quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Medo, Vergonha e Culpa


Medo, Vergonha e Culpa
:: Flávio Gikovate :: 

Uso sempre uma comparação polêmica para tentar definir a condição humana: somos um mamífero parecido com o macaco, mas possuímos um computador sofisticado instalado no cérebro. Não sabemos muito bem como utilizar o computador, como ele funciona. Fizemos progressos, mas ainda temos um longo caminho a percorrer.

O mamífero homem tem múltiplos desejos. O principal freio à realização de alguns deles é o medo, exatamente como ocorre nas outras espécies. Trata-se de uma defesa que faz parte do "instinto" de autoconservação, processo inato cuja finalidade é afastar o animal dos perigos reais. Assim, quando um cachorro está com fome, o desejo o impulsionará na direção de algum alimento. Se, no entanto, uma onça estiver por perto, ele fugirá, pois o medo é maior do que o desejo de comer, maior do que a fome. Um homem sem recursos pretende assaltar um transeunte. Nota, porém, que um carro da polícia se aproxima. Tenderá, então, a desistir do roubo para evitar ser preso. Nos seres humanos, o receio da represália (ou da punição divina) às vezes constitui a única barreira entre fazer e deixar de fazer.

A razão - é assim que chamamos nosso computador - poderá introduzir freios mais elaborados, modificando o jeito de ser e de agir. Esses freios não existem em todas as pessoas. Em minha opinião, pensar o contrário foi um dos grandes erros da psicanálise. Acredito que Freud generalizou e concluiu a partir de suas vivências individuais. O método não se revelou adequado, pois há diferenças consideráveis entre indivíduos da mesma espécie. Feita a ressalva, vamos ao primeiro degrau desse processo mais sofisticado de limitação da conduta. Ele não se alicerça no medo. Relaciona-se à vergonha. Ao agir de forma censurável (por exemplo, ao roubar, chantagear, desejar uma relação sexual proibida), a pessoa teme que alguém a surpreenda. Tal sentimento não está só ligado ao receio de represálias, mas também à possibilidade de ser desprezada ou ridicularizada pelos demais. Nesse caso, a punição não é a prisão ou a violência; é a humilhação.

Quando nos sentimos envergonhados, reagimos a um acontecimento externo que irá nos prejudicar. A represália não é física e, sim, moral. A gente não apanha; enfrenta um sorriso de desprezo, capaz de gerar um sofrimento maior do que uma surra. Evidentemente é necessária a intermediação da razão para que esse processo, ligado à vaidade e à preocupação com a nossa imagem, possa se transformar em um poderoso freio. Nada semelhante ocorre com outros animais. O cachorro não sente vergonha se for pego fazendo xixi no tapete da sala. Apenas tem medo de ser castigado.

A reação psíquica mais sofisticada não é a vergonha; é a culpa. Muitas pessoas usam essa palavra, mas desconhecem seu verdadeiro significado. Acredito que a maioria dos seres humanos nunca experimente tal sentimento. Trata-se de uma operação elaborada que pressupõe a capacidade de se colocar no lugar do "outro". Os egoístas, por exemplo, não pensam nessa possibilidade e, conseqüentemente, não sentem culpa. Nada impede, porém, que usem a expressão: "Estou arrependido pelo que aconteceu". Não basta dizer. É preciso agir de acordo. Devemos nos guiar mais pelas ações do que pelas palavras das pessoas.

Quando me coloco no lugar do "outro" e percebo que ele está sofrendo, sinto pena. Se concluir que foi meu comportamento a causar uma dor indevida, a pena se transforma numa tristeza profunda. A essa emoção chamamos de culpa. Ela é nosso maior freio, um freio interno poderosíssimo, que torna o errar realmente humano. Imagine a cena. Um rapaz se prepara para dar um soco. No momento de agir, pensa na situação inversa: vê o golpe atingindo o seu próprio rosto e experimenta a mesma dor que ia provocar. Sofre e, ao sofrer, o braço se paralisa... Vivenciar o papel da vítima freia a ação violenta. Em vez de tristeza, o autocontrole propicia alegria. Infelizmente, às vezes, o bloqueio ocorre até quando temos direito à defesa e, deixando de reagir, passamos a ser agredidos. Aí, o freio é uma faca de dois gumes e pode prejudicar as pessoas mais sensíveis, capazes de experimentar a verdadeira culpa

domingo, 26 de fevereiro de 2012

O que vale mais: beleza ou dinheiro?


