terça-feira, 31 de julho de 2012

Tenho certeza!


Menos orgulho = bem mais felicidade!


Menos orgulho = bem mais felicidade!
:: Rosana Braga ::

Se você não sabe exatamente quanto pesa ou quanta influência tem o seu orgulho sobre seus pensamentos, sentimentos e decisões, saiba que ele começa sempre como uma voz. Uma voz tagarela, incessante, que não para de falar dentro da sua mente. Essa voz quer convencê-lo de que o melhor e mais providencial a fazer é continuar nutrindo essa raiva ou o que poderíamos chamar de indignação negativa.

Comparo o orgulho a sentimentos ruins e tensos porque ele vem sempre seguido da equivocada impressão de que você está certo e o outro está errado, seja pelo que fez, pelo que disse ou simplesmente por ser quem ele é, do jeito que é! Como se você fosse ou ao menos estivesse, neste momento, superior, melhor, mais certo.

Bem, partamos do seguinte princípio: se seu orgulho está se sobrepondo aos seus sentimentos leves e gostosos, tais como alegria, paciência e capacidade de relevar, o mais inteligente mesmo é você começar a se responsabilizar por essa dinâmica. Tá! É verdade que o outro pode ter provocado essa sensação incômoda em você, mas quem manda nisso tudo é, em princípio, você mesmo!

Sendo assim, a pergunta é: o que você realmente quer fazer em relação a essa pessoa ou situação? Convenhamos que, se não for importante, nem vale a pena se desgastar. Mas se for importante, será que vale a pena insistir neste orgulho que mais serve para roubar a sua paz e o seu prazer de viver do que para resolver ou lhe fazer algum bem?

Quantos amores, amizades e prazeres você já perdeu por causa de sentimentos como raiva e ressentimento? Quantas vezes já sofreu à toa por decidir não dar o braço a torcer numa discussão ou por não reconhecer e admitir que desta vez foi você quem errou? Quantas vezes amargou a solidão e pôs a perder um dia feliz simplesmente por orgulho? Orgulho bobo, infantil e inútil?

Que tal arriscar uma nova atitude, um novo comportamento? Que tal testar um novo jeito de ser? Você não tem nada a perder! Pelo contrário, só tem a ganhar! Que tal prestar mais atenção no seu mau-humor e interrompê-lo com uma gostosa e inteligente gargalhada de si mesmo?

Não espere chegar à beira da morte para se dar conta do que realmente importa em sua vida. Por mais que essa advertência possa parecer clichê, trata-se de uma verdade indiscutível e de um momento irremediável. Quando a gente descobre que a vida pode acabar em um segundo, de uma hora para outra, sem que tenhamos sequer a chance de cumprir aviso prévio, nossos sentimentos ganham novos valores. Ganham valores bem mais reais.

O fato é que damos importância demais ao que, muitas vezes, não tem importância nenhuma. E se tem alguma, poderia ser tratada de forma bem menos contundente, bem mais flexível. Tente só por hoje. Tente só desta vez. Não pelo privilégio que vai oferecer ao outro, mas, sobretudo, pelo imenso bem que vai fazer a si mesmo.

E assim, cada vez que relevar, perdoar, esperar, não brigar e reconhecer quando errar, mais fracos e sem sentido vão ficar o seu orgulho, a sua raiva e o seu ressentimento. E pode apostar: mais leve, mais divertido, mais gostoso e mais bonito você vai se tornar! Mais incrível e inesquecível será conhecer e se relacionar com uma pessoa como você!

Desafios


Desafios
:: Elisabeth Cavalcante ::


Há muitos momentos na vida em que os desafios que precisamos enfrentar nos parecem intransponíveis. Nestas ocasiões, nossa primeira tendência é pensar: por que tenho de enfrentar tais dificuldades?

De fato, para algumas pessoas, a existência parece tão simples e isenta de problemas. Para outras, no entanto, os obstáculos surgem o tempo todo. Por qual razão isto ocorre, nos perguntamos?

A resposta certamente passa pelo grau de consciência e maturidade espiritual em que cada um se encontra, e que difere de um ser humano para outro. Ao analisarmos uma carta astrológica natal, os desafios surgem de modo bastante claro.

E, sem dúvida alguma, eles se destinam a promover nosso crescimento, a evolução que precisamos alcançar em nossa jornada atual no planeta. Quanto maior a resistência em encará-los com coragem e determinação, mais tempo levaremos nos queixando e perdendo, assim, a oportunidade de avançar no desenvolvimento da consciência.

Ao invés de nos mantermos focados nas dificuldades e nas limitações, - seja nas nossas próprias ou nas que observamos em nossos semelhantes-, o mais sensato é direcionar nossa energia para encontrar o poder interior que todos possuímos. Somente ele pode nos conceder a capacidade de sobreviver às piores dores e, através delas, nos tornarmos muito mais fortes e conscientes.

A VIDA NÃO PODE CRESCER SEM DESAFIOS

"A morte irá tirar tudo de você. De mãos vazias você veio e de mãos vazias você irá ... a menos que você olhe para dentro, você vai permanecer vazio.

Olhe para dentro e você se tornará um imperador, o mendigo imediatamente desaparece de você. A mente é um mendigo e a alma é um imperador.

Conhecer a si mesmo é saber que nada é necessário, que tudo já está dado. "Que eu tenho o maior tesouro, que eu tenho todo o reino de Deus, que não há nada a adicionar a ele - nada pode ser acrescentado a ele, ele já é perfeito".

Então, se você deseja pesquisar e procurar, procure pelo verdadeiro tesouro - que não pode ser tirado pela morte. Este é o critério: o que pode ser levado pela morte é um tesouro falso, o que não pode ser tirado pela morte é o verdadeiro tesouro.

E haverá muitos problemas e muitas dores na vida - eles fazem parte do crescimento. Aceite-os pelo que são. Isso não significa tornar-se mórbido, isso não significa tornar-se um masoquista.

Tudo o que acontecer, suporte. Mas se você pode melhorá-lo, se você pode modificá-lo, modifique-o...Um perigo é que as pessoas começam a brigar com cada dor na vida, querem evitar todas as dores - mas, então, o crescimento é evitado. Esta é uma armadilha.

Outra armadilha é: as pessoas começam a aceitar as dores, não só aceitá-las, mas convidá-las- não somente convidar mas criar dores. Como se através de muitas dores, elas fossem crescer mais rápido. Elas se tornam autodestrutivas, elas tornam-se suicidas. Ambos são extremos e ambos têm de ser evitados.

Se alguma dor vier em sua vida, aceite-a, suporte-a - atentamente, cresça através dela. Se você perceber que pode modificá-la um pouco aqui e lá, então, modifique - porque a modificação também é parte do crescimento...

O sábio não está exposto, realmente, a qualquer agonia, qualquer inferno.
Seja o que for a que o sábio esteja exposto, é parte de uma vida de crescimento.

A vida não pode crescer sem desafios. E dores, misérias, sofrimentos, trazem desafios. Você não pode tornar-se consciente sem sofrimento. Sofrimento evoca a consciência em você". 

OSHO - Philosophia perennis.

domingo, 29 de julho de 2012

Mania de criticar


Mania de criticar
:: Bel Cesar ::

Quando a tensão num relacionamento está muito alta, é comum transpor os desafios por meio de discussões que levam a rompimentos. Devido a ressentimentos não expressos e a frustrações não digeridas, criticamos o outro como uma forma de pedir por mais atenção. Que estranha mania: diminuímos o outro com a intenção de que ele nos dê mais!

Por experiência própria, sabemos que criticar com a intenção de agredir é uma forma ineficaz de expressar insatisfação e pedir atenção. No entanto, a crítica é uma forma comum de solicitação.

Quando um parceiro procura aproximar-se do outro de maneira crítica e raivosa, o outro afasta-se para se proteger desta energia de ataque, fechando-se cada vez mais. Sem receptividade de escuta, cada um a seu modo, lança mão de uma estratégia de ataque e recuo - como se visse o outro como um inimigo. Por isso, relacionamentos sustentados por críticas tornam-se viciados em ciclos de ataque versus evitação.

Uma coisa é comunicar sem rodeios suas insatisfações com a motivação de que o outro conheça suas necessidades e percepções. Outra coisa é falar com a intenção de converter o outro a seus pontos de vista. A diferença entre estas duas posições também será dada pela capacidade de escuta daquele que recebe as críticas. No entanto, não há como negar que ao expressarmos um sofrimento de forma congruente e aberta propiciamos a receptividade alheia.

Cabe ressaltar que aquele que é criticado precisa aprender a se impor diante de quem o critica negativamente pois, do contrário, ele se torna um agressor passivo: identificado com seu papel de vítima, agride o outro para posicioná-lo como agressor, ao invés de buscar empatia e um novo entendimento.

Antes de criticar alguém devemos nos distanciar para refletir sobre nossa real motivação ao nos tornarmos um "acusador agressivo". Optar por reter os impulsos agressivos para analisá-los melhor, ao invés de simplesmente desabafá-los, é crucial se quisermos transformar relacionamentos viciados, com conversas cheias de críticas e implicações um frente ao outro.

