sábado, 31 de março de 2012

Esmaltes pra durar!

esmalte holografico hits
Hefesto, Artemis, Hermes, Demeter, Afrodite, Ares, Atena, Héstia, Dionísio, Poseidon, Apolo, Hera e Zeus.

Canibalismo Emocional


O que acontece quando nos fechamos num mundo a dois.


Às vezes eu sinto que vivemos numa bolha.
Não é o mundo-quitinete da classe média paulistana (ou carioca, ou brasiliense, ou recifense...), em que as pessoas se esbarram o tempo todo na porta do cinema e do restaurante. Tampouco é o mundo virtual da internet, no qual passamos horas mergulhados, entre caras conhecidas, no Facebook, no Twitter, no Instagran...
Não, a bolha a que eu me refiro é um espaço ainda menor, no qual só cabem dois corpos que decidem, em comum acordo, dividir juntos o espaço e o tempo. Falo de relacionamento, namoro, casamento. Falo da vida de casal.
Vocês já repararam como esse negócio tem uma tendência espetacular a nos confinar? Em torno de duas pessoas felizes vai se criando uma película invisível que as separa do mundo e, paradoxalmente, tende a asfixiar a felicidade.
No início, ficam de fora desse habitat restrito os amigos mais íntimos, justamente aqueles que costumavam estar mais próximos na vida do solteiro ou da solteira. Depois, vão sendo afastados, sem que a gente perceba, os amigos e colegas do segundo círculo de relações, aqueles com quem a gente costumava sair para tomar cerveja, viajar e ter conversas de valor inestimável sobre o trabalho e a vida. Por fim, e simultaneamente a isso tudo, a gente se afasta também da família, que vai sendo sutilmente negligenciada em nome dos planos e da preguiça do casal.
Ao final desse processo, um belo dia, a gente percebe que ficou sozinho numa bolha com a pessoa de quem gosta – e que entre nós e o resto do mundo existe agora uma grossa camada de indiferença.
Dentro dessa bolha, claro, ocorrem coisas maravilhosas. A intimidade física e psicológica do casal floresce, o autoconhecimento de cada uma das partes se amplia enormemente e cresce, no interior da vida a dois, uma deliciosa sensação de afeto, amparo e segurança. Dentro da bolha jamais estamos sós. Falamos com o outro o tempo inteiro ao telefone. Trocamos emails ao longo dia. E, se acordamos assustados no meio da noite, a outra metade está lá, respirando firme e tranquila ao nosso lado.
De muitas maneiras, essa é a situação com que sempre sonhamos. Quando fantasiamos romanticamente sobre uma relação, ela acontece em cenário fechado – somos nós, nosso amor, nossos planos e nossas realizações, com uma vida social que permita partilhar, de vez em quando, a nossa radiante felicidade privada. Assim são os casais nos filmes, assim acontece nos romances baratos. Assim pode ser a nossa vida, se quisermos.
A questão é, deveríamos desejar apenas isso?
Eu suspeito que não. Uma parte de mim, que já passou por isso, percebe uma armadilha na bolha da felicidade. Ela cria um ambiente que não se renova. Ela fomenta o canibalismo emocional – eu me alimento de você e você de mim – e encurta as nossas dimensões existenciais. Ao mesmo tempo em que crescemos para dentro da relação, corremos o risco de encolher para o resto do mundo – e reduzir, drasticamente, o alcance potencial da nossa vida. A felicidade hermética dos casais é autocomplacente e, lá na frente, pode ser frustrante. Bem frustrante.
 Minha sensação é que casais não são auto-sustentáveis, no sentido ecológico da palavra.
Os casais precisam de energia de fora para se renovar. Precisam da presença constante e questionadora dos amigos. Precisam das raízes e do compromisso da família. Precisam de uma vida social que inclua desafios e não apenas entretenimento. Os casais precisam encontrar, fora da bolha, motivos reais para sonhar e existir. E precisam, desesperadamente, da individualidade vigorosa de suas partes, que não se desenvolve sem o contato com o mundo.
Frequentemente, eu tenho a sensação de que esse impulso generoso nos faz falta. Na ausência dele, depositamos uma parcela exagerada das nossas expectativas no projeto privado das relações afetivas. Quando estamos sozinhos, somos tomados pela urgência de achar alguém e construir um universo de casal. Quando achamos pessoa certa, nos pomos a trabalhar, laboriosamente, às vezes de olhos fechados, na tarefa de nos fechar ao mundo junto dela. Temos medo.Quando eu era garoto, as utopias estavam na moda. Imaginava-se, imaginávamos, que o mundo mudaria rapidamente, e de uma forma radical. Casais seriam parte essencial da grande e harmoniosa cumplicidade humana. Não se admitia que as pessoas pudessem se isolar egoisticamente dentro do seu amor. Era preciso participar do mundo. Transformá-lo.
Mas, viver assim, eu suspeito, não é boa ideia. No interior da bolha, mesmo das mais felizes, acaba faltando ar. Dentro dela, somos tentados a nos curvar sob as dimensões cada vez menores do mundo que criamos. Assim, quando a bolha explode - como é da natureza das bolhas explodir -, expõe ao mundo duas pessoas surpresas e desamparadas, que se sentem infinitamente sozinhas. E de mãos vazias.
Eu sugiro, portanto, que os casais não façam bolhas duradouras. Ou, pelo menos, que abram na parede delas portas e janelas por onde possam circular pessoas e ideias - passagens por onde a vida exterior possa entrar não apenas como mera decoração da felicidade, mas como ar, como água, como coisa vital e renovadora que a vida é.   
(Ivan Martins escreve às quartas-feiras)

Maquiagem





Bem assim!


Perguntas



Quantas vezes você andava na rua e sentiu um perfume e lembrou de alguém que gosta muito?
Quantas vezes você olhou para uma paisagem em uma foto, e não se imaginou lá com alguém...
Quantas vezes você estava do lado de alguém, e sua cabeça não estava ali?
Alguma vez você já se arrependeu de algo que falou dois segundos depois de ter falado?
Você deve ter visto que aquele filme, que vocês dois viram juntos no cinema, vai passar na TV...
E você gelou porque o bom daquele momento já passou...
E aquela música que você não gosta de ouvir porque lembra algo ou alguém que você quer esquecer mas não consegue?
Não teve aquele dia em que tudo deu errado, mas que no finzinho aconteceu algo maravilhoso?
E aquele dia em que tudo deu certo, exceto pelo final que estragou tudo?
Você já chorou por que lembrou de alguém que amava e não pôde dizer isso para essa pessoa?
Você já reencontrou um grande amor do passado e viu que ele mudou?
Para essas perguntas existem muitas respostas...
Mas o importante sobre elas não é a resposta em si...
Mas sim o sentimento...
Todos nós amamos, erramos ou julgamos mal...
Todos nós já fizemos uma coisa quando o coração mandava fazer outra...
Então, qual a moral disso tudo?
Nem tudo sai como planejamos portanto, uma coisa é certa...
Não continue pensando em suas fraquezas e erros, faça tudo que puder para ser feliz hoje!
Não deite com mágoas no coração.
Não durma sem ao menos fazer uma pessoa feliz!
E comece com você mesmo!!!
Martha Medeiros

Pra hoje...

