segunda-feira, 7 de junho de 2010

Perdas e Ganhos

... Aquela amiga de longa data resolveu dar um basta nos trinta anos à beira do fogão, satisfazendo as vontades culinárias do marido e filhos, bem como dos convidados destes, independente de dia e hora em que a solicitassem. A reação foi imediata: “Você não é mais a mesma, não gosta mais de nós”. E ela ficou imaginando se tinha valido a pena estar disponível durante tanto tempo para alegrar as pessoas que amava e eles egoisticamente não perceberem sua doação. Talvez não tivesse valorizado o seu esforço como ela achava que deveria. Descompasso de importâncias, sentimentos sufocados, aflorando de repente.
As pessoas adoram que façamos sacrifícios por elas. Principalmente aquelas atitudes que tenham um algo mais, que estejam além do usual, que tenham um quê de transgressão, que demonstrem a elas que são distintas das demais. Não podíamos fazer, mas fizemos. Não queríamos nos violentar para realizar a vontade do outro, mas ficamos com medo de perder e com a ânsia de agradar. A última coisa que o benfeitor quer é propaganda de algo infringido. Mas mesmo assim, esforçamo-nos, quebramos regras para atender os desejos de alguém, até pela nossa dificuldade de dizer não.
Podemos passar a vida inteira fazendo concessões a alguém. Todavia, o algo mais que se faz, não raro, é arquivado em cantinho de perdas do nosso íntimo, na categoria dos favores concedidos. Se a cota que recebemos pesa igualmente na balança, respiramos aliviados porque sentimos que valeu a pena. Se o fiel desequilibra, sentimos que nos tiraram a essência do que nos era tão caro.
Neste contexto, vale ter sempre presente que a doação é uma via de mão única. Se optarmos por trilhar o caminho da disponibilidade, da presteza, de estarmos sempre prontos a resolver tudo, implica ter em mente que não podemos esperar retorno, sob pena de nos resumirmos a contabilizar perdas e ganhos. Desarmados, podemos enxergar com maior clareza o quanto recebemos das pessoas e não percebemos. O que obtemos é lucro e pode ser usufruído livremente, sem cobranças.

(Lya Luft)

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