O psicoterapeuta John Welwood explora como lidar com a questão da raiva nos relacionamentos em seu livro "Amor perfeito, relacionamentos imperfeitos" (Ed. Gaia). Ele nos incentiva a entrar em contato direto com nossa raiva em quatro passos intimamente relacionados: reconhecer, permitir, abrir e entrar.

Reconhecemos nossa raiva na medida em que a percebemos sem avaliá-la como boa ou ruim. Ao sentirmos a raiva manifestando-se em nosso corpo, permitiremos que ela esteja lá por alguns instantes. Welwood explica: "A permissão é uma forma de descompressão ou desbloqueio: deixar que a energia do sentimento seja do tamanho que é, sem se identificar com ela ('esta dor sou eu, significa algo que sou") ou rejeitá-la ("esta dor não sou eu, ela não deve estar aqui"). Cada um precisa ter esta experiência para conhecer o quanto é libertadora essa aceitação. Pois no momento em que nos permitirmos senti-la, ela deixa de ser tão ameaçadora!

Desta forma, aos poucos nos unimos a nós mesmos, não precisamos mais transformar o outro para evitar nossos próprios sentimentos dolorosos.

Welwood ressalta que é importante perceber que o reconhecimento da raiva ou do ódio não significa pensar: "sim, está certo ficar com raiva. Eu devo sentir raiva; tenho o direito de me sentir dessa maneira ou de descarregar a minha raiva em alguém". Em vez disso, significa: "sim, a raiva e o ódio estão armazenados em meu corpo e em minha mente" . E como eles estão ali: sim, eu posso reconhecê-los, dar-lhes espaço e conscientemente experimentá-los".

Quando recuperamos a força para autoacolher nossa raiva, já não necessitamos impreterivelmente de expressá-la. Isto não quer dizer que nos tornamos autossuficientes ou indiferentes àqueles com quem nos relacionamos, mas simplesmente que não precisamos mais criticá-los, ou seja, transformá-los para que eles nos tratem de um certo modo que nos garanta a não termos que encarar nossos próprios sofrimentos.

Uma vez menos reativos, conseguimos mais facilmente relativizar: não pegar tudo ao pé da letra. Sob a raiva, encontra-se a tristeza. Ao expressarmos nossa vulnerabilidade ao invés de nossa irritação, damos ao outro um voto de confiança, recolocando-o numa posição de parceria e não de inimigo como outrora.

Se por um lado, temos a necessidade de nos sentirmos garantidos em nossos relacionamentos, temos também a necessidade de nos soltarmos. O fato é que quanto mais estivermos conectados de forma segura, mais separados e diferentes poderemos ser. Mas se estivermos num relacionamento baseado em críticas, nossa tendência será a de retrair nossa espontaneidade para não corrermos o risco de agirmos de modo a sermos um novo alvo de desaprovação.

Neste sentido, quanto mais empático e seguro for o relacionamento, mais autênticos nos tornamos, pois reconhecemos, no ato de nos entregarmos na relação, uma oportunidade de autodescoberta.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

A turma do "Eu me acho"

A educação moderna exagerou no culto à autoestima – e produziu adultos 
que se comportam como crianças. Como enfrentar esse problema.

CAMILA GUIMARÃES E LUIZA KARAM, COM ISABELLA AYUB

Os alunos do 3º ano de uma das melhores escolas de ensino médio dos Estados Unidos, a Wellesley High School, em Massachusetts, estavam reunidos, numa tarde ensolarada no mês passado, para o momento mais especial de sua vida escolar, a formatura. Com seus chapéus e becas coloridos e pais orgulhosos na plateia, todos se preparavam para ouvir o discurso do professor de inglês David McCullough Jr. Esperavam, como sempre nessas ocasiões, uma ode a seus feitos acadêmicos, esportivos e sociais. O que ouviram do professor, porém, pode ser resumido em quatro palavras: vocês não são especiais. Elas foram repetidas nove vezes em 13 minutos. “Ao contrário do que seus troféus de futebol e seus boletins sugerem, vocês não são especiais”, disse McCullough logo no começo. “Adultos ocupados mimam vocês, os beijam, os confortam, os ensinam, os treinam, os ouvem, os aconselham, os encorajam, os consolam e os encorajam de novo. (...) Assistimos a todos os seus jogos, seus recitais, suas feiras de ciências. Sorrimos quando vocês entram na sala e nos deliciamos a cada tweet seus. Mas não tenham a ideia errada de que vocês são especiais. Porque vocês não são.”  

Mimados (Foto: Marcelo Spatafora)
O que aconteceu nos dias seguintes deixou McCullough atônito. Ao chegar para trabalhar na segunda-feira, notou que havia o dobro da quantidade de e-mails que costumava receber em sua caixa postal. Paravam na rua para cumprimentá-lo. Seu telefone não parava de tocar. Dezenas de repórteres de jornais, revistas, TV e rádio queriam entrevistá-lo. Todos queriam saber mais sobre o professor que teve a coragem de esclarecer que seus alunos não eram o centro do universo. Sem querer, ele tocara num tema que a sociedade estava louca para discutir – mas não tinha coragem. Menos de uma semana depois, McCullough fez a primeira aparição na TV. Teve de explicar que não menosprezava seus jovens alunos, mas julgava necessário alertá-los. “Em 26 anos ensinando adolescentes, pude ver como eles crescem cercados por adultos que os tratam como preciosidades”, disse ele a ÉPOCA. “Mas, para se dar bem daqui para a frente, eles precisam saber que agora estão todos na mesma linha, que nenhum é mais importante que o outro.”
A reação ao discurso do professor McCullough pode parecer apenas mais um desses fenômenos de histeria americanos. Mas a verdade é que ele tocou numa questão que incomoda pais, educadores e empresas no mundo inteiro – a existência de adolescentes e jovens adultos que têm uma percepção totalmente irrealista de si mesmos e de seus talentos. Esses jovens cresceram ouvindo de seus pais e professores que tudo o que faziam era especial e desenvolveram uma autoestima tão exagerada que não conseguem lidar com as frustrações do mundo real. “Muitos pais modernos expressam amor por seus filhos tratando-os como se eles fossem da realeza”, afirma Keith Campbell, psicólogo da Universidade da Geórgia e coautor do livro Narcisism epidemic (Epidemia narcisista), de 2009, sem tradução para o português. “Eles precisam entender que seus filhos são especiais para eles, não para o resto do mundo.”
Como domar um ego adolescente (Foto: Marcelo Spatafora)



Como domar um ego adolescente (Foto: reprodução)
Em português, inglês ou chinês, esses filhos incensados desde o berço formam a turma do “eu me acho”. Porque se acham mesmo. Eles se acham os melhores alunos (se tiram uma nota ruim, é o professor que não os entende). Eles se acham os mais competentes no trabalho (se recebem críticas, é porque o chefe tem inveja do frescor de seu talento). Eles se acham merecedores de constantes elogios e rápido reconhecimento (se não são promovidos em pouco tempo, a empresa foi injusta em não reconhecer seu valor). Você conhece alguém assim em seu trabalho ou em sua turma de amigos? Boa parte deles, no Brasil e no resto do mundo, foi bem-educada, teve acesso aos melhores colégios, fala outras línguas e, claro, é ligada em tecnologia e competente em seu uso. São bons, é fato. Mas se acham mais do que ótimos.
“Esse grupo tem dificuldade em aceitar críticas e tarefas que não consideram a sua altura”, diz Daniela do Lago, especialista em comportamento no trabalho e professora da Fundação Getulio Vargas. Daniela conta que, recentemente, uma das empresas para a qual dá consultoria selecionava candidatos ao cargo de supervisor. A gerente do departamento de marketing fazia as entrevistas, e uma de suas estagiárias a procurou, se candidatando ao cargo. A gerente disse que gostara da iniciativa ousada, mas respondeu que a moça ainda não estava madura nem preparada para assumir a função. Ela fora contratada havia apenas dois meses. Mesmo assim não gostou da resposta. “Achou que sofria perseguição”, diz Daniela. Dentro das empresas brasileiras, esse tipo de comportamento já foi identificado como a principal causa da volatilidade da mão de obra jovem. A Page Personnel, uma das maiores empresas de recrutamento de jovens em início de carreira, fez um levantamento entre brasileiros de até 30 anos sobre suas expectativas de promoção. Quase 80% responderam que pretendem mudar de empresa se não forem promovidos.

A expectativa exagerada dos jovens foi detectada no livro Generation me (Geração eu), escrito em 2006 por Jean Twenge, professora de psicologia da Universidade Estadual de San Diego. No trabalho seguinte, em parceria com Campbell, ela vasculhou os arquivos de uma pesquisa anual feita desde os anos 1960 sobre o perfil dos calouros nas universidades. Descobriu que os alunos dos anos 2000 tinham traços narcisistas muito mais acentuados que os jovens das três décadas anteriores. Em 2006, dois terços deles pontuaram acima da média obtida entre 1979 e 1985. Um aumento de 30%. “O narcisismo pode levar ao excesso de confiança e a uma sensação fantasiosa sobre seus próprios direitos”, diz Campbell.

