quinta-feira, 17 de março de 2011

Saques e saquê

Tem uma música do Capital Inicial cujo refrão pergunta “O que você faz quando ninguém te vê fazendo?” A partir daí, a letra fala de meninas que posam nuas na frente do espelho e de garotos que dão uns amassos nas namoradas sem que os pais delas percebam. Mas é uma pergunta interessante não só para os adolescentes, e sim para todos nós. O que faríamos se ninguém pudesse nos ver? Para além das fantasias sexuais, a resposta pode revelar também nosso caráter.

Jornalistas que estão no Japão têm revelado seu pasmo diante da tragédia provocada pelo terremoto e pelo tsunami, só que a perplexidade deles não se resume às consequências gravíssimas que todo mundo viu pela tevê: eles estão pasmos também com o comportamento do povo japonês, que não está saqueando lojas destruídas e tampouco casas abandonadas às pressas pelos seus conterrâneos. Não é surpreendente?

Ninguém deveria ficar surpreso com atitudes corretas, mas ficamos, porque a gente se acostumou a ver cenas de pessoas que aproveitam circunstâncias de vulnerabilidade para invadir supermercados, levando tudo o que podem, sem pensar um segundo que aquela mercadoria tem dono, ele apenas não está de vigília. É o que você faria também se ninguém pudesse te ver?

Quando um caminhão tomba na beira de uma estrada, surgem criaturas de tudo quanto é lado para recolher a carga espalhada pelo asfalto, e acabamos considerando isso uma espécie de redistribuição de renda. Afinal, são pessoas necessitadas que estão se virando como podem etc etc. Com gente olhando ou sem gente olhando, a surrupiada acontece liderada por papai e mamãe e imitada pelos filhinhos.

Nos dias posteriores à enchente em São Lourenço do Sul, percebi que a cobertura jornalística destacava também a proteção que o Batalhão de Operações Especiais estava oferecendo aos moradores que tiveram que deixar suas residências. Brigadianos fizeram plantão noite e dia para evitar saques.

Ou seja, se não houvesse um policial em frente a uma casa que teve as janelas e portas desobstruídas pelas águas, um sujeito qualquer poderia entrar e levar o que encontrasse. Não é que a Brigada estivesse evitando crimes cometidos por assaltantes profissionais: estava evitando também o impulso de pessoas de bem que não resistem em tirar alguma vantagem quando ninguém está de olho.

Quem é que determina o limite do que se pode e o que não se pode fazer quando não há vigilância? Esse limite é determinado pela cultura e pela educação de um povo. Respeito à propriedade alheia é algo que devemos ter em todas as circunstâncias – todas. Se a propriedade deixou de ficar definida, ainda assim a pilhagem segue sendo uma atitude pouco nobre. Mas há culturas e culturas. Na terra do saquê, não há saques. Em outras, onde o exemplo de gatunagem vem de cima, a ocasião faz o ladrão.
 
MARTHA MEDEIROS

2 comentários:

  1. Vivemos em uma sociedade que diz não fazer determinadas coisas por questões de princípios... É, mas para uma grande maioria, isso fica só nas palavras, as ações são movidas pelos "fins" e não pelos princípios...
    Bjs
    Renata http://cercaviva.blogspot.com/

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  2. Sempre penso Renata, que tipo de país deixaremos para essas crianças que estão aí... tenho um bebê e procuro ser uma pessoa politicamente correta, idônea, humana... mas e o resto? Sempre acreditei que a única coisa que podemos fazer por nossos filhos de verdade, é dar-lhes educação e viver no amor, no respeito ao próximo!
    Beijos querida.

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Fico muito feliz com seu comentário!!! :)

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