Em que medida uma união harmoniosa protege contra doenças
Não faz muito tempo um leitor atento pediu que eu escrevesse sobre a relação entre a solidão e a saúde. Eis que surgiu a oportunidade. Não é de hoje que os estudos sugerem que a saúde física e mental dos casados (dos bem casados, melhor dizendo) leva vantagem sobre a dos que vivem sozinhos.
Com essa afirmação, não pretendo despertar a ira dos solteiros convictos, aqueles que dizem ser felizes assim. Sem precisar dividir coisa alguma, sem precisar cultivar relações duradouras, sem ter um parceiro para todas as horas – para as boas e, principalmente, para as ruins.
A solidão só é problema quando estressa, entristece, estraga os dias, rouba o sono. É essa solidão que faz mal à saúde. É a essa que me refiro.
Compreender de que forma o casamento contribui para a saúde ou a saúde contribui para o casamento é uma tarefa que mobiliza pesquisadores de várias áreas. Parece a brincadeira do ovo e da galinha. Definir “o que vem primeiro” é um exercício necessário.
Quem tem especial interesse por essa questão é a professora Christine M. Proulx, do departamento do desenvolvimento humano e estudos de família da Universidade do Missouri, nos Estados Unidos. O mais novo trabalho dela será publicado na próxima edição do Journal of Family Psychology.
Christine analisou dados sobre 707 casais que, ao longo de duas décadas, continuaram vivendo com os mesmos parceiros. No início do estudo, todos tinham menos de 55 anos. A cada cinco anos, eles participavam de uma longa entrevista por telefone e classificavam seu estado de saúde (de excelente a péssima).
Também comentavam problemas conjugais, a partir de questões como “Seu parceiro é raivoso, ciumento, dominador?”, “Tem hábitos irritantes?”, “Gasta demais?”, “Pouco conversa com você?” e avaliavam o grau de felicidade na relação (“Você está satisfeito com o amor e o afeto que recebe?”).
A conclusão de Christine: em qualquer estágio do casamento, relacionamentos positivos ou negativos afetam a saúde dos indivíduos. Os parceiros deveriam estar atentos ao fato de que a forma como se tratam afeta a saúde dos dois.
“Pensamos na velhice como algo que podemos tratar com pílulas ou atividade física, mas cuidar do casamento também beneficia a saúde”, diz Christine. “Uma boa relação com o parceiro não cura o câncer, mas laços fortes melhoram o bem-estar dos dois e reduzem o stress”. À medida que envelhecem, as pessoas felizes no casamento declaram ter melhores condições de saúde. Essa é uma boa razão, entre tantas outras, para investir na relação, cuidar bem dela. Uma medida sábia em qualquer idade, mas que pode ser fundamental na velhice.
Uma das limitações do trabalho é ter sido baseado na percepção dos casais a respeito da própria saúde – e não em medições objetivas. Outras evidências, porém, apontam resultados semelhantes. Um estudo realizado na Finlândia com 15 mil pessoas entre 35 e 99 anos concluiu que pessoas casadas correm menor risco de infarto que as solteiras. Além disso, a probabilidade de recuperação após um infarto é mais elevada entre os que vivem com um parceiro.
Nesse trabalho, a propensão de sofrer um infarto foi até 66% mais elevada em homens solteiros de todos os grupos etários. Para as mulheres, os benefícios do casamento mostraram-se ainda mais expressivos. O risco de doenças coronarianas foi até 65% mais elevado entre as solteiras. O trabalho foi publicado no final de janeiro no European Journal of Preventive Cardiology.
A pergunta que não quer calar: como manter a felicidade conjugal (e, por extensão, a saúde) em casamentos de longa duração?
Bodas de ouro ou diamante não são garantia de satisfação. Podem representar, simplesmente, um acerto mais ou menos confortável para ambas as partes.
Por outro lado, o mundo está cheio de velhinhos que vivem juntos e intensamente há décadas. São a prova viva de que a satisfação conjugal resiste ao tempo. Ao comparar casais satisfeitos e insatisfeitos, a equipe da professora Maria de Betânia Paes Norgren, do Instituto Sedes Sapientiae, de São Paulo, identificou o que faz a diferença nas relações.
A satisfação aumenta quando há proximidade, estratégias adequadas de resolução de problemas, coesão, boa habilidade de comunicação e satisfação em relação ao status econômico e à prática da crença religiosa.
Trinta e oito casais paulistas responderam a um conjunto de questionários utilizados num estudo multicultural prévio, realizado nos Estados Unidos, Suécia, Alemanha, Holanda, Canadá, África do Sul, Israel e Chile. O trabalho realizado em São Paulo foi publicado há alguns anos na revista Estudos de Psicologia.
Como manter um relacionamento satisfatório ao longo dos anos, segundo a pesquisa:
• Investir na relação
• Empenhar-se para que ela seja proveitosa para os dois
• Encontrar equilíbrio entre conjugalidade e individualidade
• Partilhar interesses e relacionamento afetivo-sexual
• Evitar o tédio e a repetição
• Empenhar-se para que ela seja proveitosa para os dois
• Encontrar equilíbrio entre conjugalidade e individualidade
• Partilhar interesses e relacionamento afetivo-sexual
• Evitar o tédio e a repetição
“Casamento satisfatório é menos uma questão de escolha certa e mais de trabalho em equipe. Enquanto o trabalho pode ser aprimorado, a escolha só pode dar origem a outras, talvez tão pouco satisfatórias quanto a anterior”, escreveu Maria de Betânia.
Consenso, resolução de conflito, comunicação, flexibilidade são variáveis importantes para a manutenção de relações duradouras. Todas essas condições podem ser adquiridas ou aperfeiçoadas. Enquanto houver vida há chance de fazer diferente. Saúde é isso.
Cristiane Segatto / Revista Época.
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