O que vale mais: beleza ou dinheiro?
:: Flávio Gikovate :: 

Numa conversa com amigos surgiu este tema e eu achei muito interessante tentar escrever alguma coisa sobre ele, já que são as duas condições que, parece, são as mais cobiçadas pelas pessoas. É claro que não estavam em jogo outras variáveis também muito cobiçadas como a inteligência, a felicidade sentimental, o vigor sexual, a persistência e disciplina para o trabalho, a competência para os esportes ou para a vida social etc. A questão era apenas essa: beleza ou dinheiro?

Não valia também querer ter os dois, porque é óbvio que todos responderiam da mesma forma. Ao longo da minha mocidade, lembro que pensava muito sobre isso quando via uma moça muito bonita no ponto de ônibus. Como é que ela não arrumava um namorado mais bem posto na vida para poder sair daquela situação nada agradável? O fato é que muitas não o faziam e, estimuladas por uma ingenuidade que, penso, está desaparecendo, iam atrás de algum rapaz de suas relações e de condição social semelhante à sua. Não tinham em mente, ao menos de modo claro, que poderiam trocar a sua beleza pelo que quisessem. Era isso que estava na minha mente mais atenta à realidade da vida e por isso tinha tanta dificuldade em imaginar que uma moça assim bonita não dava uma solução melhor para sua vida.

O fato é que hoje tenho visto muito menos moças belas e atraentes em pontos de ônibus. Ao mesmo tempo, muitos rapazes, antes displicentes para a aparência física, buscam intensivamente se tornarem protótipos daqueles que seriam cobiçados pelas mulheres mais bonitas ou bem postas. É como se tivessem descoberto todo um modo de se estabelecer socialmente que jamais esteve aberto para os homens, destinados a trabalhar muito e a tentar crescer por força de sua competência para as atividades lucrativas.

Hoje em dia, rapazes e moças, homens e mulheres mais velhos, todo o mundo busca aprimoramentos físicos. Gastam tempo e dinheiro com cremes, cirurgias, tratamentos mais ou menos dolorosos. Fazem de tudo para se embelezar e também para manterem, pelo maior tempo possível, a juventude. É como se estes tivessem se transformado nos nossos maiores valores. São os mais cobiçados, ao que parece.

A vaidade é um elemento da nossa sexualidade relacionado com o exibicionismo. Está presente em todos nós. O que varia é o que pretendemos exibir e como queremos chamar a atenção ou atrair olhares de admiração em direção a nós. Podemos chamar a atenção pela beleza extraordinária. Isso é fácil para quem nasceu assim belo e costuma acomodar a pessoa, que não busca mais nada de muito relevante para si porque já está bem abastecido de gratificações deste tipo exibicionista. As moças, mais que os rapazes, sempre se preocuparam mais que tudo em chamar a atenção pela aparência física, mesmo nos casos em que se destacam profissionalmente e têm uma boa condição sócio-econômica. Poucas foram, e são, as que preferem chamar a atenção por outras razões podendo atrair olhares de admiração e desejo por sua aparência física.

Penso que a condição masculina ainda é um tanto confusa e os rapazes, mesmo os que cultivam os músculos várias horas por semana, ainda gostam muito de desfilar com carros que chamem a atenção, o que é uma forma de exibicionismo da vaidade que se exerce pela via indireta. Ou seja, o carro chama a atenção das pessoas e também chama a atenção quem está dentro do carro, quem é o dono dele. Neste caso o dinheiro é que é a principal fonte do exibicionismo. Parece que, afora seu uso para as coisas básicas da vida, o dinheiro está sempre a serviço do exibicionismo. Até há pouco tempo, as moças exibiam a beleza e os rapazes o dinheiro - deles ou da família - por meio de carros, relógios etc. Hoje as moças estão preocupadas em exibir boa condição financeira, como é exemplo o fascínio que elas têm por bolsas de grife e que todos sabem quanto valem (e muita gente usa as falsas com o objetivo de passar por aquilo que não é). Ao mesmo tempo, os rapazes cultivam ao máximo sua beleza física sem abrir mão, é claro, do exibicionismo material.