Cora Coralina

Esmalte preto


Eike Batista, um superpai?


O comportamento do pai de Thor nos leva a refletir sobre o que é a paternidade em nossa época.


Na noite de sábado, 17/3, Thor Batista, 20 anos, atropelou Wanderson Pereira dos Santos, 30 anos, na rodovia Washington Luís, na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro. Wanderson morreu na hora. De imediato, Eike Batista, o homem mais rico do Brasil, passou a defender o filho de todas as maneiras – e também no microblog twitter. Com tanta veemência que o humorista Tutty Vasques comentou em sua coluna no Estadão, de 21/3: “Não satisfeito com o lugar de destaque que ocupa na mídia como o homem mais rico do Brasil, o insaciável Eike Batista tem se esforçado um bocado para virar capa de revista como o Pai do Ano em 2012”. A observação é aguda, como costuma ser o humor de qualidade. E é algo que vale a pena pensar: ao defender o filho com os melhores advogados, com assessores de imprensa e com seu próprio discurso público, Eike Batista é mesmo um superpai? O que se espera hoje de um pai, afinal?
Ainda que a maioria tenha acompanhado o noticiário, é importante recordar os principais capítulos e seus protagonistas, antes de seguirmos adiante. Assim como é importante fazer algumas perguntas óbvias sobre a investigação. 
Thor é o mais próximo de um príncipe herdeiro que o Brasil atual pode ter: filho do homem mais rico do Brasil e da eterna musa do Carnaval. Como disse Eike Batista (@eikebatista) no twitter: “A mídia e todos vão já já perceber que o Rio tem um Príncipe Harry! O Thor”. Wanderson era ajudante de caminhoneiro e filho de criação de Maria Vicentina Pereira. Thor foi batizado com o nome de um deus nórdico. Ninguém se preocupou em perguntar qual é a origem do nome de Wanderson na mitologia familiar, mas com certeza existe uma história, sempre existe. Thor dirigia um Mercedes SLR McLaren, o mesmo que costumava ser exibido como obra de arte na sala da mansão de sua família. Wanderson, uma bicicleta. Na BR-040, Thor e Wanderson encontraram-se não apenas como dois brasileiros, mas como dois Brasis que raramente se encontrariam de outro modo.
A vontade de condenar Thor, em um país tão desigual como o nosso, sempre pródigo em presentear os mais ricos com a impunidade, é imediata. É necessário, porém, resistir a ela. Ninguém pode ser condenado sem julgamento, sob hipótese alguma. Da mesma forma, pelos mesmos critérios e também pela sobriedade que a morte de uma pessoa exige, Eike Batista deveria ter resistido a condenar Wanderson. 
Em suas afirmações na imprensa e no twitter, o pai de Thor apressou-se em culpar o morto pela própria morte. E afirmou que Wanderson poderia ter matado não só a si mesmo, como também seu filho e o amigo que o acompanhava – o que é altamente improvável. Segundo pesquisa citada pela jornalista Maria Paola de Salvo, no Blog do Sakamoto, apenas 0,3% dos motoristas envolvidos em atropelamento com vítima fatal morrem.
Enquanto as investigações não forem concluídas, nenhum de nós – e muito menos Eike – tem o direito de condenar alguém. Até agora, ninguém – nem mesmo Eike – pode afirmar se a morte de Wanderson foi fatalidade ou homicídio. Até agora, ninguém – nem mesmo Eike – pode declarar se a morte de Wanderson é responsabilidade exclusiva da vítima, é responsabilidade exclusiva de Thor ou é responsabilidade de ambos.
Infelizmente para todos, já pairam dúvidas sobre as investigações. É difícil entender, por exemplo, por que um carro envolvido em uma morte está na casa de Thor, o investigado – e não nas dependências da polícia. Depois da perícia feita no local, o carro foi liberado. As demais diligências seriam feitas na mansão do Jardim Botânico. “No dia seguinte, meu advogado me informou que havia sido feita a perícia do carro no local do acidente, e que o carro teria sido liberado pela PRF para que pudéssemos trazê-lo para casa, garantindo deixá-lo intacto”, afirmou Thor.
Segundo o próprio Thor relata na conta no twitter que criou para dar sua versão dos fatos, ele primeiro foi para casa, onde seria atendido pelo médico da família, e só depois, por iniciativa própria, foi a um posto da Polícia Rodoviária Federal próximo ao local do acidente para se submeter ao bafômetro e demais procedimentos exigidos em um caso de atropelamento com vítima fatal. O exame deu negativo para a presença de álcool, ao contrário do resultado de Wanderson, que revelou um índice elevado de álcool no sangue.
Se Thor não fugiu do local – o que não é um ato louvável, como seu pai quer convencer a opinião pública que é, mas uma obrigação –, por que a polícia não fez o que devia fazer, na hora em que devia fazer, por sua própria iniciativa? A conta de Thor no twitter é esta: @Thor631. Nela, é narrada sua versão da cronologia dos fatos. Pensado para defendê-lo e escrito com método, o relato revela mais do que gostaria. 
É uma pena que as partes nebulosas darão, mais uma vez, algum grau de legitimidade às dúvidas sobre a lisura do inquérito policial, mesmo depois da sua conclusão – ou de seu arquivamento. Para o futuro em aberto de Thor, pelo futuro interrompido de Wanderson e para o Brasil, um país partido pela impunidade dos poderosos, seria fundamental que a polícia e o Estado demonstrassem total correção e transparência ao investigar uma morte que envolve o filho do homem mais rico da nação.
A condenação prévia de Thor nas redes sociais e nas conversas de bar deve-se não apenas à raiva que parte da população teria dos ricos e poderosos, ou à tendência de se colocar ao lado dos mais fracos, mas também à percepção legítima de que os atos criminosos dos ricos e poderosos permanecem impunes. A pressa em acusar e condenar Thor não demonstra apenas histeria ou irresponsabilidade das “massas”, ou mesmo “inveja”, como chegou a ser dito, mas a ansiedade de fazer uma justiça que temem, com todas as razões históricas e objetivas para isso, que não seja feita por quem tem o dever constitucional de fazê-la. Seria, nesse sentido, uma espécie de antecipação e compensação pela justiça que não acreditam que aconteça. E aqui me limito a analisar o fenômeno – e não a defendê-lo.
