quarta-feira, 2 de outubro de 2013

O bonitão que não se apega.

Será que ele vai mudar aos 40 anos? Bem...

Certas coisas não melhoram com a passagem do tempo. A dificuldade em manter relacionamentos, por exemplo. Alguém que ache difícil namorar aos 20 anos dificilmente chegará aos 30 ou aos 40 como a pessoa mais apegada do planeta. O tempo diminuiu a curiosidade afetiva e a inquietude. Diminui também a compulsão sexual. Mas a relutância em criar laços só aumenta.
Tenho uma amiga cujo irmão de 40 anos ilustra o caso. Médico bonito e bem sucedido, ele troca de mulher com as estações do calendário. São sempre garotas bonitas, diz a minha amiga. Muitas delas são interessantes, ela me explica. Mas nenhuma dura no posto. Antes, o irmão levava algumas dessas garotas para conhecer a família. Nos últimos anos, envergonhado com o rodízio, só visita os pais e a irmã sozinho. Os filhos dela, com aquela ingenuidade perversa das crianças, costumavam perguntar pela namorada anterior... 
Casada há 10 anos, mãe duas vezes, minha amiga acha o irmão um caso perdido. “Ele não sabe o que quer”, ela resume, sacudindo a cabeça. Sente que ele sofre e gostaria de vê-lo maduro e emocionalmente amparado. Eu, que só conheço o cara superficialmente, duvido que seja possível essa transformação. Mas, ao contrário dela, não acho que seja um drama. 
Esse negócio de receber os outros na nossa vida não é simples. Só gente muito jovem acredita que é fácil dividir o corpo, os sentimentos e o cotidiano com alguém que acabamos de conhecer. Em geral as pessoas fazem sexo, encantam-se umas pelas outras por uns dias e logo depois se afastam. Encontros duradouros são infrequentes. Relacionamentos verdadeiros são raros. Para alguns, como o irmão da minha amiga, eles são quase impossíveis. 
Acho que a palavra-chave nesses casos é intimidade. Há pessoas com facilidade de abrir a sua intimidade para os outros e de penetrar na intimidade alheia. Outros avançam com dificuldade nesse terreno: são tímidos na hora de revelar e relutantes no momento de descobrir. Por alguma razão, a troca de sentimento lhes parece incômoda e inadequada. Ou incompatível com o desejo. Quanto mais sabem sobre o outro, menos atração sentem por ele. É uma recusa visceral de intimidade: só me relaciono enquanto o outro for uma fantasia. No momento em que se torna real e humano, no momento em que exige a minha humanidade, perco o interesse. 
As pessoas acham que essas atitudes são premeditadas. Imaginam que o sujeito que age assim está tirando proveito das pessoas e deixando-as de lado. Eu discordo. Minha impressão é que pessoas que vivem trocando de parceiros – como o irmão da minha amiga – apenas não conseguem se vincular. É mais uma dificuldade do que uma escolha. O discurso cafajeste ou libertino vem depois, para encobrir o buraco emocional e justificar uma forma de existência. Vira ideologia. Por trás dela, tem alguma espécie de sofrimento. 
Posto isso, não acho que seja um drama. Todos nós temos dificuldades. Alguns com sexo, outros com sentimentos, muitos com as chatices burocráticas da vida, como tirar diploma, pagar as contas e ganhar a vida. Quando a gente é jovem quer ser perfeito em tudo. Depois relaxa. 
Talvez o irmão da amiga seja assim. 
Ele provavelmente gostaria de se apaixonar perdidamente, casar e ter filhos. Como isso não acontece, vive e troca de mulher. Deve estar atrás de alguma coisa que provavelmente não existe e que ele não sabe o que é, mas que o ilude. Aos 20 anos, provavelmente achava que encontraria fácil. Aos 30, percebeu que a procura poderia ser longa. Agora, aos 40, talvez já tenha desistido. A pressão da família e dos amigos arrefeceu e ele está cada dia mais confortável com seu próprio jeito de viver.
Minha amiga se preocupa sinceramente com o irmão, mas isso talvez oculte algo inadmissível.
Quem vive fora dos trilhos, cheio de parceiros, provoca sentimentos ambíguos nos que têm vidas convencionais. Causam preocupação e mesmo pena, mas também inveja. Trocar de namorada todo mês pode ser um insulto para quem dorme há 10 anos como o mesmo parceiro e nem se lembra mais da sensação de despir um corpo desconhecido ou se deixar tocar por uma pessoa estranha. O inferno da vida dos outros está cheio de passagens que os virtuosos adorariam experimentar. 
 (Ivan Martins escreve às quartas-feiras)

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