Parece que a vaidade se tornou mais exigente e todo o mundo quer chamar a atenção de qualquer jeito e quase sempre pela via da beleza ou do dinheiro. A competição se atiça e não vão bem as relações humanas, nem as de amizade e muito menos as amorosas. Agora, tudo leva a crer que, neste exato momento, a beleza está valendo mais do que o dinheiro - e não é que ele valha pouco. Acho que, com o fim da ingenuidade, todos, rapazes e moças, perceberam que a beleza tem um importante valor de mercado, de modo que acham que, de posse dela, conseguirão o dinheiro. A beleza chega ao dinheiro e nem todo o dinheiro do mundo compra a beleza para si. O dinheiro compra um parceiro - ou parceira - belo, mas não a beleza para si. Assim, o pólo se inverteu pelo fim da ingenuidade. Porém, as peças continuam as mesmas. O que interessa mesmo são beleza e dinheiro

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

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O verdadeiro amor nunca se desgasta. Quanto mais se dá mais se tem!
- Antoine de Saint-Exupéry -

Amém!


Onde bate o coração de Eloá?


O órgão da garota de 15 anos sequestrada e morta em 2008 pulsa no peito da paraense Maria Augusta

                                                                                                                      CRISTIANE SEGATTO


LIBERDADE Maria Augusta caminha na Avenida Paulista. Até os 39 anos, precisava ser carregada. O coração jovem e saudável de Eloá lhe deu  vida e independência (Foto: Marcelo Min/Fotogarrafa/ÉPOCA)
Oitenta batimentos por minuto. Às vezes, 90. Raramente, 120. Nessa frequência e sem grandes sobressaltos, bate atualmente o coração de Eloá Cristina Pimentel, morta em 2008 pelo ex-namorado Lindemberg Alves –condenado nesta quinta-feira (16) a 98 anos e dez meses de prisão pelo assassinato, por tê-la mantido em cativeiro por mais de 100 horas em Santo André, no ABC paulista, e por outras dez acusações. O músculo cardíaco jovem e vigoroso, doado pela família da garota, deu à tecelã paraense Maria Augusta Silva dos Anjos, de 42 anos, a liberdade que ela não conhecia.
Nunca, em quase quatro décadas marcadas por uma grave doença congênita no coração, Maria Augusta soube o que era andar, sem ajuda, sem rumo, por onde bem entendesse. Hoje vence com facilidade os 63 degraus que separam a porta de seu apartamento modesto, num prédio de três andares sem elevador, da calçada de uma das mais movimentadas ruas dos Jardins, em São Paulo.
Desce e sobe aquelas escadas várias vezes ao dia. É um acontecimento. Com mais 219 passos largos chega à Avenida Paulista. De lá, se enfia no metrô sozinha e percorre sete estações até se misturar à multidão da Rua 25 de Março, o paraíso do comércio popular paulistano. É um novo habitat para a paraense que cresceu retraída e isolada por força das circunstâncias. Até os 15 anos, viveu na Ilha de Marajó. Ia à escola carregada nos braços pelos adultos e escoltada pela irmã Adriana, dois anos mais nova. Os colegas se assustavam com a menina de dedos inchados, unhas e lábios roxos, que sofria desmaios frequentes. Alguns diziam que a doença era contagiosa e aconselhavam os demais a manter distância. “Hoje, dizem que isso é bullying. Eu chamava de rejeição. Vivia sorrindo para não preocupar ainda mais minha família, mas no fundo era uma menina triste.”
No Pará, Maria Augusta foi desenganada por vários médicos. Até que um deles decidiu procurar a ajuda dos colegas do Hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo. Quando o drama de Eloá mobilizou o Brasil, Maria Augusta aguardava um coração na fila de transplante havia dois anos e três meses. Passava os dias trancada no apartamento. Não conseguia sequer tomar banho sozinha. Quando precisava sair para tomar um pouco de ar, era carregada nos braços pelo cearense Stênio Garcia Alves de Lima (então namorado e hoje marido). “Minha família toda acompanhava pela TV o sofrimento da Eloá e orava por ela”, diz Maria Augusta. “Nunca imaginei que aquilo terminaria em morte, muito menos que os órgãos seriam doados e eu beneficiada.”
Sinto tristeza e felicidade ao mesmo tempo. Não sei o que pensar  "
MARIA AUGUSTA SILVA DOS ANJOS, TECELÃ
No dia em que Eloá morreu, Maria Augusta ocupava a terceira posição na lista do hospital. O órgão não era compatível com os dois primeiros. Maria Augusta foi chamada e preparada para o transplante. Quando a cirurgia acabou, era a manhã de seu aniversário de 39 anos. A repercussão do caso impediu que a regra do anonimato nas doações fosse seguida. Maria Augusta agradeceu. O desejo dela sempre foi conhecer a família de seu eventual doador. Foi assim que ela e Ana Cristina Pimentel da Silva, mãe de Eloá, se aproximaram. “Ela sempre me abraçou com um carinho forte, especial”, diz. As duas famílias se encontraram várias vezes. Maria Augusta passou um fim de semana na casa da mãe de Eloá. Ana Cristina foi hospedada no Pará pelos pais de Maria Augusta. Na semana passada, quando as notícias sobre o julgamento de Lindemberg tornaram vívida a lembrança de Eloá, Maria Augusta teve vontade de telefonar para Ana Cristina. Desistiu – para não ser inconveniente e, principalmente, por não saber o que dizer.
Quando estão a sós, Stênio desafia a mulher a solucionar uma questão que mobiliza filósofos, especialistas em bioética, médicos, psicólogos, religiosos e quem mais tiver sangue correndo nas veias e neurônios fervilhando na cabeça:
– Preta, o que você sente quando vê as imagens da Eloá nesse desespero e sabe que é o coração dela que está batendo em seu peito?
Maria Augusta responde sem a pretensão de encerrar o assunto ou de dar uma resposta definitiva. Seus sentimentos são dúbios. “Sinto muita tristeza por ela e, ao mesmo tempo, uma grande felicidade por estar vivendo tão bem. Se não fosse aquele sequestro, provavelmente eu estaria morta. Não sei o que pensar. É um dilema que não consigo resolver.”
No prediozinho da região da Paulista, ocupado basicamente por migrantes que, como Stênio, trabalham num restaurante, todos têm curiosidade pela história de Maria Augusta. “Ficam intrigados, querem saber se minha personalidade mudou.” Ela diz que é a mesma, mas a motivação para se cuidar é outra. Agora, procura se vestir com peças da moda e realça, com mechas douradas, o brilho dos cabelos de marajoara.
“Maria Augusta reviveu. As avaliações cardiológicas e as biópsias do músculo cardíaco demonstram que o estado de saúde dela é excelente”, diz o cardiologista Antonio Alceu dos Santos, do Hospital Beneficência Portuguesa. O único sinal evidente de que, graças a Eloá, Maria Augusta pôde começar de novo é a cicatriz vertical entre os seios. A ponta superior do corte escapa do decote. Ela não se preocupa em escondê-lo. Por aqueles 10 centímetros, entraram a esperança e a energia juvenil de quem tudo pode. “Agora quero aprender a nadar e a andar de bicicleta.”

