sábado, 10 de novembro de 2012

Saber ouvir, saber falar

Pessoas influentes são boas ouvintes, revela pesquisa. O valor da escuta para nosso bem-estar.

CRISTIANE SEGATTO
A garota me pergunta qual é a rotina de um jornalista numa grande revista semanal. Aos 18 anos, enfrenta a tensão que antecede as provas do ENEM e de múltiplos vestibulares. Está prestes a encarar a seleção para Direito em várias faculdades, mas acha que leva jeito para Jornalismo. O pai, advogado, não gosta da ideia. Está postergando o pagamento da inscrição para o vestibular da Faculdade Cásper Líbero, uma das principais escolas de comunicação de São Paulo.



Sem querer, sem planejar, a menina teve uma ótima chance de saber algo sobre os bastidores de uma redação. Ela e eu fomos convocadas pela Justiça Eleitoral para trabalhar como mesárias na eleição do último domingo. Passamos dez horas juntas. Lado a lado, numa situação absolutamente informal e solidária.
A garota chegou à seção eleitoral com uma apostila preparatória para as provas do ENEM. Queria aproveitar para estudar nos longos minutos em que não havia eleitor na sala. De tempos em tempos, desviava os olhos do caderno e me fazia uma pergunta sobre jornalismo. 
Como é? Quanto ganha? Trabalho demais? Longas madrugadas de ralação? Autonomia para escolher as pautas? Muito cacique para pouco índio? Glamour? Festas? Gente interessante? 
Tentei responder com clareza e sinceridade. Com o maior interesse, com a maior boa vontade. Não consegui. A cada pergunta, sequer conseguia concluir uma ou duas frases. Começava a falar e já era interrompida. Ela falava sem parar. Daquele embate de vozes resultava um monólogo.  
Não é a primeira vez que ouço um estudante dizer que pensa em ser jornalista porque gosta de falar. Gostar de falar não é uma habilidade fundamental nesta profissão. Em algumas situações, como no caso dessa estudante, pode até atrapalhar. Para fazer um bom trabalho, um jornalista não precisa ser um encantador de massas, um comunicador nato como Chacrinha.Senti que a garota saiu daquele encontro do mesmo jeito que entrou. Se fosse jornalista, voltaria à redação com as mãos e a cabeça vazias – apesar de ter estado com o entrevistado durante dez horas. Ela ainda não sabe ouvir. Um erro fatal no jornalismo, em muitas outras profissões, na vida. 
 
Precisa, necessariamente, saber ouvir. Os melhores jornalistas que conheço falam pouco. Angustiantemente pouco, em certos casos. Por outro lado, são esplêndidos ouvintes.Ouvem o que o interlocutor diz e principalmente o que ele não diz.
Grandes verdades raramente são verbalizadas. Para revelar o que uma pessoa sente e pensa, de fato, é preciso ser capaz de captar gestos, vacilos, ambientes, a verdade explícita que detalhes (os móveis de uma casa, por exemplo) podem denunciar sobre quem os escolheu.
Em outras profissões não é diferente. Um psicólogo que não sabe ouvir está fadado ao insucesso. Um médico que não ouve se transforma numa ameaça constante à saúde pública. Um professor pode ser condenado a falar eternamente para as paredes. Um advogado, um promotor, um delegado que não sabe ouvir as palavras que não são ditas estará empre longe da verdade.
Bons ouvintes são raros. Cada vez mais raros. A proliferação dos celulares transformou as cidades em impérios da incontinência verbal.No ônibus, no metrô, nos cinemas, em qualquer ambiente fechado, ouvimos a zoada das vozes que não se encontram.
Alguém dirá que se uma pessoa fala ao aparelho é sinal de que outra a ouve do lado de lá da linha. Não necessariamente. Do outro lado alguém ouve e não escuta. Tem urgência em falar, em vencer o delay que picota a conversa e traz de volta a voz do outro. Aquela voz que precisa ser instantaneamente subjugada.
Em tempos de falação vazia, nos esquecemos de ouvir. Essa é a causa de qualquer parte de nossos desentendimentos. Temos muito o que aprender com os grandes ouvintes – sejam eles jornalistas, psicólogos, filósofos, professores, qualquer pessoa que entenda o valor da escuta bem feita. Qualquer pessoa que tenha paciência e interesse genuíno pelo outro.
Saber ouvir é também uma característica das pessoas mais influentes. Pouca gente se dá conta disso. Em geral, acreditamos que líderes são necessriamente aqueles que dispõem de grande capacidade de expresssão verbal e poder de convencimento. Uma pesquisa publicada recentemente no Journal of Research in Personality traz um novo ponto de vista.
O pesquisador Daniel Ames da Columbia University, nos Estados Unidos, coletou informações sobre 274 estudantes de MBA da East Coast University. Eram moças e rapazes com idade média de 28 anos.
Colegas de trabalho desses voluntários foram convidados a dar notas sobre o poder de influência de cada. Deram informações sobre a capacidade deles de fazer um colega mudar de ideia, capacidade de conquistar apoios para realizar tarefas, capacidade de trabalhar com pessoas com diferentes opiniões e interesses, capacidade de reverter, a seu favor, a opinião dos presentes em uma reunião etc.
Os participantes também foram avaliados em itens capazes de apontar as habilidades de expressão verbal e de capacidade de ouvir. O que o pesquisador descobriu? Os três achados principais:
· Bons ouvintes têm grande poder de influência, independentemente de sua capacidade verbal. Quem sabe ouvir têm acesso às crenças, aos objetivos, aos conhecimentos de seus interlocutores. Isso porque as pessoas revelam informações com mais facilidade quando percebem que o outro tem interesse genuíno por elas.

· A escuta bem feita permite que os bons ouvintes entendam o contexto das situações e possam direcionar suas tentativas de persuasão no sentido correto.

· Quando as pessoas se sentem ouvidas de forma genuína, elas tendem a apoiar os bons ouvintes nas mais variadas situações, inclusive nos embates do ambiente corporativo.
Torço pela garota assustada com o vestibular. Ela tem todo o tempo do mundo para aprender a fazer diferente. Se eu encontrá-la novamente, vou tentar dizer. Espero que ela me ouça.
Saber ouvir não é só uma questão de sobrevivência na profissão. É também um fator que contribui para o bem-estar de quem fala e de quem ouve. Quem ouve e realmente escuta nunca sai de uma conversa do mesmo jeito que entrou. Sai melhor e mais interessante.

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