Mais homens dividem com as mulheres os cuidados com os bebês. Partilhar não significa sofrer junto.
A primeira cena foi no supermercado. Um jovem casal em frangalhos, com aquela cara de quem trocou fraldas a noite inteira, divergia sobre o que colocar no carrinho. Pesado, difícil de manobrar, o carrinho transbordava de itens de primeira necessidade e muitas embalagens de comida semipronta. Daquelas que as pessoas enfiam no microondas e comem em poucos minutos quando o bebê permite.
Eram pistas da fase de semi-escravidão (ou será total) que quase todo casal com filho pequeno enfrenta. Na cadeirinha acoplada ao carrinho reinava o centro das atenções: como berrava o garoto cheio de dobrinhas cultivadas à base de sopa de mandioquinha e infelicidade dos pais !
Espiando de longe, senti pena da família. Eram três criaturas partilhando o sofrimento num corredor de supermercado em pleno domingo. Poderia ser diferente. Fiquei me perguntando por que a mãe não ficou em casa com a criança enquanto o pai fazia as compras sozinho. Ou vice-versa. Lá em casa sempre fizemos assim. E sempre deu certo.
A segunda cena foi num resort na Bahia. Daqueles caros, que a gente paga com esforço, acreditando que a semana de descanso será tão especial a ponto de compensar cada centavo. Um casal se ocupava do filho do raiar do sol à última mamada da madrugada (quase quando o sol estava surgindo de novo). Pai e mãe sempre juntos, como dois condenados atados a uma bola de ferro.
Não me esqueço da piscina. Era esplêndida. A lâmina d’água parecia estar no mesmo nível do mar. A cada braçada vinha a sensação de que a mão iria tocar o oceano. Senti isso várias vezes porque mergulhei muitas vezes – apesar de ter a responsabilidade de cuidar de uma filha de dois anos.
Também estávamos em três. Eu, meu marido e nossa pequena. Aproveitamos como nunca. Não inventamos a pólvora. Fizemos apenas o que pensávamos ser o óbvio: dividimos tarefas.Fiz diferente daquele casal. O rapaz e a moça sofriam juntos, partilhavam as chateações, alimentavam e pajeavam o bebê, discutiam. O stress rolou solto. Sala de massagem, quadra de tênis, esteiras acolchoadas ao sol, serviço de primeira. Não vi a dupla aproveitar nada do que pagou. Provavelmente, no caso deles, a viagem ao paraíso entrou para a coleção de micos obrigatórios da paternidade que é melhor esquecer.
Fizemos um combinado que fosse justo para os três. Escolhi curtir tudo o que tivesse direito a cada manhã. Meu marido ficou com as tardes livres. Era um revezamento de tarefas. Tomava sol, nadava, fazia ginástica, massagem e o que mais eu quisesse. Enquanto isso, ele cuidava da filha.
Almoçávamos juntos. À tarde, invertíamos o turno. Eu cuidava da Bia enquanto ele se esbaldava como se nunca tivesse visto praia na vida. Nos dois períodos, nos encontrávamos para brincar. Os três juntos. Sem culpa, sem sobrecarga de um ou de outro. Se surgisse alguma obrigação (levar para dormir, dar almoço, banho, trocar de roupa) de manhã ou à tarde, o responsável pelo turno sabia que o outro tinha o direito de relaxar em paz.
Partilhar responsabilidades é fundamental. Mas partilhar responsabilidades não significa sofrer junto. Pode ser sofrer separado. Para depois ser feliz separado e ser feliz junto. Para nós, essa sempre foi uma regra básica.
Ter liberdade. Assegurar que cada um tenha um tempo só para si. Para respirar, para viver sua individualidade e voltar renovado para a convivência a três. Se o rapaz gosta de ir ao estádio de futebol ou sair com os amigos, esses momentos precisam ser preservados. Se o prazer da moça é ir sozinha ao cinema, ler, zanzar pelo shopping, sair com as amigas, ele também precisa ser preservado. Mesmo com filho pequeno em casa. Sem esses espaços individuais assegurados, é alto o risco da insatisfação e do stress virar depressão.
Essas cenas saltaram de algum lugar da minha memória nesta semana, quando li a respeito de uma pesquisa realizada por Steven Rhoads, professor de ciência política da Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos.
Ele decidiu investigar qual era o grau de satisfação de professores universitários durante a execução de tarefas corriqueiras ligadas à criação de filhos pequenos. Coisas como trocar fraldas, dar comida, acordar no meio da noite para acudir o bebê que não para de berrar etc.
A amostra era composta por 181 professores heterossexuais que tinham crianças com dois anos de idade ou menos. Considerando todas as tarefas envolvidas, o grau de satisfação das mulheres no cuidado com os bebês foi 10% superior ao dos homens.
Será que as mulheres acham que acordar no meio da noite para trocar fraldas é realmente prazeroso? Não é o meu caso. Talvez não seja o da maioria. Provavelmente, as respostas das mães estejam contaminadas pelo papel que a sociedade espera delas.
“Algumas mulheres podem ter respondido que seu grau de satisfação é mais elevado do que realmente é por pressão cultural ou por culpa”, disse Steven Rhoads à revista do The New York Times. “Mas algumas habilidades femininas na criação dos filhos são determinadas biologicamente.”
Um exemplo: mulheres com níveis elevados do hormônio testosterona costumam demonstrar menos interesse pelas tarefas relacionadas aos bebês. Além disso, os níveis de testosterona diminuem nos homens que acabam de se tornar pais. É um mecanismo biológico que ajuda na criação de vínculo entre o pai e o filho que tanto precisará dele.
Felizmente, mais homens partilham com as mulheres as tarefas corriqueiras da criação dos filhos. Trocam fralda, dão banho, levam para passear, buscam na creche etc. Nos Estados Unidos, o tempo que os homens passam com os filhos dobrou desde 1985. Pelo que vemos nas ruas, no Brasil o fenômeno não deve ser diferente.
Homens e mulheres dividem mais funções na criação dos filhos. Isso é ótimo. Mas dividir o peso das chateações não significa suportá-las o tempo todo sobre quatro ombros. Alternar os ombros que sofrem e os ombros que flanam pode ajudar a manter a harmonia da família. Isso também é saúde
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