Quem é Thor, o filho de Eike Batista? Seu perfil é fascinante e quase obrigatório para compreender o Brasil atual. Basta procurar no Google para encontrar pelo menos uma matéria exemplar sobre sua vida, seus hábitos e seus pensamentos. Aqui, vou me deter apenas em quem é Thor como motorista. Em seu prontuário no Detran constam 51 pontos e 11 multas, parte delas causada por excesso de velocidade. Thor deveria ter perdido a carteira de habilitação por isso, mas não a perdeu. Se a tivesse perdido, como determina a lei, talvez não estivesse dirigindo na noite daquele sábado, e Wanderson possivelmente não estaria morto. Thor ama carros, velocidade e potência. Como declarou em uma entrevista  anterior ao acidente, ele já teve um Aston Martin: “Trouxe de São Paulo e fiz 280 quilômetros por hora na Dutra”.  
No dia seguinte à publicação, a vítima, José Griner, hoje com 87 anos, manifestou-se através de uma nota na qual afirma que nem ele nem Thor tiveram culpa: “Houve uma colisão que envolveu a lateral do carro dele e a roda dianteira da minha bicicleta”. Disse mais: “Ele agiu com lisura e deu suporte à minha recuperação”. Que tudo isso nos faz pensar na excelência do “gerenciamento de crise”, faz. Mas o que podemos afirmar é que, em menos de um ano, Thor exibe uma estatística incomum como motorista: atropelou dois ciclistas. Um sobreviveu, o outro não.Segundo o colunista Ancelmo Gois, do jornal O Globo, em 27 de maio de 2011, a bordo de um Audi placa EBX 0001, Thor atropelou um homem de 86 anos, também em uma bicicleta, na Barra da Tijuca, no Rio. Thor prestou socorro, e sua família pagou todas as despesas médicas. A vítima fraturou o acetábulo (parte da bacia onde a cabeça do fêmur se encaixa) e teve de colocar duas placas e cinco parafusos, além de se submeter à fisioterapia, à hidroterapia e a sessões com psicólogo para superar o trauma. Em entrevista à coluna de Ancelmo Gois, um dos filhos da vítima afirmou não ter registrado queixa nem pedido indenização: “Estávamos preocupados em salvar nosso pai, que também não queria confusão”.
Qual é o papel de um pai em um momento crucial como este? Não há resposta fácil para isso, mas há muitas perguntas que podem ser feitas. E essas perguntas são pertinentes porque a defesa imediata e veemente que Eike Batista fez publicamente do filho ilustram bem o que hoje se acredita ser o papel de um pai. 
Um pai – ou um superpai – seria aquele que defende o filho contra tudo e contra todos, tenha ele ou não razão – e mesmo que ele já tenha 20 anos e seja moral e legalmente responsável por seus atos. Um pai – ou um superpai – afirma a inocência do filho e usa todos os recursos para convencer a opinião pública dela, mesmo que ele não possa garanti-la, já que ninguém ainda pode. Um pai – ou um superpai – usará todos os meios de que dispõe para impedir que o filho seja punido, mesmo se for provado que ele merece a punição.  
Pelo comportamento público de Eike Batista, me parece que ele acredita com sinceridade que esta é a função de um bom pai – ou mesmo de um superpai, já que, pelo que tem demonstrado em sua trajetória de vida, ele não aceitaria nada menos do que ser um supertudo. No twitter, ele assim definiu seu desempenho: “Vou defender como um Leão! Tenho certeza que todo Pai que ama seu Filho faria o mesmo!”. É interessante observar as palavras escolhidas por ele para colocar em maiúsculas.
O cotidiano mostra que Eike Batista está longe de estar sozinho em sua crença sobre a educação de um filho – e a postura de um pai. Tenho certeza de que muitos leitores aqui compartilham da visão de Eike sobre a paternidade e acham sua defesa e suas ações dignas dos maiores elogios – e fariam o mesmo pelos seus filhos se tivessem a infelicidade de se encontrar em situação semelhante. Esses mesmos leitores afirmariam que isso é prova de amor verdadeiro – que só um superpai pode dar.
Será?
Tenho dúvidas. E me arrisco a discordar não só como mãe, mas como cidadã que tem de conviver com os filhos desses pais em todas as esferas da sociedade. Já havia me surpreendido com a atitude da mãe do menino que, em fevereiro, atropelou e matou com um jet ski Grazielly Lames, de 3 anos, que construía castelos de areia na praia de Bertioga, no litoral paulista. Segundo o advogado da família, o adolescente de 13 anos correu para a casa em que estavam hospedados em busca de orientação da mãe. Em vez de voltar e prestar socorro, junto com o filho menor de idade, dando o exemplo do que uma pessoa decente deve fazer, a mãe preferiu fugir com o garoto. A tese da defesa é a de que o adolescente não dirigia o jet ski, “apenas” o ligara. Ou seja, o menino não teria nenhuma responsabilidade e, se tudo der certo do ponto de vista do que os pais  desse menino entendem por dar certo, seu filho não será punido pelo fim da vida de uma criança.
Os casos guardam diferenças. Mas também semelhanças. Tanto para a mãe do adolescente do jet ski, quanto para o pai de Thor, a proteção de filhos que podem ser responsáveis pelo fim de uma vida parece ser uma preocupação acima de todas as outras. Ambos já decretaram previamente a inocência dos respectivos filhos antes que ela fosse provada. Pode ser que a inocência seja mesmo provada, em um ou em ambos os casos, mas nenhum deles poderia tê-la garantido antes de a investigação ser concluída.
Vivemos numa época em que se acredita que, ao dar limite para um filho, estamos comprometendo seu projeto de felicidade. E o que é entendido como felicidade? Ter tudo, ter gozo ilimitado. Qualquer imprevisto nesse percurso deve ser apagado, custe o que custar, para não virar trauma – e, assim, comprometer o futuro do filho, que deve passar pela vida sem ser marcado pela vida. Deve fazer marca na história, mas não ser marcado por ela. Neste cálculo, não são admitidos erros, covardias, irresponsabilidades, deslizes, excessos.... máculas.
Na biografia futura de Thor Batista, que, como seu pai já disse, espera-se que supere a sua em feitos, as máculas devem ser apagadas. Se existirem máculas, é necessário “ligar o dispositivo de administração de crise” – e eliminá-las da linha do tempo. Se alguém errou, foi sempre o outro. Para ter certeza disso não é preciso nem apurar os fatos: o filho de um superpai é automática e previamente inocente. E não acho que essa mentalidade pertence apenas aos mais ricos, apenas que eles têm recursos para garantir essa inocência – e os mais pobres, raramente.
É legítimo fazer algumas perguntas – que podem ser propostas tanto para Eike Batista como para nós mesmos. Se seu filho já atropelou uma pessoa, será que o melhor é emprestar a ele um dos carros mais velozes do mundo? Se seu filho tem 11 multas e 51 pontos na carteira de habilitação, será que você deveria permitir que ele dirigisse o seu carro, mesmo que o Detran não tenha cumprido seu dever e suspendido a licença? Se seu filho atropelou alguém e essa pessoa morreu, não seria o caso de silenciar até que os fatos fossem esclarecidos, ainda que fosse por respeito à enormidade do que é a morte de um ser humano? O que cada um de nós faria nessa situação? E por quê? 