Os maiores especialistas no assunto concordam que a educação que esses jovens receberam na infância é responsável por seu ego inflado e hipersensível. E eles sabem disso. Uma pesquisa da revista Time e da rede de TV CNN mostrou que dois terços dos pais americanos acreditam que mimaram demais sua prole. Sally Koslow, uma jornalista aposentada, chegou a essa conclusão depois que seu filho, que passara quatro anos estudando fora de casa e outros dois procurando emprego, voltou a morar com ela. “Fizemos um superinvestimento em sua educação e acompanhamos cada passo para garantir que ele tivesse sua independência”, diz ela. “Ao ver meu filho de quase 30 anos andando de cueca pela sala, percebi que deveria tê-lo deixado se virar sozinho.”
A mensagem
Para os mimados
É possível combater na vida adulta os efeitos de uma criação permissiva demais
Para os pais
Inflar a autoestima das crianças não é o melhor caminho para o sucesso delas na vida adulta
Que criação é essa que, mesmo com a garantia da melhor educação e sem falta de atenção dos pais, produz legiões de narcisistas com dificuldade de adaptação? Os estilos de criação modernos têm em comum duas características. A primeira é o esforço incansável dos pais para garantir o sucesso futuro de sua prole – e esse sucesso depende, mais do que nunca, de entrar numa boa universidade e seguir uma carreira sólida. Nos Estados Unidos, a tentativa de empacotar as crianças para esse modelo de vida começa desde cedo. Escolas infantis selecionam bebês de 2 anos por meio de testes. Isso acontece no Brasil também. No colégio paulista Vértice, um dos mais bem classificados no ranking do Enem, há fila para uma vaga no jardim da infância.

O segundo pilar da criação moderna está na forma que os pais encontraram para estimular seus filhos e mantê-los no caminho do sucesso: alimentando sua autoestima. É uma atitude baseada no Movimento da Autoestima, criado a partir das ideias do psicoterapeuta canadense Nathaniel Branden, hoje com 82 anos. Em 1969, ele lançou um livro pregando que a autoestima é uma necessidade humana. Não atendida, ela poderia levar a depressão, ansiedade e dificuldades de relacionamento. Para Branden, a chave para o sucesso tanto nas relações pessoais quanto profissionais é nutrir as pessoas com o máximo possível de autoestima desde crianças. Tal tarefa, diz ele, cabe sobretudo a pais e professores. Foi uma mudança radical na maneira de olhar para a questão. Até a década de 1970, os pais não se preocupavam em estimular a autoestima das crianças. Temiam mimá-las. O movimento de Branden chegou ao auge nos Estados Unidos em 1986, quando o então governador da Califórnia, George Deukmejian, assinou uma lei criando um grupo de estudos de autoestima. Os pesquisadores deveriam descobrir como as escolas e as famílias poderiam estimulá-la.
Como não mimar demais seu bebê (Foto: Marcelo Spatafora, Produção de Moda e Objetos: Cuca Ellias, Cabelo e Maquiagem: Marcos Rosa, Agradecimentos: Chicco, PB Kids, Aramis, Crawford, DC Shoes, Jorgito Donadelli, Nem e Camila Klein)
Como não mimar demais seu bebê (Foto: reprodução)

Os pais reuniram esses dois elementos – o desejo de ver o filho se dar bem na vida e a ideia de que é preciso estimular a autoestima – e fizeram uma tremenda confusão. Na ânsia de criar adultos competentes e livres de traumas, passaram a evitar ao máximo criticá-los. O elogio virou obrigação e fonte de trapalhadas. Para fazer com que as crianças se sintam bem com elas mesmas, muitos pais elogiam seus filhos até quando não é necessário. O resultado é que eles começam a acreditar que são bons em tudo e criam uma imagem triunfante e distorcida de si mesmos. Como distinguir o elogio bom do ruim? O exemplo mais comum de elogio errado, dizem os psicólogos, é aquele que premia tarefas banais. Se a criança sabe amarrar o tênis, não é necessário parabenizá-la por isso todo dia. Se o adolescente sabe que é sua obrigação diária ajudar a tirar a mesa, diga apenas obrigado. Não é preciso exaltar sua habilidade em dobrar a toalha. Os elogios mais inadequados são feitos quando não há nada a elogiar. Se o time de futebol do filho perde de goleada – e o desempenho dele ajudou na derrota –, não adianta dizer: “Você jogou bem, o que atrapalhou foi o gramado ruim”. Isso não é elogio. É mentira.
Para piorar, um grupo de psicólogos afirma agora que a premissa fundamental do movimento da autoestima estava errada. “Há poucas e fracas evidências científicas que mostram que alta autoestima leva ao sucesso escolar ou profissional”, diz Roy Baumeister, professor de psicologia da Universidade Estadual da Flórida. Ele é responsável pela mais extensa e detalhada revisão dos estudos feitos sobre o tema desde a década de 1970. Descobriu que a autoestima alta é provocada pelo sucesso – não é causa dele. Primeiro vêm a nota boa e a promoção no trabalho, depois a sensação de se sentir bem – não o contrário. “Na verdade, a autoestima elevada pode ser muitas vezes contraproducente. Ela produz indivíduos que exageram seus feitos e realizações.” Outra de suas conclusões é que o elogio mal aplicado pode ser negativo. “Quando os elogios aos estudantes são gratuitos, tiram o estímulo para que os alunos trabalhem duro”, afirma.
 
Narcisistas sem rumo
Com uma visão distorcida de suas qualidades, com dificuldade para lidar com as críticas e aprender com seus erros, muito jovens narcisistas não conseguem se acertar em nenhuma carreira. Outros vão parar na terapia. Esses jovens acham que podem muito. Quando chegam à vida adulta, descobrem que simplesmente não dão conta da própria vida. Ou sentem uma insatisfação constante por achar que não há mais nada a conquistar. Eles são estatisticamente mais propensos a desenvolver pânico e depressão. Também são menos produtivos socialmente.

 Em terapia desde os 15 anos, Priscila Pazzetto tem hoje 25 e não hesita em dizer que foi e ainda é mimada. “Uma vez pedi para minha mãe me pôr de castigo, porque não sabia como era”, afirma. Os pais se referem a ela como “nossa taça de champanhe”, a caçula de três irmãos que veio brindar a felicidade da família num momento em que seu pai lutava contra um câncer. “Nasci no Ano-Novo. Quando assistia às chuvas de fogos na TV, meus pais diziam que aquilo tudo era para mim, para comemorar meu aniversário”, diz Priscila.
Quando cresceu, nada disso a ajudou a terminar o que começava. Tentou inglês, teatro, tênis, caratê, futebol, jiu-jítsu e natação. Interrompeu até o hipismo, pelo qual era apaixonada. Estudou em sete colégios particulares de São Paulo e, com frequência, seu pai precisou interferir para que ela passasse de ano. Passou em três vestibulares, mas não concluiu nenhum curso superior. “Simplesmente não me sinto motivada a ir até o fim”, afirma. Ainda morando com os pais, Priscila acaba de fazer um curso técnico de maquiagem e diz que arrumou emprego na butique de uma amiga. Tenta de novo começar.

