bem
Habitue-se a comer de forma equilibrada. Adote uma alimentação rica em frutas, legumes e verduras. Em momentos de muita tensão, usamos os nutrientes para lidar com tudo o que nos ameaça. 
4) Fazer terapia
Se não puder pagar um psicólogo, reflita sobre o que é prioritário e vida de acordo com essas prioridades. Respeite seus limites e aprenda a dizer “não”. Procure ter uma visão positiva da vida. Nem sempre o que nos faz sofrer são os acontecimentos em si, mas a leitura que fazemos deles.
Tudo isso parece autoajuda e, de fato, é. Ninguém melhor do que você para ajudá-lo a se relacionar e viver melhor. 
(Cristiane Segatto escreve às sextas-feiras)

Agradar o outro ou agradar a si mesmo?

:: Rosana Braga :: 
Na dinâmica da conquista, há que se cuidar para não ignorar o tênue limite entre agradar o outro e desagradar a si mesmo. É preciso aprender a encontrar o equilíbrio, cedendo e se impondo simultaneamente, num ritmo saudável e evolutivo.

Claro que uma relação não é resultado de uma equação matemática, mas também não pode acontecer tão inadvertidamente, sem que se note a descompensação que tem acabado com tantos casamentos de forma tão recorrente.

Só um cede, só um se dá e, assim, ocupam lugares extremados e insatisfatórios na relação. Um só provê e o outro só usufrui. Valendo ressaltar que não há culpados ou inocentes, já que, por mais que reclamem, ambos aceitam o lugar ocupado e agem de modo a reforçá-lo.

É possível, portanto, que ao tentar agradar o outro, você perca a dimensão do ‘nós’ e termine considerando apenas os desejos dele. Afinal, você deseja tanto manter o prazer descoberto na dinâmica anterior que pode interpretar equivocadamente esta fonte.

Tudo de bom que for vivido é resultado da interação entre os dois e não mérito somente de um. É a alquimia que proporciona o prazer e não o individualismo em detrimento da dedicação mútua.

Se o desequilíbrio acontecer, você termina abrindo mão de seus desejos para deixar que o outro exerça a vontade de forma soberana. Deixa-o decidir aonde ir e o que fazer porque se omite.
Se você tem medo de se mostrar, porá fim a qualquer possibilidade de vínculo e cumplicidade. Não abra mão de suas vontades e nem vista a carapuça da submissão.

Seja maduro o suficiente para ser você e estará evitando que um grande buraco seja cavado em sua relação, porque quando isso acontece, as conseqüências desastrosas são inevitáveis.
Na próxima dinâmica, veja como seduzir também a si mesmo, para que se torne de fato uma pessoa apaixonante.

Seduzindo a si mesmo

Autenticidade é característica de gente grande. Não dá para arriscar ser você quando se é pequeno demais. Por isso, quem é pequeno interpreta, age de modo mascarado; mas quem é grande, é autêntico.

Amadurecer significa ter a ousadia de se colocar na sua relação e mostrar quem você realmente é, com todos os seus méritos e débitos. E para ter coragem o bastante de ser você, precisa reconhecer a importância da reciprocidade.

Reciprocidade é troca, é dar-se ao outro e recebê-lo como ele é. Para tanto, depois de reconhecer o prazer de estar com ele, precisa fazer o mesmo consigo mesmo: conhecer-se, interessar-se por si, apaixonar-se pela sua singularidade.

Caso contrário, terminará concedendo todo o espaço da relação para que o outro a ocupe e, em seguida, inevitavelmente ocupará o lugar de vítima. Aí, estará instalada a dinâmica doentia da insatisfação.

Você só poderá se sentir realizado, inteiro e autêntico quando aprender a reconhecer suas vontades e inseri-las no relacionamento. Pode (e deve, em alguns casos) ceder e deixar que as vontades do outro prevaleçam; mas perceberá que existe uma enorme diferença entre fazer isso conscientemente, com bom senso e justiça, e fazer somente para receber reconhecimento em troca.

Parte do livro FAÇA O AMOR VALER A PENA, de Rosana Braga. 


Perdoe seus pais

Deixe de culpá-los e estará livre para ser mãe ou pai da sua maneira.

