sexta-feira, 6 de abril de 2012

Superprotegido: é o caso do seu filho?


Escrever aqui neste espaço sobre maternidade tem me dado a chance de entrar em contato com os mais diversos livros e autores sobre educação infantil. Aprendi muito assim, ou pelo menos acredito ter aprendido, ainda que nem sempre eu me sinta parte do público-alvo. Foi o que aconteceu com o livro Free-range kids (na minha livre tradução,algo como Crianças criadas em liberdade), de Lenore Skenazy, uma escritora americana alvo de polêmica em 2008, nos Estados Unidos, porque deixou o filho, então com 9 anos, andar sozinho no metrô de Nova York. Em meio à cultura da superproteção, Lenore ficou famosa por acenar para o mundo que é possível confiar na segurança de uma criança sozinha.
Para você ver como é a vida: ao atender o pedido de seu menino crescidinho, Lenore foi parar em programas de televisão, virou alvo de debates sobre criação de filhos e até rotulada como a “pior mãe do mundo”. Pra quê? Transformada em celebridade, lançou livro e, do livro, nasceu o programa Superprotegidos, do Discovery Home & Health, que estreiou em março, no Brasil. No programa, ela é uma espécie de supernanny da família toda, propondo rotinas novas que lançam, pais e filhos, no admirável mundo da porta pra fora.
Mas isso não serve para eu ou você, pai e mãe de um bebê sem noção que precisa da nossa proteção e não p0de sair por aí sozinho, serve? Serve sim. Nós, pais de todos os lugares do mundo, temos os nossos medos. É de pequeno que a gente aprende a deixar nossos filhos explorarem o parquinho cheio de riscos, ralos misteriosos, areia suja e escorregadores tenebrosos. Depois a gente vai evoluindo na escala dos riscos. Deixa a criança comer pipoca com aquelas “partes duras” (por que um alimento tão perigoso foi cair no gosto deles, por quê?), permite que o menino comece na aula de natação mesmo não sabendo nadar (risos, risos!) e pegar elevador sozinho (vou surtar). Até o dia em que ele irá ao cinema com a mãe do coleguinha da escola (o máximo do despreendimento) e cismará que vai querer surfar (mas onda não tem corrimão, meu filho). Na vida das pessoas normais, a coisa costuma evoluir, apesar dos nossos medos inconfessáveis e do ridículo que mãe costuma aprontar para cima dos filhos. Como de perto ninguém é normal, as lições do livro servem para todo mundo. Esse manual de como criar filhos sadios e confiantes sem enlouquecer de preocupação mostra como a cultura do medo pode nos tornar ridículos e, o pior dos mundos, maus pais.
Um dos episódios ao qual assisti, na TV, mostrava uma família com cinco filhos, sendo a mais velha uma jovem adulta, em quem os pais jamais tinham confiado a ponto de deixá-la tomar conta dos menores. O casal, aparentemente, não tinha vida própria nem tempo para si. Um caso patológico. No programa, eles passaram uma noite fora, superando as barreiras internas (e externas) que os impediam, porque nem os filhos admitiam ficar longe dos pais. A lição ali parece ter sido assimilada, ainda que parcialmente, porque não se muda a educação de uma família inteira com uma breve intervenção de uma semana, mas não deixa de ser uma sementinha e que faz a gente se perguntar “como não exagerar” e “como fazer direito” essa coisa de criar.
Não sei se eu ficaria muito confortável deixando minha filha mais velha sozinha no metrô do Rio de Janeiro. Me dá um desconto, vai, ela só tem seis anos, mas eu vou chegar lá também. O ponto aqui não é deixar ou não o menino ir de bicicleta para a escola – aventura que Lenore adora citar, mas já imaginou isso, no trânsito de São Paulo?. O que o livro traz de legal são mandamentos para atacar de frente o medo, aquele que brota dentro da gente do nada, e que em alguns casos embota o pensamento e descamba para o exagero. E um dos mandamentos é “desligue o noticiário”. Quê? Para a autora, é o antídoto para evitar que você fique tão impressionado com notícias ruins. Ela tem lá sua razão. Conheço gente capaz de surtar com a notícia de que bactérias raras de outro planeta mataram uma criança desnutrida num vilarejo isolado da Nova Zelândia, achando que o filho poderá ser vítima do mesmo mal. Você concorda? Eu não gosto dessa história de fugir de notícia não (por que será?), mas acredito muito na leitura seletiva e no distanciamento crítico. ; )
A cultura do medo transforma uma improvável estatística num risco real e paralisante. A grande lição desse guia para pais com muito medo da vida, ainda que alguns mandamentos não sejam assim autoaplicáveis, é não privar os filhos da liberdade que eles precisam para se tornarem adultos bem resolvidos, confiantes e felizes.
Sou mãe, moro numa cidade grande e sei o quanto será difícil tomar certas decisões. Com que idade minha filha poderá ir sozinha para a escola? A gente conversa sobre isso em casa e eu não tenho essa resposta. Ainda. Mas uma hora ela vai. Eu fui com dez anos. Tudo bem que o ano era…vamos pular essa parte.
“Nossas crianças são mais competentes do que imaginamos”, diz Skenazy. Concordo com ela. A gente se torna safo com experiência, e criança não-experimentada é a que não sai da barra da nossa saia. Crianças desenvolvem a autonomia à medida que lhe concedemos liberdade, com bom senso, na hora certa blá blá blá. E o tempero disso tudo é coragem, aquela inata, que já vem no pacotinho da personalidade, e outra boa dose da que lhe ensinaremos com pequenos exercícios na nossa rotina.
Era domingo e brincávamos no parquinho. Enquanto fazia bolo de areia com a filha pequena, ouvi a mais velha me gritar de longe. “Mamanhêeeeee”. Lá em cima, perto da copa da árvore, estava Letícia, em pé na última barra do trepa-trepa, com os braços para cima, pronta para levantar vôo, sob o olhar orgulhoso do pai, igualmente equilibrando-se uma barra abaixo com os braços abertos, caso ela resolvesse se desequilibrar. No diminuto espaço de uma batida de coração em suspenso, eu usei toda minha força mental para cochichar naquele tom alto que só o marido ouve no meio da multidão e à distância: se-gu-ra-e-la-pe-la-mor-de-deus. Um sorrisinho depois, a gracinha acabou, e meu coração voltou a bater no ritmo normal.
É o tal negócio: a gente até tenta (super)proteger, mas as crianças dão um jeito de escapar. Ainda bem!
Isabel Clemente é editora de ÉPOCA no Rio de Janeiro.

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