 Claro, nem todos da turma do “eu me acho” estão sem rumo. Muitos são empreendedores bem-sucedidos, e seu estilo de vida – independente, inquieto, individualista – tem defensores ferozes. Um deles é a escritora americana Penelope Trunk, uma ex-jogadora de vôlei de praia que se tornou a maior propagandista da geração nascida na década de 1980, chamada nos Estados Unidos de geração Y. “Qual o problema em se sentir o máximo?”, diz ela. “Se você se sente incrível, tem mais chances de fazer coisas incríveis, sem ligar para pessoas que recomendam o contrário.” Quando os integrantes da turma do “eu me acho” conseguem superar o fato de não ser perfeitos e se põem a usar com dedicação a excelente bagagem técnica e cultural que receberam, coisas muito boas podem acontecer.
Aos 20 anos, no início de sua carreira, o paulistano Roberto Meirelles, hoje com 26, conseguiu seu primeiro estágio. Seu sonho era se tornar diretor de arte. Morava com a mãe numa casa confortável, tinha seu próprio carro e não sofria nenhuma pressão para sair de casa. Resolveu trabalhar até de graça. Aos 24 anos, foi promovido e assumiu o cargo que almejava. Chamou os amigos e deu uma festa. Seus pais ficaram orgulhosos. Sete meses depois, assinou sua carta de demissão. Não era aquilo que ele realmente queria. Seus antigos colegas de trabalho riram ao ouvir que ele estava deixando a agência para “fazer algo em que acreditava”. Seus pais não compreenderam o que ele queria dizer com “curadoria de conhecimento”, expressão que usou para definir seu empreendimento. Apesar da descrença geral, ele foi em frente e criou com dois amigos uma empresa que seleciona informação e organiza estudos sobre temas diversos, para vendê-los no mercado corporativo e para pessoas físicas. Com dois anos recém-completados, a Inesplorato conseguiu faturamento de R$ 1,4 milhão. “Minha maior conquista foi conseguir ganhar dinheiro com uma ideia própria. Eu amo isso”, diz Meirelles.
Nathaniel Branden (Foto: divulgação)
Uma das conclusões a que o psicólogo Baumeister chegou na revisão dos estudos sobre autoestima pode servir de esperança para os jovens da geração “eu me acho” que ainda estão perdidos: a autoestima produz indivíduos capazes de fazer grandes reviravoltas em sua vida. Justamente por ter um ego exaltado, eles têm a ferramenta para ser mais persistentes depois de um fracasso. Em seu último livro, Força de vontade (Editora Lafonte), Baumeister dá outra dica de como conduzir a vida: ter controle dos próprios impulsos é mais importante que a autoestima como fator de sucesso. “A força de vontade é um dos ingredientes que nos ajudam a ter autocontrole. É a energia que usamos para mudar a nós mesmos, o nosso comportamento, e tomar decisões”, disse ele a ÉPOCA no ano passado.
Também há esperança para os pais que se pegam diariamente na dúvida sobre como lidar com suas crianças. Muitos deles conseguem criar seus filhos equilibrando limite e afeto e ensinando a lidar com frustrações sem ferir a autoestima (leia os quadros acima). Na casa de Maria Soledad Más, de 49 anos, e Helder, de 35, pais de Natália, de 9 anos, e Mariana, de 11, os direitos estão ligados ao merecimento e a responsabilidades. “As meninas aprenderam a lidar com erros e frustrações desse jeito”, diz Helder. Para Mariana, uma frustração é não ter celular, já que a maioria das amiguinhas tem seu próprio aparelho. “Explico a ela que ter celular envolve responsabilidade e que ela é muito nova”, diz a mãe. “Claro que esse assunto sempre volta à tona, mas não incomoda. Ela acata bem nossas decisões.”
Roy Baumeister (Foto: The Guardian)
Esses modelos de criação domésticos são chamados pelos psicólogos de “estilo parental”. Não é uma atitude isolada ou outra. É o clima emocional criado na família graças ao conjunto de ações dos pais para disciplinar e educar os filhos. Eles começaram a ser estudados em 1966 pela psicóloga Diana Baumrind, pesquisadora da Universidade da Califórnia em Berkeley. De acordo com sua observação, ela dividiu os pais em três tipos: os autoritários, os permissivos e aqueles que têm autoridade, os competentes. O melhor modelo detectado por psicólogos, claro, são os pais competentes. Eles são exigentes – sabem exercer o papel de pai ao impor limites e regras que os filhos devem respeitar –, mas, ao mesmo tempo, são flexíveis para escutar as demandas das crianças e ceder, se julgarem necessário. A criança pode questionar por que não pode brincar antes de fazer o dever de casa, e eles podem topar que ela faça como queira, contanto que o dever seja feito em algum momento. Mas jamais admitirão que a criança não cumpra com sua obrigação. Ao dar limites, podem ajudar o filho a aprender a escolher e a administrar seu tempo. Os filhos de pais competentes costumam ser muito responsáveis, seguros e maduros. Têm altos índices de competência psicológica e baixos índices de disfunções sociais e comportamentais .
Os piores resultados vêm da criação de pais negligentes. Eles não são exigentes, não impõem limites e nem estão abertos a ouvir as demandas dos filhos. Segundo pesquisas brasileiras – com amostras pequenas, que não devem ser tomadas como definitivas –, esse é o estilo parental que predomina no país nos últimos anos. Quando se fala em estilo negligente de criação, isso não quer dizer que a criança está abandonada e não receba o suficiente para suprir suas necessidades materiais e de afeto. O problema é mais sutil. Com medo de parecer repressores, esses pais hesitam em impor limites. “É uma interpretação errônea dos modelos educacionais propostos a partir da década de 1970. Eles pregavam que a criança não deveria ser cerceada para que pudesse manifestar todo seu potencial”, diz Claudete Bonatto Reichert, professora do Departamento de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil. “Provavelmente, a culpa que os pais sentem por trabalhar fora leva a isso.”

Se parece difícil implantar em sua casa o modelo dos pais com autoridade, ainda há outra esperança. Nem todos concordam que os pais sejam totalmente responsáveis pela formação da personalidade dos filhos. A psicóloga britânica Judith Harris, de 74 anos, ficou famosa por discordar do tamanho da influência dos pais na criação dos filhos. Para ela, se os filhos lembram em algo os pais, não é graças à educação, mas à genética. “Os pais assumem que ensinaram a seus filhos comportamentos desejáveis. Na verdade, foram seus genes”, afirma. O resto, diz Judith, ficará a cargo dos amigos, a quem as crianças se comparam. É por isso que ela acha inútil tentar dar aos filhos uma criação diferente da turma do “eu me acho”. “Houve uma mudança enorme na cultura”, afirma. “As crianças são vistas como infinitamente preciosas. Recebem elogios demais não só em casa, mas em qualquer lugar aonde vão. O modelo de criação reflete a cultura.”

Eu, pessoa nova!


Como dizer Adeus

Onze ideias para sobreviver ao fim, com alguma dignidade.


Tem gente que acha simples, mas eu tenho problemas com rupturas e separações. Talvez as minhas tenham sido muito doloridas, talvez as de pessoas próximas tenham me afetado. Não sei. O fato é que basta eu ler nos jornais que Tom Cruise e Kate Holmes se separaram que uma voz dentro de mim lamenta: coitados...

Minha sensação é que nós – eu, você e o Tom Cruise – não estamos preparados para ouvir ou para dizer adeus. Sabemos começar e não sabemos acabar. Damos a partida num carro, mas não conseguimos parar. Saímos de viagem felizes, mas não conseguir chegar. Um paradoxo, uma incongruência, uma experiência que não fecha. Olhe em volta. Um namoro de meses, uma vez encerrado, pode nos causar enorme sofrimento. Basta que a pessoa nos rejeite para se converter na criatura mais importante no mundo. E na mais desejada. 
Nem é preciso que nos dêem o fora, na verdade. Pense na outra situação: você está namorando, ou casado, e não aguenta mais. Acontece. Como se faz para terminar? O primeiro estágio, dependendo do seu temperamento, pode levar meses ou anos de infelicidade paralisante. Você não suporta mais o som, a visão ou o tato da pessoa, mas não tem coragem de contar isso a ela, embora todos os seus amigos já saibam. Até para o cobrador de ônibus você já disse que aquilo acabou, mas a outra parte ainda não foi informada. Quando os amigos olham você com o seu par, é possível ler nos olhos deles a pergunta: “Ainda”? Dá vergonha. 
Quando, enfim, você resolve dar o ponto final, começa o outro problema. Culpa. Avassaladora e horrorosa culpa. As pessoas vêm contar que ela está sofrendo. Ele telefona. Sua mãe (eu já vi acontecer) recebe o abandonado na casa dela e liga para a sua casa, pedindo clemência: “Ele gosta tanto de você”. Não é fácil ser coerente. A gente não sabe se separar, e as nossas famílias não ajudam. 
Claro, os tipos mais psicanalíticos dirão – com alguma razão – que a dor da ruptura é necessária para a nossa formação emocional. Precisamos passar por ela para entender o amor e outras coisas essenciais sobre nós mesmos. Acima e além de toda a comédia, porém, o que existe nessas separações é dor. Olhe para a cara das pessoas: elas estão destruídas. Não dormem, não comem, mal conseguem trabalhar. Sofrem fisicamente. Perdem peso, ganham peso, adoecem. Se a gente extraísse da dor de cada separação alguma forma de energia limpa, os problemas ecológicos do planeta estariam praticamente resolvidos. Mas não. Essa é uma dor imensa, universal e inútil. 
Eu concordo com a tese, mas não entendo porque ela tem de ser estendida ao infinito. Eu, por exemplo, aprendi tudo o que tinha que aprender sobre sofrimento amoroso aos 13 anos, quando aquela garota de cabelos pretos e imensos olhos castanhos resolveu se apaixonar pelo meu melhor amigo. Desde então, toda perda, separação, rejeição ou pé na bunda tem sido uma mera repetição desnecessária. Até quando?
Como é impossível evitar os foras que nos darão – e aqueles que nós daremos – talvez seja melhor nos prepararmos para lidar apenas com as consequências das separações e rompimentos. Pensando nisso, usei a minha experiência, assim como a dos amigos (cuja colaboração nem sempre é voluntária), para compor um brevíssimo decálogo para uma ruptura menos dolorosa e talvez um pouco mais digna. O decálogo ficou com onze itens, e eu temo que essa não seja a sua única inconsistência. Pensem nele como postits para sair da vala. Talvez ajudem.