Acho que é uma situação muito dura para qualquer pai – ou mãe. É duro dizer a um filho que ele errou. Em qualquer escala – e muito mais em uma escala dessa envergadura. É duríssimo. Mas é necessário. Não é fácil ser pai ou mãe exatamente porque a educação se dá nas escolhas difíceis. Educar é, em grande parte, ensinar aos filhos que eles são responsáveis pelos seus atos, dos mais simples aos mais complexos – e devem responder por eles. Mesmo que tudo o que gostaríamos, como pais amorosos, fosse voltar no tempo e apagar o passado.
Penso que um pai ou uma mãe deve se colocar ao lado do filho não para absolvê-lo, mas para apoiá-lo enquanto ele assume as consequências dos seus atos. Você errou, vai responder por seus erros, e eu vou estar ao seu lado. Ou: não sabemos se você errou, então vamos aguardar a apuração dos fatos. Se for concluído que você não errou, ótimo, mas mesmo assim uma pessoa morreu e é preciso lidar com essa tragédia. Ou: se for concluído que você errou, você vai responder pelos seus erros como a lei determina e um cidadão decente deve fazer, e eu vou ajudá-lo a seguir em frente apesar e a partir disso, aprendendo com a tragédia e não a esquecendo.
A revolta da opinião pública levou a muitas ironias – entre elas, as com o nome de Thor, o deus nórdico do trovão. Eike Batista seria uma versão contemporânea de Odin, o pai de Thor na mitologia, já que em nossa época é o dinheiro que concede algo próximo a uma divindade terrena. Nesse sentido, é curioso lembrar que nas histórias em quadrinhos inspiradas na mitologia nórdica, Odin expulsou Thor de Asgard. Thor, então um jovem arrogante e impulsivo, em uma de suas aventuras adolescentes invadira o reino dos gigantes de gelo, rompendo o tratado selado por Odin. A honra do pai e sua autoridade entre os deuses dependiam de punir exemplarmente o filho, que com suas ações havia prejudicado a todos e comprometido a segurança de Asgard.
Thor foi enviado para a Terra – um exílio que significava punição e aprendizado. Ao expulsar Thor, Odin disse a ele: “Tu és o filho favorito de Odin! Além de valente e nobre, tua alma é imaculada! Mas ainda assim és incompleto! Não tens humildade! Para consegui-la deverás conhecer a fraqueza… sentir dor! E para isso necessitas deixar o Reino Dourado e despir-te de tua aparência divina! A Terra, lá aprenderás que ninguém pode ser verdadeiramente forte se, em realidade, não for humilde! Por  um tempo não mais serás o Deus do Trovão! A tua memória também tirarei! Agora, vai! Uma nova vida te espera!". Thor transformou-se então em um mortal chamado Donald Blake, médico talentoso mas manco. Até que aprendesse o dom da humildade e estivesse apto a cumprir seu destino.
Por que vale a pena lembrar esse episódio? Porque este é o Thor de Stan Lee, o grande criador da Marvel Comics. E Stan Lee é um homem nascido em 1922, que criou o seu deus do trovão no início da década de 60. Ao tecer o enredo, Lee revela a mentalidade da sua época. E nos mostra como a paternidade – e o que se compreendia como amor e como obrigação de um pai – já foi diferente. Nos lembra, portanto, que a construção da paternidade é cultural. E, portanto, mutante.
Acredito valer a pena pensar sobre o que é ser pai hoje. E que tipo de consequências essa ideia de paternidade, tão bem ilustrada na relação de Eike Batista com seu Thor da vida real, acarreta para a sociedade como um todo. Este episódio nos leva a várias vertentes de reflexão – e uma das mais interessantes é a nossa relação com os limites na educação de um filho.
Tenho muito cuidado em tocar em assuntos que envolvem tanta dor. Acho que testemunhar a morte de um ser humano – sendo ou não responsável por ela – é uma experiência devastadora, que deixa marcas profundas, para além da punição legal. Mesmo atropelar um homem de 80 anos e machucá-lo deve ser terrível. Não sei como é estar na pele de Thor. Tentei descobrir pelo twitter como ele se sentia em sua humanidade.
Primeiro, percebi que Thor estava mais preocupado em garantir sua inocência, provar a culpa do morto e nos convencer da correção de seus atos, assegurando também o apoio material à família da vítima. Depois, na sexta-feira, 23/3, descobri que já tinha mudado de assunto. Thor estava dando a fãs no twitter o que chamou de “dica de endocrinologia do dia”: “Eu recomendo o uso da cabergolina (Dostinex) para baixar a prolactina. Comece com 0,25 mg por semana, por 4 semanas, e dose no sangue”, é um dos tuites. Na sexta-feira, copiei toda a página, como material de pesquisa para esta coluna. Pouco antes de publicá-la, voltei a entrar na sua conta de twitter e constatei que o post reproduzido acima havia sido apagado. Os demais permanecem lá.
Depois de prescrever uma receita que só um médico poderia, sugerindo inclusive a dose, para seus milhares de seguidores, imagino que alguém o tenha alertado que a postagem era irresponsável e indevida. Thor então escreveu: “Meus comentários sobre endocrinologia são inúteis. Não sou médico, não posso recomendar nada. Apenas gosto de botar para fora conhecimento”.
Em todo o episódio – trágico de várias maneiras, e de algumas outras que ainda vamos testemunhar – me chamou a atenção – positivamente – o silêncio de Luma de Oliveira, a mãe de Thor. Justamente ela, a celebridade, a ex-modelo, a musa do Carnaval, aquela que tudo expôs de si mesma. Procurada por repórteres, Luma pouco falou. Disse ao jornal O Globo, na sexta-feira 23/3: “Este não é o momento de dar entrevista. É o momento de sentimentos, de solidariedade”. Posso estar sendo ingênua, e a sobriedade de Luma seja apenas mais um cálculo, mas penso que a mãe de Thor estava sendo sincera.
Thor afirmou no twitter: “A frase que mais admiro é ‘The truth sets you free’. Author: Jesus”. Imagino que a original tenha sido pronunciada em aramaico, mas a tradução da frase postada por Thor seria: “A verdade vos liberta”. É possível. Mas talvez pai e filho um dia descubram, ainda que em seus pesadelos noturnos, naqueles que não se pode controlar mesmo sendo um superpai ou um superfilho, que a verdade é uma criatura complexa e que pode levar a territórios imprevisíveis. Ela pode libertar, sim – mas dificilmente sem dor. E dificilmente sem um profundo e corajoso olhar para dentro.
 (Eliane Brum escreve às segundas-feiras.)