As Controladoras


As Controladoras

:: Flávio Gikovate :: 

Elas querem saber onde estão seus companheiros e o que seus filhos fazem a esta hora ainda fora de casa, preocupam-se excessivamente com a saúde dos seus pais e de outros parentes queridos. As mulheres controladoras temem que qualquer titubeio ou desatenção traga conseqüências desastrosas. Acreditam que as coisas estão calmas graças ao empenho que têm em se concentrar o tempo todo nelas. Sabem que gastam enorme energia nesse esforço, mas acham que seu sacrifício é responsável pela conquista de longos períodos de concórdia e bem-estar.

Essa tendência não é exclusividade das mulheres, mas vou refletir sobre a questão, aqui, considerando apenas o aspecto feminino. Mulheres controladoras tendem a ser muito ciumentas em relação aos seus maridos. À noite, fazem aquelas perguntas aparentemente sem importância, mas que expressam um desejo enorme de saber exatamente por onde andaram esses homens - que, segundo elas, estão sempre dispostos a viver aventuras românticas e eróticas. São possessivas também com os filhos, que tentam manter sob suas asas.

Diante de qualquer suspeita de que algo escapou do controle, entram imediatamente em pânico. Experimentam um desespero brutal ao imaginar seus maridos com outras mulheres e terríveis desastres envolvendo seus filhos. Tudo isso acontece sempre que algum deles se atrasa uns poucos minutos. Suas mentes são catastróficas e pessimistas.