O decálogo

1. Diga adeus de verdade. Ou aceite o adeus que lhe deram. Pontos finais podem ser o começo de alguma coisa nova. Adiamentos e meias verdades não levam a lugar nenhum, e nos envenenam.

2. Não se coloque na situação de vítima. Isso destrói a sua autoestima e não faz ele ou ela voltar. Romance que acaba é uma fatalidade tão grande quanto romance que começa. Não tem culpados.

3. Assuma a responsabilidade. Não se abandone aos sentimentos negativos, como se você não fosse responsável pelo que faz ou sente. Em outras palavras, reaja.

4. Mantenha a dignidade. Ou rasteje com moderação. Quando você não tiver mais nada, o respeito por você mesmo – e pelo outro – pode ser de grande serventia.

5. Deixe o outro em paz, dê paz a si mesmo. Ficar correndo atrás da pessoa que a deixou, ou que você deixou, é tolice. Se procurou uma vez e não deu certo, fique na sua. Insistir piora tudo.

6. Procure os amigos. Os seus amigos, não os dela. Gente querida distrai e nos faz bem. Ah, sim: mesmo com os mais chegados, tente não reclamar 100% do tempo. Autocontrole ajuda a sair do poço.

7. Recolha-se ou exponha-se, mas seja fiel a si mesmo. Nunca invente um comportamento que nada tem a ver com você para agredir o ex ou para mostrar que você é foda. Só piora.

8. Faça arte ou consuma arte. Ver um show da Marisa Monte depois de um pé na bunda pode ser uma experiência transcendental. Assim como escrever poemas ruins, que você rasgará (ou não) depois de alguns meses.

9. Não perca pontos correndo atrás do ex anterior, a não ser que tenha virado amizade. Se ele ou ela ainda gostar de você, aproveitar-se para tentar se consolar é desprezível. E não funciona.

10. Lembre: da outra vez você sobreviveu. É importante ter isso em mente. As dores passam e a gente se apaixona de novo, mesmo que no momento isso pareça extremamente improvável.

11. Se a barra pesar demais, procure um analista. Ou mesmo um médico. Eles estão ai para nos socorrer quando o amor vira doença. Se você se assustar com você mesmo, é hora de pedir ajuda. Funciona.
(Ivan Martins escreve às quartas-feiras Revista Época)

Estudo mostra diferenças entre homem e mulher na forma de expressar amor


Que homens e mulheres expressam o amor de formas diferentes não é muita novidade --anos de guerra dos sexos e horas de "D.R" estão aí para provar. O que um recente estudo mostra é como cada sexo demonstra o sentimento.
A pesquisa acompanhou por 13 anos casais que estavam no primeiro casamento. "Nas sociedades ocidentais, as mulheres são consideradas mais hábeis que os homens para expressar o amor em relacionamentos românticos [...] Essa ideia de 'amar diferente' raramente é examinada de forma empírica", escrevem os pesquisadores, da Universidade do Texas em Austin, na introdução do artigo, recém-publicado no site da revista "Personality and Social Psychology Bulletin".
Segundo os autores, contrariando as expectativas, o estudo mostrou que os dois sexos têm a mesma habilidade e disposição para demonstrar o amor. O que muda é o jeito.
As mulheres fazem isso principalmente suportando coisas ruins (evitando a 'negatividade' e sendo menos 'antagonista', como dizem os cientistas) e usando atitudes positivas, como elogios e beijos, para criar um clima agradável.
"Ao conter a 'negatividade' elas entendem que demonstram uma preocupação especial com o marido [...] A contenção é quase um autossacrifício que dá espaço para os homens se afirmarem."
Já eles expressam o afeto por meio do companheirismo, da partilha de atividades de lazer ou domésticas. E, também, pela vontade de fazer sexo com a parceira.
"O sexo parece ser um importante canal por meio do qual homens expressam seus sentimentos amorosos."
Para chegar às conclusões, os pesquisadores acompanharam 168 casais que estavam no primeiro casamento. Homens e mulheres passaram por quatro entrevistas separadamente, em que eram convidados a descrever e analisar as últimas 24 horas.
A primeira entrevista foi dois meses depois do casamento, a segunda e a terceira no intervalo de um ano e a quarta depois de 13 anos --quando só 105 dos 168 casais ainda estavam juntos (56 tinham se divorciado, três ficaram viúvos e quatro não foram encontrados).

JULIANA VINES
DE SÃO PAULO / FOLHA DE SÃO PAULO.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

A Dois!



A primeira morte

A pequena tragédia de um homem comum diante do exame de colesterol.


A notícia veio em um exame de rotina, aberto na página do laboratório na internet enquanto tomava um chocolate quente. Na verdade, leite com um chocolate em pó cheio de porcarias que ele toma desde a infância e, por isso, aos 43 anos, é uma fonte de alegria permanente na prateleira da cozinha. Quando bateu na minha porta, os olhos escancarados, avisando que tinha uma má notícia, eu pensei logo em câncer. No nosso tempo, é o que a gente sempre pensa, mesmo que não diga. “Meu colesterol está alto”, ele disse. “Muito acima do péssimo.” Amoleci inteira e até esbocei um sorriso. “Ah, mas isso não é tão grave.” Mas era. Eu não fui capaz de perceber logo, mas era a primeira morte de meu melhor amigo.  
Não era uma doença incurável, não era um drama humanitário, não era nada que alterasse a ordem do mundo. Era só a pequena tragédia dele. Comezinha e cotidiana. A tragédia de um homem comum, com uma vida comum, que sentia a primeira fisgada do fim. 
No percurso de uma vida, quando temos a sorte de ter uma existência longa, passamos por várias pequenas mortes e renascimentos. É importante que partes de nós morram para que outras possam nascer – ou apenas para que esses pedaços mofados de nossas crenças sobre nós ou da crença de outros sobre nós saiam do caminho. É triste quando alguém é uma coisa só a vida toda – perdendo a chance de acolher todos os outros de si. Quando alguém anda pela vida apertado em uma roupa que nunca lhe serviu direito, mas que foi vestida nele ou nela por seus pais ainda na infância, como se fosse o único modelo que lhe coubesse. 
É importante que, em algum momento, de preferência mais cedo do que tarde, a gente descubra que essa roupa não serve – ou que apenas algumas partes servem e outras precisam ser jogadas fora, para que novas possam ser inventadas. É essencial que nos libertemos dos dogmas impingidos sobre nós para podermos criar uma vida que faça mais sentido – e para nos sentirmos livres para recriá-la o tempo todo. O olhar do outro sobre nós, a começar pelo dos nossos pais, às vezes é redenção, em outras é prisão, em geral é ambos.
Por isso me parece que uma vida é mais rica quando morremos e renascemos muitas vezes. Mas esta é a existência psíquica, é o que se passa em nossas porções invisíveis, naquela parte da nossa geografia que não se pode tocar com as mãos. Poucas coisas ou nenhuma são mais assustadoras do que ousar se libertar de um jeito de ser cujo funcionamento conhecemos. Porque ainda que esse jeito nos sequestre o desejo, nos parece mais seguro do que enfrentar o vazio de descobrir formas de viver mais próximas de nossos anseios. Mas, se tivermos essa coragem que anda de mãos agarradas com o medo, nós nos responsabilizamos pelas nossas escolhas, seguimos e criamos e morremos e renascemos. Muitas vezes.
Foi o que aconteceu com meu melhor amigo. Para não morrer nos próximos anos de enfarte ou AVC por causa das artérias entupidas de gordura, ele matou com um só golpe um mundo inteiro dentro de si. Não é uma mera mudança de hábitos, como médicos e nutricionistas tentam nos convencer em consultas, reportagens e sites da internet. É um mundo inteiro que se extingue como se o Sol explodisse de repente, muito antes dos bilhões de anos calculados pelos astrônomos. Para quem vive nesse planeta, é uma hecatombe. Para a imensidão do universo, é um nada, estrelas morrem o tempo todo sem que a ordem da vida dos outros se altere.  Em algum momento, porém, o corpo anuncia uma morte da qual não é possível renascer. A rigor, começamos a morrer desde o nascimento. De fato, nosso declínio físico começa aos 20 e poucos anos, mas esses sinais podem ser ignorados. E são. Por volta dos 40 – um pouco depois, para quem tem mais sorte, um pouco antes, para quem tem mais azar –, recebemos a notícia da primeira morte que não podemos ignorar. A primeira morte do corpo.
Para o planeta humano que é meu melhor amigo, foi uma hecatombe. Acabaram-se as feijoadas, o churrasco, a pizza, o hambúrguer, a batata frita, os pastéis, os bolos, os bolinhos, as tortas, os chocolates. Mas não só. Encerrou-se a possibilidade de renovar a qualquer momento a memória de uma vida de afetos: a receita de bacalhau da mãe que morreu, a torta de morangos que só a sogra sabe fazer, o feijão gordo que a mulher prepara toda quinta-feira e havia se tornado um acontecimento, a noite com o amigo de infância recheada de cumplicidade, chope e frituras. 
Acabou-se a possibilidade de degustar territórios ainda não desbravados. As experiências gastronômicas com um amigo chefe de cozinha. O acesso às dores de alma e as alegrias de outros povos e terras através da comida, dos ingredientes e dos temperos, que o instigavam a jamais perder nenhuma chance de viajar. Suas próprias invenções com as panelas que reuniam os mais próximos em alegres descobertas na mesa da cozinha. Agora, ele terá de recusar pratos em almoços e jantares – e será um problema na cozinha alheia.  
Um mundo dentro do mundo morreu em um segundo. E a notícia dessa morte o lembra o tempo todo de que é só a primeira das muitas que virão. “Tenho medo de morrer de repente”, ele diz. Porque sente que uma parte dele teve morte súbita tendo ele mesmo por testemunha. “Eu não fumo, não uso drogas, só bebo em ocasiões especiais”, ele diz, traído. Eu quase digo: “A vida não dá garantias”, mas me contenho a tempo.  
Sei que dentro dele toca o réquiem de Verdi, dramático e grandiloquente, mas só ele escuta. Porque sua tragédia é prosaica, acontece com muitos, não é notícia nem na família. Ele é só mais um homem diante do parapeito da ponte – sem vontade de atirar-se dali, mas apavorado porque um dia vai estar lá embaixo.
Pesquisamos juntos na internet, tentamos inventar receitas, descobrir novos ingredientes, criar um mundo novo dentro do universo restrito ao qual ele foi confinado. Cheiramos desconfiados uma linguiça de soja, passamos retos pela manteiga, enchemos o carrinho de coisas verdes. Depois vamos ao cinema para esquecer seu pequeno drama diante da grandeza do drama maior de um outro, mas quando estaqueamos diante da pipoca, o luto desce sobre ele, inexorável. Sabemos que é preciso aceitar essa morte, assim como todas que virão, com o excesso de perdas que ela contém. Em geral não se morre de uma vez só, mas aos poucos. E é o corpo que nos ensina a brutalidade dessa verdade.
O colesterol não encolheu apenas a largura das artérias de meu melhor amigo, mas também a largura da sua vida. Ele sabe que não pode escapar dos limites impostos pelo corpo. Pode, como todos nós, no máximo adiá-los. No exame do laboratório o tal do LDL avisa que a juventude, aquele tempo no qual era possível fingir que não havia limites, acabou. Mas a gordura que entulha as artérias de meu melhor amigo não lhe obstrui o espírito. Porque morreu e nasceu muitas vezes ao longo de seus 43 anos, há nele uma vida dentro da vida que se amplia também nesse choque com os limites. Enquanto o corpo falha, sua mente recolhe suas lágrimas, sua surpresa e sua dor e os transforma em uma experiência a mais.  
Sempre foi assim, afinal. É no confronto com a miséria da condição humana que produzimos o melhor do humano. Condenados eternamente ao fracasso de nosso embate com a morte, inventamos essa vida dentro da vida. Que, se tivermos a ousadia de morrer e nascer várias vezes no espaço de uma existência, será uma vida maior que a vida. 
Não tenho dúvidas de que meu melhor amigo seguirá suspirando de saudades de uma picanha gorda ou de um feijão com costelinha de porco. Mas, nesse último final de semana, ele já havia colado um cartaz patético na cozinha, com imagens suas de a.C. e d.C. – “C” não de Cristo, mas de colesterol. Estava entrouxado de roupas porque acreditava que os 100 gramas que tinha perdido desde que abriu o exame tornaram-no “mais friorento”. E tentava inventar uma maionese caseira sem ovos nem óleo. 
Soube então que estava salvo. Não do colesterol, mas de algo muito pior: uma vida pequena.
Eliane Brum