sexta-feira, 30 de março de 2012

Dois pontos: as frases da semana


A atriz Sophia Reis“Há um ônus e um bônus de namorar comigo”
Sabrina Sato, atriz e apresentadora
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“Tenho pena daquele que é obrigado a viver com R$ 19 mil”
Cyro Miranda, senador (PSDB-GO), a respeito de seu salário de parlamentar
“Me sinto literalmente como se, no espaço de um dia, tivesse ido a outro planeta e voltado”
James Cameron, cineasta que viajou ao ponto mais profundo do oceano
“Tenho paixão pelo Loco Abreu”
Nathalia Dill, atriz torcedora do Botafogo, sobre o atacante alvinegro
“Mano Menezes se recusa a fazer teste de bafômetro, tem carro apreendido. Pergunta de todos: será que ele estava sóbrio quando não chamou Kaká?”
Rosângela Lyra, sogra do jogador Kaká, que não é convocado desde outubro
 alt=“Nenhum homem que eu entrevistei disse que quer ser famoso, todos querem ser ricos. Já as mulheres todas queriam ser famosas. Mulher quer glamour e homem quer poder”
Ingrid Guimarães,apresentadora que estreará em abril o programa “Homens possíveis”
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“As famílias das vítimas disseram que aceitam o dinheiro, não que perdoam o assassino”
Fazal Mohammed Esaqzai, representante de um conselho distrital no Afeganistão. O governo americano deu US$ 50 mil às famílias de 16 afegãos mortos por um soldado
“Hadad tem que gastar sola de sapato”
Martha Suplicyque perdeu a candidatura do PT à Prefeitura de São Paulo para Fernando Haddad – cujas intenções de voto estão em 3%
“É um sentimento engraçado ver você aqui porque eu assisti ao filme”
Yoshihiko Noda, primeiro-ministro do Japão, ao receber Mark Zuckerberg – fundador do Facebook acidamente retratado no filme A rede social. Constrangido, Zuckerberg respondeu que a história é um pouco equivocada
“Se minha pontuação fosse mais baixa, talvez tivesse conseguido me encaixar em alguma equipe”
Fofão, levantadora de vôlei desempregada há dez meses, anunciando que pode se aposentar. A liga feminina de vôlei atribui pontos às jogadoras e limita a pontuação dos times. Dona da melhor nota, Fofão não consegue vaga para jogar
A atriz Juliana Paes“Se eu perdesse a voz, estaria morto”
Lula,ex-presidente da República. Na última quarta-feira, seus médicos anunciaram que o tumor na laringe, que ele vinha tratando há cinco meses, desapareceu
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“Às vezes ele me dá uma alfinetada, eu dou outra nele”
Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente, ao visitar no hospital o ex-presidente Lula
“É um direito, mas acho que tem gente na frente dele”
Andrés Sanchez, diretor da CBF, sobre a possibilidade de Ronaldo Nazário se candidatar à presidência do órgão
“”Não preciso mais avisar a minha mãe que estou voltando para casa. Ela me procura, manda mensagens, e eu respondo, ‘legalmente não preciso mais te dizer’”
Justin Bieber, cantoramericano que completou 18 anos
 alt=“Não sou um furacão sexual”
Deborah Secco, atriz, à revista GQ
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Por: Danilo Casaletti (dcasaletti@edglobo.com.br)com Marcelo Moura, e Bruno Calixto

Tristeza ou depressão?


Tristeza ou depressão?
:: Flávio Gikovate :: 


Quem trabalha na área sabe que somos seres bio-psico-sociais. Acontece que cada um tem suas preferências teóricas e assim existe a turma do bio, a do psico e a do social. A depressão é um problema para todos os que não sabem operar com as 3 variáveis ao mesmo tempo. Os psiquiatras clínicos (bio) acham que quase tudo depende da concentração da serotonina nas sinapses cerebrais: quando ela fica baixa nos sentimos fracos e tristes e passamos a ver a vida pela ótica pessimista que acaba interferindo sobre o estado mental e sobre nossas relações interpessoais. Os psicoterapeutas (psico) acham que quase tudo depende de conflitos íntimos derivados de experiências dolorosas na infância e adolescência: inseguranças sexuais, baixa auto-estima dentre tantas condições negativas nos deixam tristes, incompetentes para o amor e para as boas relações sociais, condição na qual também nos sentimos deprimidos. Os sociólogos (sociais) acham que quase tudo acontece por força das circunstâncias que nos rodeiam: criamos um meio social mais voltado para a produção e o consumo, e nosso habitat, exigente e cada vez mais difícil, nos leva a um estado depressivo por não estarmos de acordo com todas as expectativas (riqueza, magreza, etc.).

Nunca me filiei a escolas e tenho horror a dogmas. Fui dos primeiros a ver a depressão como um tema complexo: as pessoas estão crescendo mais frágeis por força de uma educação mais permissiva e não estão sendo capazes de lidar com as pressões sociais que só têm crescido. Isso faz com que a incidência de quadros depressivos esteja crescendo efetivamente. Os médicos não sabiam fazer diagnóstico que, de fato, se tornou mais acurado (em parte, é verdade, por pressão da indústria farmacêutica, interessadíssima em vender os novos antidepressivos) e isso também modificou o número de casos de depressão. Qualquer que seja a causa, psicológica ou social, ao longo do tempo, sempre existem repercussões sobre os neurotransmissores cerebrais e o uso de antidepressivos pode ajudar a aliviar a dor mesmo naqueles casos em que os problemas são concretos e objetivos, para os quais a psicoterapia também está indicada. A concomitância de psicoterapia com o uso de antidepressivos é algo que faço desde 1967 e ainda hoje muitos psicanalistas (e alguns psiquiatras clínicos) acham prática indevida. É claro que as depressões podem acontecer por força de perturbações originárias de predisposições orgânicas (familiares ou não) e aí acontece o contrário: a pessoa deprimida enxerga mal a si mesmo e sua realidade.

Minha convicção é a de que se trata de um caminho de mão dupla: perturbações na química cerebral alteram a forma de pensar ao passo que pensamentos equivocados, derivados de conflitos psicológicos íntimos ou de se ter que viver num meio social inóspito, provocam alterações na química do cérebro. Apesar de não parecer, o pensamento é o subproduto misterioso da atividade cerebral. Um subproduto curioso, uma vez que ganha poderes próprios, inclusive para interferir na atividade cerebral. É tudo muito complexo e a questão não cabe numa fórmula simplista. Assim, cada caso é um caso que deve ser estudado detalhadamente. O ramo é mais parecido com a alta costura do que com o prêt-à-porter.