ISABEL CLEMENTE / REVISTA ÉPOCA.
Chega de culpar seus pais. Você pode ter constatado inúmeras lacunas na relação de vocês, mas é hora de dar um passo além dessa conclusão e assumir as rédeas da própria vida. A bem da verdade, esse é um difícil passo. É quase um cacoete humano buscar em algum lugar (menos dentro de si mesmo) explicações para os problemas. Culpar os pais é uma variação dessa tendência.
Ela só pensa assim porque é mãe, você pode dizer. E estará certo. Ser pai e mãe não é exatamente aquele despertar que nos leva a concluir “nossos pais tinham razão“. Porque pode ser que eles não a tivessem, vai saber. Quando nascem os filhos, o desafio é fazer a coisa da nossa maneira, construir o nosso modelo familiar, algo que não brota do vaso das nossas ideias de uma hora para outra. É um processo lento e reavaliado, conscientemente ou não, de acordo com fases, necessidades, crenças e dificuldades. Admitir que nossos pais tinham ou não razão significa muitas vezes optar por nos aproximar ou nos distanciar das raízes. E essa dicotomia pode nos induzir ao erro. Explico por quê.
O que eu vejo, daqui do meu posto de observação da vida, é muita gente se esmerando numa espécie de contraprova daquilo que os pais supostamente fizeram de errado. Um comportamento facilmente identificável em frases como “minha mãe nunca tinha tempo para mim“, ou “eu recebia muitas críticas do meu pai por isso resolvi que, com minha filha, será na base do elogio“.
Não tenho dúvidas de que nossa consciência aprimorada é um poderoso aliado na construção de uma relação profunda com os filhos. Ao mesmo tempo, entendo que as escolhas calcadas no ressentimento criam uma interdependência com a origem que se busca negar. Nenhum antídoto tem serventia se não estiver na presença do veneno.
Não vejo saída melhor do que o perdão, irrestrito, incondicional. Perdoe seus pais, pelas falhas, pelas mancadas, pelas ausências, pelas ignorâncias, e sinta-se livre para ser pai e mãe da sua maneira. Um amigo bem humorado recorda rindo as surras que ele e o irmão levavam da mãe. Incapaz de encostar o dedo no filho, por mais levado que seja, ele optou por um modelo autêntico de paternidade. “Mas não é que eu ache que mamãe errou. Ela tinha razão quando batia. A gente desobedecia à beça. Aprontava. Eu sou apenas diferente“, diz, sem mágoa no coração, diante do meu olhar inicialmente abismado.
Durante algum tempo, achei que sabia muito pouco da minha infância. Minhas manias, meu aprendizado. Você sabe que os pais lembram tudo do primeiro filho, a primeira febre, o primeiro dentinho, o segundo. Tudo anotado. No segundo, rola um esforço para registrar as gracinhas e a memória pródiga ainda consegue reter muita informação. No terceiro, a história começa a mudar. Episódios são trocados, geralmente o que se acredita ter sido gracinha do terceiro foi, na verdade, do primeiro. É muito cansaço para dar conta de detalhes. Agora eu deixo para sua imaginação traçar o perfil da quarta filha (meu caso).Se estiver com pressa, mamãe consegue dizer os nomes das minhas irmãs, e antes que ela diga o do meu irmão ou alguma sobrinha, eu digo o meu. “Bebel, mãe“. Dizem as tias mais velhas e os primos que eu era tão tagarela quanto minha caçula. Tinha resposta pra tudo, desde pequenininha. Devia ser engraçado. É uma pena eu não ter como acessar aquilo.
Eu, no papel de mãe, anoto quase tudo o que se passa com minhas filhas. Escrevo histórias e reproduzo diálogos para que eles se tornem memoráveis. 
Um dia vou entregar todo esse material a elas e espero darmos boas risadas. Mas não parei por aí. Boa parte dos meus registros tratam mais da forma como eu me sinto. É uma confissão sobre a maneira como eu me percebo nessa função de mãe e o quanto tudo isso me transformou e me ensinou. A ironia da vida é que foi dessa maneira que eu pude conhecer mais a fundo os sentimentos da minha mãe como mãe. Ao se identificar com a forma como eu me sinto hoje, ela ri solidária, concorda, comenta que se sentia da mesma maneira. Ela apenas não tinha o hábito ou a vontade de fazer como eu faço, o que não quer dizer que ela não sentisse igual emoções que transbordam de mim para o papel. Somos apenas diferentes. Foi assim que eu a perdoei por ter esquecido as minhas tiradas.


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