Ação e Reação

Sofre de reumatismo, quem percorre os caminhos tortuosos; quem se destina aos escombros da tristeza; quem vive tropeçando no egoísmo.

Sofre de artrite, quem jamais abre mão; quem sempre aponta os defeitos dos outros; quem nunca oferece uma rosa.

Sofre de bursite, quem não oferta seu ombro amigo; quem retesa, permanentemente, os músculos. Quem cuida, excessivamente, das questões alheias.

Sofre da coluna, quem nunca se curva diante da vida; quem carrega o mundo nas costas; quem não anda com retidão.

Sofre dos rins, quem tem medo de enfrentar problemas; quem não filtra seus ideais; quem não separa o joio do trigo.

Sofre de gastrite, quem vive de paixões avassaladoras; quem costuma agir na emoção; quem reage somente com impulsos; quem sempre chora o leite derramado.

Sofre de prisão de ventre, quem aprisiona seus sentidos; quem detém suas mágoas; quem endurece em demasia.

Sofre dos pulmões, quem se intoxica de raiva e de ódio; quem sufoca, permanentemente, os outros; quem não respira aliviado pelo dever cumprido; quem não muda de ares; quem não expele os maus fluidos.

Sofre do coração, quem guarda ressentimentos; quem vive do passado; quem não segue as batidas do tempo; quem não se ama e, portanto, não tem coração para amar alguém.

Sofre da garganta, quem fala mal dos outros; quem vocifera; quem não solta o verbo; quem repudia; quem omite; quem usa sua espada afiada para ferir outrem; quem subjuga; quem reclama o tempo todo; quem não fala com Deus.

Sofre do ouvido, quem prejulga os atos dos outros; quem não se escuta; quem costuma escutar a conversa dos outros; quem ensurdece ao chamado divino.

Sofre dos olhos, quem não se enxerga; quem distorce os fatos; quem não amplia sua visão; quem vê tudo em duplo sentido; quem não quer ver.

Sofre de distúrbios da mente, quem mente para si mesmo; quem não tem o mínimo de lucidez; quem preza a inconsciência; quem menospreza a intuição; quem não vigia seus pensamentos; quem embota seu canal com a Criação; quem não se volta para o Universo; quem vive no mundo da lua; quem não pensa na vida; quem vive sonhando; quem se ilude; quem alimenta a ilusão dos outros; quem mascara a realidade; quem não areja a cabeça; quem tem cabeça de vento.

Causa e efeito. Ação e reação. Tudo está intrinsecamente ligado.

Tudo se conecta o tempo todo. E assim, sucessivamente, passam os anos sem que o ser humano conheça a si mesmo.

Somos, certamente, o maior amor das nossas vidas! Assim como o nosso maior inimigo é aquele que está oculto e que habita, inexoravelmente, no interior de nós mesmos.





quinta-feira, 19 de julho de 2012

Sim!


Eu não vi a luz mas sei quem viu


O jornalista mineiro Lauro Henriques Jr. passou dois anos entrevistando alguns dos maiores nomes da espiritualidade e do autoconhecimento de todo o mundo. Nas páginas a seguir, ele revela o que há em comum entre tantas tradições – e como essa experiência mexeu com sua vida.

Renato Breder

Certa vez, um sábio imperador convocou os pintores mais talentosos do mundo e lançou o desafio: daria um prêmio fabuloso àquele que fizesse o melhor retrato da paz. Mãos à obra, o resultado foi uma série dos quadros mais incríveis jamais vistos. Dentre eles, o monarca selecionou dois finalistas. No primeiro, via-se um lago cristalino, que refletia as montanhas verdejantes à sua volta e os pássaros voando no céu azul. Já no segundo, um despenhadeiro erguia-se sob um céu negro, cortado por relâmpagos, enquanto uma cachoeira desabava morro abaixo junto da tempestade. Todos se maravilhavam ao ver a primeira obra, já prevendo a sua vitória; afinal, a outra era o oposto da paz.
Porém, para assombro geral, foi justamente a segunda a escolhida pelo imperador, que explicou sua decisão: “Vocês não observaram o detalhe mais importante da pintura. Reparem ali”. Todos, enfim, notaram: atrás da cachoeira, saindo das ranhuras da rocha, havia um pequeno arbusto e, nele, um ninho de passarinho – nesse ninho, alheio ao caos reinante, a mãe passarinho chocava seus ovos em paz. “Estar em paz não significa estar onde não há confusão ou dificuldades”, disse o imperador. “A verdadeira paz acontece quando, mesmo em meio a tudo isso, você permanece calmo em seu coração.”
A lenda desse vernissage imperial ilustra um ponto fundamental comum às mais diversas tradições espirituais, e que talvez sirva como um bom ponto de partida para o assunto dessas páginas, iluminação. Ela ensina que, assim como estar em paz não implica estar onde não há confusão, ser uma pessoa espiritualizada, ou “iluminada”, não significa estar isolado das demandas e questões do cotidiano.
Durante as conversas que renderam meu livro, Palavras de poder: entrevistas com grandes nomes da espiritualidade e do autoconhecimento no Brasil e no mundo (Editora Leya), entre tantas tradições e linhas de pensamento, uma coisa ficou bastante clara: a prática espiritual não é algo que se faça, necessariamente, em um templo, uma mesquita, uma sinagoga ou, quem sabe, em cavernas nos Himalaias. Os espaços sagrados, ou os retiros e as jornadas, são importantes e valorizados, mas todos aqueles entrevistados insistiam que o contato com o divino se dá, especialmente, no dia a dia, na banalidade do cotidiano, sem precisar de grandes aparatos para isso.
Uma das minhas entrevistadas, a budista Monja Coen, por exemplo, fala de como até uma simples caminhada pode ser um grande exercício de meditação. Você não precisa sentar-se numa almofada de estampas indianas, cruzar as pernas e fechar os olhos. Se, ao caminhar, alguém respira com tranquilidade, prestando atenção aos sons à sua volta, já está em meditação. Simples como isso.
Renato Breder