Sofrimento produtivo e improdutivo

Podemos tentar classificar nosso sofrimento íntimo como normal ou patológico, condição à qual voltarei no próximo artigo. Trata-se de uma avaliação complexa e difícil. Podemos pensar em tristeza com causa objetiva determinante e estados depressivos (tristeza e depressão são, hoje em dia, usados como sinônimo) definidos antes de tudo por alterações na química cerebral. Não se deve subestimar a dificuldade presente neste tipo de divisão, pois estados de alma interferem sobre a química e vice-versa.

Penso que é muito mais útil separar os estados depressivos em sofrimento construtivo e produtivo ou improdutivo e pouco útil - senão completamente inútil. Do ponto de vista prático, esta é a classificação que determina o tipo de interferência do profissional de saúde. O sofrimento produtivo é aquele que deriva da tomada de consciência de erros que cometemos: a autocrítica é sempre muito dolorosa quando, por exemplo, um empresário tem que perceber que sua situação financeira se deteriorou por força de equívocos previsíveis; dói para alguém que perdeu o parceiro sentimental por razões que poderiam ter sido evitadas, dentre tantos outros exemplos. A fase de avaliação do ocorrido é extremamente produtiva e pode levar a importantes mudanças psicológicas, melhorando as condições da vida futura. Numa situação dessas seria quase criminoso fazer uso de algum tipo de medicação que viesse a prejudicar a reflexão em toda sua profundidade.

Nos casos de luto por morte de pessoa querida a situação é diferente, já que não temos que aprender nada acerca de nossas atitudes. Talvez tenhamos muito a aprender sobre condição humana e, é claro, cabe a dor e sofrimento que, diga-se de passagem, nenhum tipo de medicamento é capaz de atenuar muito durante a fase aguda da tristeza.

Acontece que, tanto no caso da autocrítica útil e construtiva quanto no luto necessário para melhor entendermos nossa condição, pode acontecer do estado depressivo se estender para além do útil e conveniente. No caso do empresário que aprendeu com seus erros, é claro que ele terá que sair do estado depressivo e ir atrás de salvar o que restou de seus negócios. Para conseguir fazer isso é preciso que esteja um pouco mais disposto. Isso vale para quase todas as condições depressivas que se prolongam para além do que é produtivo e útil. Aí cabe sim tentarmos ajudar a pessoa a sair do atoleiro depressivo (que, muitas vezes, já se tornou um fato químico) por meio do uso de medicamentos e psicoterapia (que está indicada também na fase de autocrítica).

Nos casos em que a depressão é de origem essencialmente química, todo o sofrimento é inútil e a mente patina em medos e pensamentos obsessivos de caráter negativo dos quais nada de bom se pode extrair. Cabe lançar mão de todos os recursos hoje disponíveis para amenizar este tipo de dor que não leva a nada.

O normal e o patológico

Na prática clínica é relativamente fácil sabermos quando estamos diante de uma pessoa portadora de boa tolerância às dores e que tem, em concomitância, uma constituição neurofísiológica privilegiada. Estas criaturas agüentam bem os golpes da vida: lidam com as tristezas inexoráveis (algumas de intensidade dramática, como é o caso do luto e das rupturas amorosas) da melhor forma possível. Vivenciam o sofrimento de uma forma lúcida e tentam extrair dele lições de vida. Saem fortalecidas de tudo o que passam, pois a autoconfiança se beneficia muito da constatação de que são competentes para os piores tombos sem se acovardarem em relação ao futuro. Estas são as pessoas normais.

As que têm uma labilidade maior em sua formação orgânica podem, por nada, acordar, numa madrugada, péssimas. O medo toma conta delas (medos irracionais correspondem a um dos mais importantes sintomas da depressão e estão presentes de forma muito mais marcante nos casos em que o problema é mais endógeno, menos dependente de fatores externos) e elas passam a ver tudo por uma ótica extremamente negra. Padecem, conforme cada caso, de vários dos sintomas que têm sido descritos como parte dos quadros depressivos que devem receber também tratamento farmacológico. Estas são as pessoas que têm a predisposição orgânica para a depressão e, neste aspecto de suas vidas, são anormais.

Entre estes dois extremos estamos quase todos nós: nem sempre tão competentes para lidar com nossas dores, nem sempre tão dóceis e tolerantes quanto gostaríamos, nem sempre em condições de superar sem ajuda estas e outras adversidades da vida. A verdade é que a fronteira entre o que é normal e o que é patológico corresponde a uma faixa muito extensa, de modo que uma tristeza pode se iniciar como algo normal e, com o passar do tempo, ganhar aspectos mais graves (quando o esperado seria sua superação). Pessoas deprimidas por força de razões orgânicas podem decidir se livrar sozinhas de suas dores e tratar de sair do seu estado sem o auxílio de medicamentos ou de psicoterapia. Como já escrevi, penso mesmo que cada caso é um caso.

Faço parte daquele grupo de profissionais que tem uma atitude de profundo respeito pelos pacientes e sua forma de pensar. Minha experiência é basicamente com pessoas normais, termo que uso para incluir também os que estão na faixa fronteiriça e que são a maioria de nós (por isso mesmo normais, ao menos do ponto de vista estatístico).

Considero que necessita tratamento, seja medicamentoso ou psicoterapêutico, aquele que procura, espontaneamente, ajuda. Sei que nos casos claramente patológicos muitas vezes o paciente vem trazido por parentes e isso faz todo o sentido. Nas demais circunstâncias, quem decide se precisa ou não de ajuda (querer receber ajuda não é sinônimo de estar doente de depressão) é o paciente. Ao profissional de saúde cabe prestar o auxílio desejado pelo seu paciente segundo os critérios que sua consciência e formação lhe sugerem.

A propósito do luto

Farei mais algumas considerações a respeito da tristeza derivada da perda por morte. Elas dizem respeito tanto à morte de pai e mãe como de filhos. Antes de mais nada, é preciso dizer que se trata de situações bastante diferentes, uma sendo esperada e outra, a da perda de um filho, dramática e de superação muito difícil. A idéia da morte dos nossos pais, quando já somos adultos e eles estão mais velhos, é algo que, de certa forma, nos perturba até mesmo antes de estarmos cientes de que são portadores de uma doença grave. A ansiedade provocada pela hipótese de que poderemos ser acordados no meio da noite com alguma notícia ruim nos faz sobressaltados quando o telefone toca depois do horário usual; isso pode nos acompanhar por anos a fio.