A verdade é que não sabemos nada do que realmente importa. Não sabemos de onde viemos, para onde vamos, por quanto tempo estaremos aqui na terra, nem quais as coisas boas e más que ainda estão para acontecer. Nem todos toleram bem essa falta de respostas. Aliás, aprender a lidar com a incerteza em torno da nossa condição é fundamental para que consigamos viver de forma mais feliz. Quem aceita isso sabe que o futuro é desconhecido e o compara a um jogo, como se estivéssemos em um grande cassino onde, todos os dias, podemos ganhar ou perder.

Pessoas que não suportam a idéia da incerteza vivem em um estado de permanente ameaça, a um passo do pânico e do desespero. São criaturas frágeis, pois não se sentem com força para suportar as frustrações e decepções que a vida pode nos impor a qualquer momento. Vivem eternamente preparadas para o pior. Como não podem se assegurar de que as coisas vão dar certo, optam pela certeza de que vão dar errado. E essa certeza nós conseguimos ter, uma vez que induzimos os fatos na direção negativa com muito mais facilidade do que na positiva. Por exemplo, a mulher que teme ser abandonada por um homem poderá se comportar de modo tão desagradável e destrutivo que irá contribuir para que seu pesadelo vire realidade.

É difícil conviver com mulheres tão negativas. Ainda que nem sempre seja sua intenção, elas exercem controle total sobre aqueles que lhe são caros. Transformam-se em tiranas, em criaturas que tentam mandar em tudo e em todos, sempre com o intuito de impedir as desgraças. Aborrecem aqueles que mais amam, além de tornar suas próprias vidas miseráveis. E, pior do que tudo, não conseguem impedir tragédia alguma. A única saída é aceitar a vida como ela é!!!!

Vaidade, agressividade e inveja


Vaidade, agressividade e inveja
:: Flávio Gikovate :: 

Estamos tratando de um dos aspectos mais intrigantes da nossa condição: nascemos diferentes uns dos outros e vivemos numa sociedade onde, inexoravelmente, algumas propriedades serão mais valorizadas do que outras. Os critérios de beleza poderão variar de uma sociedade para a outra, de uma época para a outra. Porém, sempre algumas pessoas serão tidas como mais belas; e elas sempre serão poucas, visto que o que é menos freqüente chama mais a atenção. A inteligência sempre será valorizada e, quando especial, criará facilidades para a vida prática de seus portadores. O mesmo vale para o vigor físico, para dotes artísticos especiais, para a facilidade no trato com as pessoas etc.

Mesmo em um contexto ideal, no qual a competição não seja estimulada e seja até mesmo desencorajada, penso que a questão da comparação das pessoas entre si tenderia a ocorrer, gerando desconforto e humilhação em algumas das que se sentissem menos favorecidas. Acredito que, num ambiente não competitivo, muitas pessoas não se sentiriam tão prejudicadas por não serem portadoras de prendas excepcionais (o oposto do que acontece em sociedades como a nossa de hoje, onde a ambição, mesmo desmedida, é tida como virtude). Talvez fosse possível observar mais atentamente até mesmo o lado negativo daquilo que é muito valorizado: mulheres muito bonitas se acostumam a chamar a atenção por esta via e, com freqüência, se tornam displicentes no cultivo de outras prendas. Mas a vida é longa, a beleza é efêmera e talvez tenham uma maturidade e velhice mais sofridas do que aquelas que nunca apostaram muito em sua aparência física. Este é apenas um exemplo, mas poderia ser estendido para outras propriedades muito valorizadas.

Ainda que em menor intensidade e envolvendo um menor número de indivíduos, é provável que algumas pessoas se sentissem prejudicadas pelo fato de não terem sido as eleitas para serem portadoras de tantas prendas. Ao se compararem, sentirão a dor típica da ofensa à vaidade que é a humilhação. Sentir-se-ão agredidas pela simples presença daquelas virtudes no interlocutor. Reagirão com a agressividade típica deste tipo de mecanismo que chamamos de inveja: farão algum comentário depreciativo, desprezando justamente aquilo que gostariam de ter; farão com humor para disfarçar a sensação de inferioridade que está embutida em toda ação invejosa.
A AGRESSIVIDADE SUTIL DIRIGIDA CONTRA PESSOAS, QUE NADA FIZERAM A NÃO SER EXISTIREM E SEREM COMO SÃO, É A MARCA REGISTRADA DA INVEJA.