Evidentemente, o fato de algo ser simples não significa que seja fácil de ser colocado em prática. Do mesmo jeito que o complicado, e aquilo que nos parece difícil, não quer dizer que seja impossível de fazer – os dois anos que passei me dedicando ao livro mostraram exatamente isso.
Mão na massa
O projeto do Palavras de poder é fruto de minha própria trajetória, das várias linhas e tradições com as quais entrei em contato ao longo dos anos, cada uma à sua maneira gerando transformações positivas em minha vida. Na maioria das vezes conheci essas vertentes graças à minha curiosidade: buscando tal autor citado em uma nota de rodapé; assistindo a tal workshop de respiração aqui; certa palestra sobre taoísmo ali; uma jornada xamânica acolá. Porém, não havia um livro que apresentasse tudo isso no mesmo pacote. E minha ideia foi justamente esta: reunir a essência de todas essas linhas, de forma clara, acessível, para ajudar as outras pessoas em seu próprio caminho – decidi escrever a obra que gostaria de ter lido.
Mas colocar em prática essa ideia simples foi uma empreitada que consumiu quase dois anos de labuta, trabalhando três turnos por dia, sem direito a férias nem feriados. Afinal, se no jornalismo muitas vezes já é bastante difícil acessar alguma fonte específica, para marcar uma entrevista com 26 pessoas, quase metade delas estrangeiras e todas com agendas extremamente lotadas, realmente é preciso uma ajudinha lá de cima para a coisa dar certo.
Por exemplo, com algumas pessoas, como a astróloga pop americana Susan Miller, gastei praticamente um ano de negociações entre o primeiro contato e o dia em que, finalmente, conseguimos realizar a entrevista. Só essa parte de produção para agendar os encontros exigiu uma troca de, literalmente, milhares de e-mails e telefonemas – isso sem contar, claro, o trabalho intenso de apuração, elaboração, transcrição e edição das entrevistas.
Salve o prazer
Todo suor, organização mental, gigabytes armazenados, quilômetros rodados e jogo de cintura ficam pequenos perto do prazer, dos encontros gratificantes e da enormidade de causos para contar. Um dos melhores ocorreu durante o encontro com o psicoterapeuta José Ângelo Gaiarsa (1920-2010), considerado o maior especialista brasileiro em comunicação não verbal, um iconoclasta que já foi o “terror das mamães conservadoras” por sua postura irreverente e sem papas na língua em relação a temas como família, amor e sexualidade. Com um currículo desses, o doutor Gaiarsa até se espantou quando o convidei para participar do projeto. A princípio, ele me disse: “Mas, Lauro, o que eu vou fazer em um livro sobre espiritualidade? Meus deuses são a mulher, o corpo, a criança”. Expliquei, então, que o livro não era sobre religião, mas que incluía as várias formas pelas quais a espiritualidade pode se manifestar em nossa vida, como a consciência em relação ao nosso próprio corpo.
Os espaços sagrados são importantes e valorizados, mas todos insistiam que o contato com o divino se dá, especialmente, na banalidade do cotidiano
Foram horas e horas de uma conversa riquíssima, em que o doutor Gaiarsa ia pontuando toda sua exposição com histórias surpreendentes, como o caso de um monge budista que passou por anos de preparação até que lhe fosse permitido entrar no templo mais sagrado de uma cidade no Tibete. Então, quando o sujeito finalmente teve autorização para entrar no templo, o que foi que avistou lá, em cima de um altar? Ele viu uma escultura maravilhosa de um casal em plena relação sexual, com a mulher e o homem sentados de frente um para o outro, num abraço em que se entrelaçavam totalmente. “E por que essa imagem está num altar? Porque o encontro sexual não é uma ‘transa’, ele é o ato da criação”, concluiu o doutor Gaiarsa.
A essa altura, já estávamos os dois completamente sintonizados, em profunda empatia, quando ele me disse: “Lauro, estou amando nossa conversa. Dessa sua espiritualidade eu gosto!”. Gaiarsa morreu poucos meses depois da nossa conversa, aos 90 anos.
O bom equilibrista
Foi a história contada pelo psicoterapeuta que me chamou a atenção para o quanto as palavras “espiritualidade” ou “iluminação” são assustadoras para a maior parte das pessoas. Como se o despertar espiritual fosse algo reservado a poucos eleitos, um feito inalcançável para alguém que, como eu e você, tem contas a pagar e horário para entrar no trabalho.
Acontece que, por paradoxal que pareça, as diversas tradições são convictas em afirmar que a iluminação espiritual não é algo a que se deva chegar. Pelo contrário, a maior parte afirma que basta reconhecer que a luz já existe em nós.
“A iluminação é sempre súbita, porque não é uma conquista”, disse o mestre indiano Osho. “Você está iluminado, mas não tem consciência disso. [O que chamamos de iluminação, na verdade] é a conscientização de que aquilo já existe.” E essa luz se manifesta sob a forma de ação em benefício do próximo – seja uma pessoa, um animal ou uma árvore. Evidentemente, não adianta se julgar um iluminado se seus atos não o são. Ou, como dizia uma frase que circulou na internet, “pouco importa praticar yoga e meditação e não cumprimentar o porteiro de seu prédio”.
Renato Breder