Quando a morte ocorre experimentamos uma forte dor, a sensação de não termos mais raízes, de estarmos perdidos e soltos no mundo. Isso afora a saudade e a falta que aquela criatura pode fazer em nosso cotidiano (e que depende da natureza do vínculo que persistiu ao longo da vida adulta). Sofremos muito e o luto se caracteriza pela incapacidade que temos de nos divertir. Por um tempo (oficialmente um ano, ou seja, o tempo de todas as datas comemorativas serem passadas sem sua presença) só conseguimos nos ocupar das tarefas cotidianas e daquilo que chamamos de trabalho. Meu ponto de vista é o seguinte: devemos tentar sofrer o mínimo de tempo possível. Ou seja, não acho que quem sofre por mais tempo e vive um luto fechado dá maiores demonstrações de amor por quem se foi.

Acho que pessoas mais maduras emocionalmente (as que lidam bem com frustrações e contrariedades) e as que desenvolveram uma docilidade diante da nossa condição de incerteza e de desamparo acabam funcionando como o “João Bobo”, aquele boneco que cai com facilidade, mas imediatamente depois se põe de pé. Ou seja, não consigo pensar que seja legal, digno, profundo e consistente o sofrimento pelo sofrimento. Ele deve ser tratado como inexorável, como algo a ser vivenciado de forma construtiva (aprender o que der para aprender daquela dor) e pelo menor tempo que conseguirmos. Superar o luto é o objetivo daquele que está sofrendo; não deveria se deixar embalar e muito menos se sentir engrandecido pelo sofrimento.

Sei que tudo isso é muito mais difícil quando se trata da perda de um filho, talvez a maior dor que se possa ter que passar nesta vida (especialmente quando o filho já é adulto e a gente não tão velho para ter uma relação de mais indiferença em relação à morte). A docilidade diante do destino que nos derrubou terá que ser maior ainda, a dor e o luto mais penosos; porém, penso que não adianta nada blasfemar e que o que temos que fazer é mesmo tentar seguir em frente e lançar mão de todas as nossas forças para tentar levantar o quanto antes. Se não conseguirmos fazê-lo sozinhos, devemos lançar mão tanto de grupos de auto-ajuda, como de medicamentos e psicoterapias.

segunda-feira, 26 de março de 2012

E ponto final.


Não, a vida não começa aos 40!

Quando o marketing publicitário vira filosofia da vida cotidiana.

                 ELIANE BRUM
Parece uma epidemia. Não paro de ouvir e de ler que “a vida começa aos 40”. A frase não é nova, talvez tenha até uns 40 anos... Hoje, porém, ela parece ter deixado o marketing publicitário para virar filosofia da vida cotidiana. E em bocas que costumam dizer coisas que valem a pena. De uns tempos para cá, atrizes e escritoras interessantes têm repetido esse slogan, depois de passar dos 40. Nesse verão, li várias vezes essa frase em revistas femininas diferentes, ditas por mulheres diferentes, mas incluídas no pacote do “bonita-e-bem-sucedida”... e com mais de 40.

Entendo que a frase é simpática. E bem intencionada. E tenha sido até revolucionária no passado recente. Afinal, mesmo durante boa parte do século XX acreditava-se que a vida acabava aos 40 – a vida das mulheres, pelo menos. Ou, pelo menos, acreditava-se que, depois dos 40, o mais emocionante que uma mulher poderia esperar seriam os netos (que, acredito, sejam mesmo algo bem emocionante). Entendo também que é uma conquista existirem protagonistas de novelas com mais de 40 anos e mulheres em todas as áreas criando depois dos 40. Receio, porém, que estejamos enfiando o nosso pé em uma nova armadilha. E, em vez de uma frase meio marqueteira, meio lugar comum, que se diz aqui e ali quando falta assunto, ao ser levada a sério torne-se uma sentença.