Penso que é quase impossível que a inveja não exista. As pessoas teriam que ter a docilidade de aceitar sua condição sem nenhum tipo de frustração. Teriam que viver numa sociedade que não privilegiasse virtudes excepcionais e sim as de caráter democrático, acessíveis a todo o mundo. Teriam que, ao se comparar com as outras pessoas, não construir uma hierarquia: teriam que se reconhecer como diferentes e não como superiores ou inferiores. Este seria o mundo ideal, onde as pessoas seriam amigas e solidárias: estamos mais próximos do fim dos tempos do que dele.

O que não tem o menor sentido é atuarmos, consciente e deliberadamente, no sentido inverso, na direção de estimularmos a vaidade, a competição e, portanto, a rivalidade e a hostilidade entre as pessoas. Não sei se todas as pessoas são plenamente conscientes, de modo que vale o alerta: não se trata de um caminho obrigatório, pois não somos assim escravos da nossa biologia. Podemos amenizar ou estimular uma dada predisposição que faça parte de nossa natureza. Estamos no sentido inverso, transformando as pessoas em inimigos, rivais. As pessoas estão cada vez mais solitárias e desamparadas. Quanto mais fracas emocionalmente estiverem, mais serão escravas das felicidades aristocráticas, por meio das quais se sentem momentaneamente importantes. O círculo vicioso que estamos vivendo é terrível e já temos claros sinais de para onde é que estamos nos dirigindo.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A diferença entre o olhar e o ver


A diferença entre o olhar e o ver 
:: Luís Vasconcellos :: 

Para que exista uma obra de arte, uma escultura, por exemplo, são necessários o artista, a concepção do artista, uma habilidade desenvolvida pelo artista, um material moldável e ferramentas apropriadas. De que serviria tudo isto sem um observador congruente com a tarefa de ver?

Da idéia até a escultura (ou obra finalizada), várias fases são cumpridas e elas não são evidentes no trabalho realizado. Contudo, sem a matéria inerte, a pedra ou rocha, sem a idéia, sem o artista, sem as ferramentas corretas, nada aconteceria e não teríamos o que admirar com nossos olhos. Estes são, ao mesmo tempo, nosso veículo para olhar, mas só realmente vê aquele que consegue perceber a idéia do artista, sua humanidade, personalidade, maturidade, sensibilidade, a natureza peculiar da rocha (ou qualquer outro material, como a madeira) e, quem sabe, até os efeitos destas ou daquelas ferramentas usadas. Olhar depende dos olhos, mas o ver depende da consciência.

O que ficaria apenas implícito é revelado para quem tem o conteúdo da EXPERIÊNCIA INDIVIDUAL a lhe compor a visão da totalidade da obra ao invés de sucumbir às ilusões imaginativas de um simples olhar.
Quem ainda não tira frutos de sua experiência para ver o que olha, não consegue compor um todo inteligível e compreensível, nem colocar em uma perspectiva mais ampla aquilo que está percebendo.

Quem sucumbe unicamente ao impacto sensório e emocional da obra, fica sem ver os demais conteúdos ali implícitos, porém, passíveis de serem vistos.
Enquanto a consciência se desenvolve em nós, o passo mais importante é dar-se conta de que existe um foco e um ponto de vista, sempre... Invariavelmente. E não há saída para isto. A saída, se é que merece este nome, é tomarmos consciência de que introduzimos um foco em tudo que percebemos e isto é eleito, de algum modo, por nós mesmos. Essa é a subjetividade inerente à percepção. Não existe observador que não esteja entrando com seus interesses, seus desejos, suas intenções, sua intencionalidade - e assim por diante – em tudo que ele percebe. Chamamos a isto intencionalidade e projeção.

Nada indica que estes dois (a existência do foco e do ponto vista) vão mudar, mas alguma coisa muda quando nos damos conta de suas características e usos. O foco da visão é um problema terrível, pois quando usamos um foco, seja qual for, ao olhar discriminamos tudo que é pertinente ao foco e o que não é pertinente simplesmente é descartado e fica fora da atenção egóica. Podemos exemplificar com a presença, em nossas imaginação, de um homem teoricamente maduro que só vê o trabalho na sua frente (este é o seu foco) e que não percebe nem dá relevância à esposa, aos filhos, ao seu laser, ao seu repouso, às outras pessoas em geral... Para ele, só existem o trabalho e o dinheiro, a busca de poder, a competividade e seus desafios. O resto, tudo aquilo que não está em seu foco, simplesmente não existe. Significa simplesmente o restolho de sua perspectiva bem focada e é eliminado das suas considerações sumariamente, pois não tem a mesma importância nem está no centro de sua atenção egóica...