Uma parte constante do aprendizado é se familiarizar com os erros. Somos humanos, falhos e sujeitos a cair. “O importante na vida não é ser uma pessoa equilibrada, mas ser um bom equilibrista” – mais uma das boas frases do doutor Gaiarsa. Assim, a questão não é ficar o tempo todo querendo ser “o equilibrado”, “o iluminado” (correndo, naturalmente, o risco de virar “o chato”), mas ter a consciência de que, se escorreguei aqui, se vacilei ali, posso retornar de novo a meu centro e, a partir daí, procurar agir da melhor forma da próxima vez. Como afirmou o rabino cabalista Yehuda Berg em nossa entrevista: “O trabalho do mal é nos manter para baixo, e o nosso trabalho é lutar para voltar para cima. Não se trata da queda em si, mas de ser capaz de se levantar de novo”.
Uma rapidinha?
Agora, em meio a todo esse eterno balança-mas-não-cai, nada melhor do que procurar manter a leveza. Isso é algo que foi destacado por vários de meus entrevistados, como o Lama Surya Das, um budista americano considerado pelo próprio Dalai Lama um de seus conselheiros. No caso da meditação, por exemplo, embora seus benefícios já estejam mais do que comprovados, pouquíssima gente tem a disciplina para meditar, nem que seja ao menos 20 minutos pela manhã. Bom, e qual é a sugestão do Lama Surya Das? Em vez de ficar se martirizando por não conseguir meditar, procure dar uma rapidinha – ou melhor, várias rapidinhas! “Rapidinha” é como o Lama se refere a pequenas meditações de um minuto, que qualquer pessoa pode fazer em vários momentos ao longo do dia. Pode ser enquanto espera o elevador, parado no trânsito, na fila do restaurante, no banheiro – oportunidades não faltam. Basta fazer uma respiração profunda, relaxar, ouvir os sons ao redor. Um minutinho apenas, e depois é tocar a vida adiante. Eu mesmo, enquanto escrevia o livro, fazia centenas de rapidinhas para dar conta do recado.
Aliás, em relação a meu encontro com o Lama Surya Das, aconteceu uma história bem bacana.
Encontrei o Lama perto de Boston, Estados Unidos, nas proximidades do lago Walden – o mesmo em cujas margens viveu o escritor Henry D. Thoreau e que o inspirou a batizar sua obra-prima de Walden ou A vida nos bosques. Caminhei por horas ao redor do lago antes de ir falar com ele, já entrando bem no clima. E, de fato, foi uma conversa de muitos insights e muita conexão. Terminado o papo, nos despedimos e, quando eu já saía pela porta, ele me chamou. Ao me virar, vi que ele vinha em minha direção, tirando o seu mala (espécie de terço de oração budista) do próprio pulso e colocando-o no meu. E ainda me contou que aquele era um presente que havia recebido do Dalai Lama em pessoa. Era mais do que uma pulseirinha, mas um instrumento que, para ele, representava toda uma linhagem à qual pertence. Foi naquele gesto que percebi o quanto o lama havia entendido a proposta do livro e me considerava digno de passar adiante as coisas sobre as quais havíamos conversado.
Tudo acontece como tem de ser
Susan e Donovan Thesenga, um casal de psicoterapeutas americanos, me deram uma grande lição sobre a aceitação plena da vida, como algo muito mais real e possível do que um amontoado de palavras edificantes. Passei uma semana com eles numa área rural ao sul de Washington D.C., onde vivem. Ao chegar à cidade, liguei para Susan, que educadamente me disse que eles teriam de viajar “para resolver uma urgência na família”, mas que falaria pessoalmente comigo.
As palavras "espiritualidade" e "iluminação" assustam, como se não dissessem respeito a pessoas como nós, com horários a cumprir e contas a pagar
Encontrei o casal logo depois daquela ligação; serenos, apesar de objetivos. Haviam organizado tudo para minha estadia. Até um celular haviam providenciado para mim. Nos despedimos e eles, ambos com mais de 70 anos, pegaram a estrada. Começamos as sessões de entrevista no dia seguinte quando, segundo Susan, “tudo estava resolvido”. Não quis ser inconveniente e não perguntei sobre qual havia sido a urgência na família.
Ao longo das conversas que tivemos naquela semana, um ponto destacado por ambos foi o valor da aceitação, de que tudo acontece como tem que ser. Uma postura que, diga-se de passagem, não tem nada a ver com resignação. Não é a pessoa cortar o pé, perder o emprego e dizer: “Que ótimo!”. Mas aceitar que aconteceu e buscar entender qual o melhor aprendizado trazido por aquela situação. Segundo eles, uma compreensão que só obtiveram após viver uma experiência extremamente difícil com a filha adotiva: ela passou dez anos viciada em heroína, com todo o inferno pessoal e familiar que uma situação dessas implica, até largar o vício. Mas realmente só tive a devida dimensão do que eles diziam sobre a aceitação no fim de minha estadia, quando, a convite do casal, participei de um workshop conduzido por eles. Nesse dia, Susan contou para o grupo que, no início da semana, haviam recebido uma denúncia de que a filha teria sucumbido à heroína de novo. Aquela era a urgência.
As pessoas que me receberam com toda a atenção quando cheguei eram as mesmas que, naquele dia, se deparavam com uma possível recaída da filha no vício. Só que, em vez de se descabelarem, estavam objetivamente fazendo o que precisava ser feito. E, felizmente, descobriram que a “denúncia” não era verdadeira.
Só entendi o que meus entrevistados diziam sobre aceitação plena da vida quando, em um workshop, soube que, havia poucos dias, eles haviam recebido a denúncia de que a filha teria recaído no vício em heroína
Dar vida a esta vida em nossa vida
Outra comprovação da possibilidade prática de uma ação iluminada, mesmo diante dos eventos mais difíceis, veio durante meu encontro com a Monja Coen. Como o budismo trata muito da questão do desapego, ela foi uma das únicas pessoas com quem abordei, diretamente, o tema da morte (com cada entrevistado, busquei levantar os temas mais pertinentes à sua linha específica). Já estávamos no meio de nossa conversa, que transcorreu de forma profunda, mas bem-humorada, quando perguntei sobre o melhor meio de lidar com a perda de um ente querido. Então, na mesma serenidade com que vínhamos conversando, ela me disse que, apenas dois dias antes, havia perdido o pai, após um sofrido processo de doença. E sua resposta foi esta: “É uma experiência das mais difíceis. Por mais que alguém diga: ‘Já sou uma pessoa consciente, iluminada, não vou sentir nada’, é mentira. Não há como ficar indiferente, pois nos toca, dói. Ao mesmo tempo, é essencial não se apegar a essa dor – não se apegar à pessoa que parte nem à dor que fica. Quando alguém que amamos se vai, uma parte dessa pessoa também fica em nós. O essencial é dar vida a essa vida em nossa vida. Que qualidades tinha este ser que eu amava? Será que, em minha vida, consigo manifestar essas qualidades para os outros? Isso é muito importante. Assim, a pessoa que se foi não desaparece, pois continua viva em nós”.
Isso é de uma beleza e profundidade enormes. Ainda mais quando é dito de forma serena, amorosa, por alguém que, dias antes, havia passado pela perda do próprio pai. Na verdade, quando se fala da iluminação espiritual, um denominador comum ao discurso de diversas linhas é a importância de nos lembrarmos de que a morte pode acontecer a qualquer momento. Vários textos tratam de como a pessoa iluminada é aquela que tem consciência de que pode morrer a qualquer momento. E por que ela é iluminada? Porque não desperdiça mais a vida.
Por exemplo, você nunca ouve alguém que está no leito de morte arrepender-se por não ter comprado um carro novo, por não ter usado determinado vestido numa festa, esse tipo de coisa. O que se ouve é a pessoa arrepender-se por causa das brigas que teve com a família, por não ter passado mais tempo com os amigos, por não ter feito o que realmente gostaria. Agora, a questão é esta: ninguém precisa esperar chegar ao leito de morte para ter essa consciência – ou a chamada “iluminação”.
Todos iguais
Depois de falar com tanta gente boa, de todo o trabalho envolvido para dar vida aos dois volumes de Palavras de poder, uma certeza que fica é esta: se meu intuito com o projeto era o de ajudar as pessoas, a primeira pessoa que acabei ajudando foi a mim mesmo. Ao longo do processo, minha vida foi ganhando em vários aspectos, como a certeza de que somos todos iguais, de que estamos aqui uns para ajudar os outros, uns para aprender com os outros. Pude comprovar isso claramente a partir de uma proposta que fiz aos entrevistados, a de que cada um elaborasse uma pergunta para ser respondida por outro. E o resultado dessa “mesa-redonda” foi surpreendente, com sacadas bem interessantes, em que todos se dispuseram, sinceramente, a aprender uns com os outros. O que mostra também que, apesar da diversidade de linhas e tradições, em essência, todas apontam para o mesmo ponto. É como no caso de uma orquestra, em que você tem vários instrumentos diferentes, mas todos tocando juntos para compor a mesma harmonia.
Por fim, se há um aprendizado que fica em relação ao despertar espiritual é este: a verdadeira iluminação é aquela que se manifesta de modo prático na vida, sob a forma de mais amor, mais generosidade, mais tolerância, mais amizade, mais alegria. E com a grande vantagem de que sempre se pode dar uma rapidinha!

Renato Breder


Eu só tenho um caminho
Três temas comuns na visão (incrivelmente semelhante) das diversas tradições

ACEITAÇÃO E GRATIDÃO
“Se não tenho plena aceitação de mim mesmo, passo a vida procurando a felicidade fora de mim. A atitude que busco pode ser resumida numa frase: ‘Entrego, confio, aceito e agradeço’”. Professor Hermógenes, um dos maiores difusores brasileiros da yoga
“Sabedoria é ter confiança, confiar que as coisas acontecem como têm que acontecer, confiar que, por trás de tudo, existe um movimento superior.” Roberto Otsu, professor de taoísmo
“Mesmo um evento que normalmente você diria ser uma tragédia pode ser um caminho de crescimento.” Susan e Donovan Thesenga, psicoterapeutas adeptos do Pathwork
“Uma crise pode ser um momento precioso, em que, por causa do sofrimento, sentimos uma ruptura em nossa percepção do mundo e surge uma busca espiritual mais profunda.” Dom Laurence Freeman, monge beneditino
“Não podemos culpar ninguém quando nos decepcionamos; nosso sofrimento vem de não aceitarmos que as coisas mudem, que elas não sejam do jeito que queremos.” 
Lama Surya Das, budista
COMPAIXÃO
“Este é o propósito que devemos ter: eu não faço algo pelo outro porque ele vai me achar maravilhosa por isso, eu faço porque é bom fazer, porque é bom ajudar.” Monja Coen, zen budista
“O impulso do herói, e que deve ser o impulso de cada um de nós, não é a autogratificação, é o serviço ao outro.” Robert Walter, presidente da Joseph Campbell Foundation
“A caridade significa a materialização do conhecimento espiritual libertador, transformado em socorro ao próximo. É o caminho de iluminação das pessoas.” Divaldo Franco, médium
“A vida só acontece quando eu troco influências, quando me envolvo, plenamente, comigo mesmo e com o outro. Quem não se envolve não se desenvolve.” José Ângelo Gaiarsa, 
psicoterapeuta
HUMILDADE
“Quando nos conhecemos de verdade, o outro pode pensar o que quiser sobre nós; não ficamos orgulhosos por causa de um elogio nem arrasados ao ouvir algo desagradável sobre nós.” Jean-Yves Leloup, padre ortodoxo
“Há duas regras para lidar com o estresse. Regra número 1: não se preocupar com ninharias. Regra número 2: tudo é ninharia.” Susan Andrews, astróloga
“A ‘doença do amanhã’ é o que nos mantém passivos. Passamos a vida deixando tudo para o outro dia. Mas será que vou estar vivo amanhã? É essencial nos lembrarmos de que a morte pode ocorrer a qualquer momento.” Artur Andrés, músico
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