O que significa “a vida começa aos 40”? Fiz uma pequena pesquisa em blogs e revistas e parece que significa o seguinte: a vida começaria aos 40 porque as mulheres ainda estariam bonitas, já seriam donas de uma carreira consolidada e financeiramente estáveis, teriam passado por percalços suficientes para se sentirem mais confiantes e, então, sem as pressões e inseguranças dos 20 e até dos 30, estariam mais livres para inventar novos rumos para suas vidas – e novos rumos que estariam mais próximos de seus desejos.
Significava também que, aos 40, as mulheres já estariam com os filhos crescidos e, portanto, teriam superado certo peso da maternidade. Mas acho que essa parte do pacote já perdeu força, na medida em que hoje muitas mulheres estão justamente tentando engravidar ou com filhos pequenos ao completar 40 anos. Nesse sentido, o mais correto a afirmar nesses dias é que, em muitos casos, a vida dos filhos começa quando suas mães têm 40 anos. E acho que este é um bom tema para outro momento.
Por que eu desconfio da afirmação de que “a vida começa aos 40”? Primeiro, porque nela está implícito que existe uma espécie de “vida de verdade”, enquanto a outra, a que veio antes, seria uma vida menor. Eu acho que é preciso ter medo, muito medo, da tal da “vida de verdade”.    
Se formos levar na literalidade da letra que a vida começa aos 40, seria muito triste. Seria mesmo desesperador. Se, ao alcançar os 40 uma mulher chegasse à conclusão de que o que se passou antes foi apenas um preâmbulo para uma vida – e não a vida em si, com toda a sua quantidade de drama e de nadas – haveria um motivo bastante legítimo para se matar aos 40. Afinal, o que foi que você fez antes se não era vida o que estava acontecendo?Seja aos 40 ou em qualquer idade, a tal da “vida de verdade” é fonte de muito sofrimento desnecessário. Ela coloca nossas vidas imperfeitas – e tudo e todos que dela fazem parte – como sendo sempre insuficientes diante de alguma outra vida imaginária. Ou nos instala no modo de espera de algo extraordinário que ainda vai acontecer e nos arrancar do que interpretamos como uma mesmice aquém do que merecemos. A “vida de verdade” é uma grande mentira. E a história de que “a vida começa aos 40” a reforça. Nesse ritmo, talvez a vida não comece nunca. E acho que há gente demais – mulheres e homens – vivendo à espera de que a vida comece, sem reparar que ela já vai pelo meio.
Mas, digamos que essa mulher hipotética seja intrépida o suficiente para pensar: “Oquei, tudo o que veio antes foi tempo perdido, ou apenas uma preparação para o que está por vir, mas agora a vida de verdade começa”. Nesse caso, ela também chegaria à conclusão de que seria uma existência muito curta. Com a expectativa de vida de 77 anos, segundo o último censo do IBGE, as brasileiras teriam aí, em média, uns 37 anos pela frente.
Nesses 37 anos, mesmo que essa mulher seja saudável como uma vaca de leilão, teria de lidar com problemas de saúde aqui e ali, depois aqui, ali e em toda parte. Teria de lidar com as letras que vão diminuindo de tamanho bem diante dos seus olhos. Teria de lidar com a perda progressiva da juventude. E teria de lidar com a velhice dos pais, com a sua própria, e também com a morte daqueles a quem ama. É muita coisa para lidar, não? Se além de tudo isso a vida estiver começando... coitadas de nós.
Ao defender que “a vida começa aos 40”, portanto, estamos nos lançando em um paradoxo lógico: “a vida começaria no mesmo momento em que chega à metade”. E não a qualquer metade, mas a uma metade que envolve declínio físico, perdas inescapáveis e termina em morte. Parece deprimente? Seria, se fosse só isso, mas há também muitas possibilidades interessantes em curso, se tivermos aprendido algo em algum momento anterior. Triste? Algumas vezes muito triste, com certeza, mas também engraçada, se já conseguirmos rir de nós mesmas, e com um monte de coisas para inventar e para experimentar – e outras que só nos resta aceitar. É a vida, com sua mistura de tragédia e de comédia e um bocado de espaços vazios e de repetições.
Despida de seu conteúdo revolucionário, que fazia sentido em décadas passadas, mas hoje não me parece que faça mais, a máxima de que “a vida começa aos 40” pode se tornar uma autossabotagem. Temos medo, quando chegamos aos 40, porque uma metade da vida já passou – e justamente a metade em que éramos jovens. Para as mulheres é de certo modo mais difícil porque a exigência de que pareçamos jovens é maior. E por causa dela muitas se lançam aos bisturis para adiar o inevitável, nem sempre com resultados satisfatórios. Sem falar nas injeções na testa, que de piada viraram coisa séria e dispendiosa desde a invenção do botox. Mas não acho que transformar nosso medo em autoafirmação seja uma boa ideia. Tipo: “Ah, que maravilha, cheguei aos 40 anos e agora começa a melhor época da minha vida!”. Soa meio bobo, não? Não é possível que 40 anos de vida não tenha nos permitido dizer algo mais instigante.
É preciso que a vida antes dos 40 tenha sido bem ruim para que o que venha depois seja tão melhor assim a ponto de se tornar a vida inteira. Se não foi tão ruim antes dos 40, também não é preciso temer que seja tão pior depois, a ponto de se tornar necessário gritar em público que os 40 estão sendo uma libertação ou uma epifania ou a abertura de “2001, uma odisseia no espaço”.
Como tudo nesse nosso mundo de mercadorias, o conteúdo revolucionário de ontem virou propaganda de hoje para nos vender um montão de produtos. E seria legítimo esperar que pelo menos nisso soasse algum tipo de sirene, já que a maior parte do que tentam nos vender nessa faixa etária onde “a vida começa” seja justamente rejuvenescimento. Contraditório, não? Acreditar que publicidade é filosofia, este é um passo que não precisamos dar.
Fico aqui pensando se não há também certa dose de vingança contra as mais jovens nessas reafirmações constantes da força da mulher dos 40 e dos 50 e além. Algo como: “Vocês têm juventude, corpinho e possibilidades, mas a vida de vocês não tem nenhum significado. A vida de verdade começa aos 40”. Ora, todas nós tivemos 20, e todas as que têm 20 hoje terão 40 e, com sorte, um dia passarão dos 70. Foi importante para mim aos 20 e depois aos 30 saber que existiam mulheres interessantes, criando vidas interessantes, depois dos 40, dos 50 e além. Hoje, perto de completar 46 anos, sonho em chegar aos 80 com uma vida tão significativa como a de Fernanda Montenegro ou como a de uma parteira chamada Jovelina que conheci numa reportagem no Amapá. Mas ao meu próprio modo.
Agora, se essas mulheres que criam coisas interessantes e por isso ganham espaço na mídia e por isso se tornam formadoras de opinião e por isso se tornam perfeitas não para si mesmas, mas para os anunciantes, tivessem feito pouco caso da minha vida de 20 para afirmar a sua de 40, 50 ou além, eu teria ficado muito decepcionada. Não por acreditar nelas, mas por não poder acreditar nelas.
A vida é o que temos e o que fazemos dela, com um pouco de tudo, em qualquer idade. Aos 40, percebemos que começamos a envelhecer. Não acho que devemos negar isso, mesmo porque não adianta. O que vamos dizer aos 50 ou aos 60? Que a vida começa de novo? Ué, mas ela não tinha começado aos 40? E aos 70, 80 ou 90, vamos “descobrir” que a vida começa no fim?
Não existe “vida de verdade” – só existe vida, que é o que está acontecendo agora, seja lá o que for. Acho que vale mais a pena aceitar que envelhecemos e descobrir um jeito de viver com isso. Não começando, mas continuando a criar a melhor vida possível, a melhor vida possível com os limites de cada uma, do jeito de cada uma. E com uma grande dose de generosidade com as nossas atrapalhações – e também com as de quem amamos –seja aos 20, aos 40 ou aos 70.
De minha parte, aos 20 anos eu estava tropeçando nos meus próprios pés e me perguntando o que e quem sou eu. Aos 40 e poucos continuo tropeçando nos meus próprios pés e me perguntando quem e o que sou eu. Não que não tenha descoberto e trilhado algumas pistas, mas é que elas vão se multiplicando e se alargando no percurso. O tempo escasseia, mas o número de perguntas aumenta, o que é um tanto ingrato.
Aos 20 anos, eu não sabia se queria ser jornalista ou bióloga ou garçonete em Amsterdã ou me matar. Aos 40 e poucos eu me confundo com escolhas mais subjetivas, algumas não consigo nem mesmo nomear. E me preocupo muito em não ser uma coisa só, como um daqueles gênios presos em uma garrafa que só realizam o desejo dos outros. Me esforço então para desfazer rótulos sobre mim mesma – e faço caretas para não ficar cristalizada em uma só imagem no espelho, o privado e o público. Nesse momento da vida, como já escrevi aqui, a gente pode descobrir que é tão importante se desinventar como foi um dia se inventar. Mas imagino que, bem perto da morte, ainda vou estar tropeçando em pés com joanetes e pensando: o que e quem sou eu?
Tenho uma amiga dez anos mais velha para quem pergunto todo ano, só para sacanear: Você ficou mais sábia? “Não”, ela sempre responde, “mas estou com uma ruga enorme na testa”. Eu também não fiquei, digo. Mas acho que ficamos ambas, porque rimos disso. Depois dos 40, o que posso afirmar é que a vida, pelo menos para mim, não começou. Continuei perdida, assaltada por perguntas e duvidando das respostas. Mas comecei a entender que esta é uma boa notícia.
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