Para efeito de compensação e complementação entre as polaridades feminina e masculina, vejamos também em nossa imaginação uma mulher para quem só existe (em seu foco) o relacionamento com um homem, sua casa, família, filhos e para além deste foco, existe o resto, que é igualmente descartado: os maridos das outras, os filhos das outras, seus desejos mais pessoais, sua sempre adiada independência, seu direito à liberdade, seu sonho de uma carreira profissional etc..
Em ambos os exemplos aqui imaginados, encontramos pessoas típicas, muitas vezes formando casais que mutuamente se compensam, mas pessoas que estão, por assim dizer, pela metade, funcionando apenas parcialmente e longe de atingirem a porção de totalidade que suas consciências lhes permitiria, se ao menos tentassem buscar desenvolvê-las.

Quem vê, vai além daquilo que é percebido pelo olhar. Mas, muitos que acreditam estar VENDO e não apenas olhando, também sucumbem à tendência para a análise e à crítica, que levam finalmente ao julgamento, pondo em desuso o dom da compreensão e afastando igualmente a visão humanitária a ela associada. Sem estes componentes sensíveis e de polaridade feminina a percepção é igualmente a de quem olha (porém, de modo ainda mais diferenciado e especializado), mas não a de quem vê. Não por acaso, quem apenas olha é seletivo, excludente, discriminativo e judicativo.
Os desafios para que a consciência se instale em nós são sempre surpreendentes... O homem consciente não sucumbe às ilusões, nem às mais evidentes e, menos ainda, às mais sutis e camufladas por influências do ego, interesses, desejos, preferências, pré-julgamentos, preconceitos etc.. A consciência aponta para o ver, assim como a percepção egóica aponta para o olhar.

A percepção pode ser limpa dos interesses e julgamentos egóicos, mas isso exige trabalho do percebedor, especialmente para limpar sua percepção, tomando consciência de si mesmo... Fazendo-se perguntas do tipo: Por que eu sempre elejo certos aspectos da realidade para perceber? Por que sempre dou mais importância ao negativo do que ao positivo? Por que insisto em querer perceber só o que me interessa sem dar conta de perceber o que interessa aos outros? Por que imagino sempre o que os outros vão dizer antes de ouvi-los? Por que estou sempre antecipando as ocorrências em função daquilo que prefiro e desejo?
Quem tem medo de ser assaltado vê assaltantes por todos os lados o tempo inteiro... Quem vê ameaças em tudo enxerga ameaças por todo o lado todo o tempo. Quem está preso a experiências dolorosas do passado (frustrações, dores, decepções) fica esperando viver de novo tudo que antes doeu e foi sofrido. Nada disso tem a ver com a realidade. São apenas exemplos de como nossa percepção é suja e nosso foco sujeito a interferências terríveis de fatores emocionais, em especial aqueles de que nem temos consciência.

O que dizer do ciumento e inseguro que percebe traição e mentira em tudo, todo o tempo, sempre à procura de um motivo real para instalar sua desconfiança e destruir, uma vez mais, o relacionamento? E o que de realidade pode existir no que um ciumento típico enxerga no outro?
Todos nos servimos de várias espécies de filtros que nos dão a visão daquilo que eles filtraram... Chamamos ao que olhamos - já filtrado - de realidade...
Qualquer um de nós pode ter tido a experiência de acordar de uma espécie de transe e notar que aquilo que pensou estar lá na realidade era apenas seu desejo, seu interesse, sua expectativa.

Quem pode acreditar que está tendo uma legítima intuição quando está ainda sujando sua percepção da realidade com desejos, interesses, preconceitos de toda ordem, intenções nem sempre louváveis, expectativas pessoais de todo tipo?
Quem pode dar crédito a um presságio inconsciente se está sempre pensando, julgando, condenando, prevendo, desejando e interferindo em tudo e em todos, todo o sempre?

Quem faz o trabalho de limpar sua percepção vai se dar conta do quanto interfere –a partir de suas características pessoais– naquilo que percebe. Boa parte do trabalho terapêutico em consultório consiste de fazer a pessoa perceber o quanto ela própria interfere na sua realidade através de seus pessoais pontos de vista, através de seu foco, através de sua arbitrariedade e intencionalidade. Dar-se conta disto não vai eliminar o problema, pois nos projetamos todo o tempo em tudo, mas uma pessoa muda muito ao descobrir que componentes estão em seu filtro percebedor, que tendências ela tem embutidas no tipo e qualidade de seu foco, que aspectos da realidade ela elege para perceber e que aspectos (da realidade ou da vida) ela, ao contrário, teima em ignorar ou evitar.

Faz muita diferença na nossa vida tomarmos consciência de nossa subjetividade, pois a realidade está lá e cada um de nós não a vê igualmente.
A consciência pode muito e quem sabe relativizar seus pontos de vista, sua perspectiva pessoal e individual acaba descobrindo um mundo inteiro de possibilidades e alternativas onde antes só havia rotina, repetição e uma realidade correspondentemente chata. Essa expansão da consciência se alimenta de aspectos impessoais e femininos de nossos seres, como a capacidade de fazer silêncio (em especial em nosso íntimo), a flexibilidade, a abertura para o inesperado e o novo; a facilidade para adaptar-se, mudar e evoluir, a capacidade de relativizar seus pontos de vista, valores e crenças individuais duvidando um pouco de suas certezas e abandonando suas posturas rígidas.
A consciência de nós mesmos nos ensina também sobre os outros e sobre o mundo impessoal do não-eu, do desconhecido e, quem sabe, até do inimaginável, abrindo um universo que antes o ego consciente não imaginava existir.

Uma vez eu disse -em outro contexto- e agora repito: ainda bem que sonhamos o impensável! Ainda bem que o inconsciente é passado, presente, mas também futuro..

Adolescência, erotismo e drogas

:: Flávio Gikovate :: 

- Ao fazer uso de drogas, o jovem pode estar buscando vários tipos de gratificação: desafiar os pais, exibir-se para a turma e mostrar-se diferente, adulto.

Temos duas tendências antagônicas: uma, na direção da integração e do aconchego que ela provoca. Outra, na direção da individualidade e do prazer de se sentir especial. A tendência para a integração corresponde aos nossos desejos amorosos, à nossa vontade de atenuar a sensação de desamparo, com o calor que a intimidade com determinadas pessoas nos provoca. Este lado é o que predomina durante os anos da infância. A criança gosta muito mais de se sentir igual e bem aceita do que se sentir especial e destacada. Ela não gosta de ser a mais pobre de sua classe, mas também não gosta de ser a mais rica! Não quer ser a mais baixa nem a mais alta. Para ela, o fundamental é sem bem acolhida, amada. Ser diferente da média poderá impedir que ela atinja esse objetivo.

Com a chegada da puberdade, a situação se inverte. Um dos ingredientes mais importantes da nossa sexualidade adulta é a vaidade. A vaidade corresponde a um forte prazer erótico ligado ao destacar-se, ao chamar a atenção e atrair olhares de admiração e desejo. É evidente que alguém só chama a atenção se tiver algumas características diferentes das outras pessoas. Destacar-se é o oposto de integrar-se. O desejo de ser uma criatura especial e única, passa a ser predominante durante os primeiros anos da adolescência. Isso, juntamente com os impulsos agressivos contra a família, explica a tendência para condutas extravagantes durante esses anos. Ser diferente da média incomoda aos pais e também faz com que o jovem se sinta especial e rico em erotismo – próprio da vaidade.

Na realidade, o desejo de se destacar não faz com que desapareça a outra tendência – a de integração. O que acontece é que passamos a conviver com as duas. E isso deve ser o motivo principal pelo qual somos tão freqüentemente tensionados por dois pontos de vista – ou duas vontades – antagônicos. Queremos o aconchego do amor e o erotismo do destaque. Na adolescência, os jovens lutam para se tornar independentes – coisa que fará bem à vaidade –, mas não podem negar que estão despreparados para isso. Encontram uma solução interessante: tornam-se independentes de suas famílias e se envolvem mais intensamente com o grupo de jovens com o qual convivem. Radicalizam suas posições em relação à família e se integram ao grupo, passando a se comportar segundo suas regras. Tornam-se diferentes, mas iguais aos membros da turma!

Os jovens se interessam por experimentar todo o tipo de droga, entre outras razões, porque elas são proibidas e censuradas por suas famílias. A necessidade de ir contra estes padrões é enorme. Mas são curiosos e querem saber tudo a respeito da vida dos adultos, condição a que estão chegando agora. Sentem também os agradáveis calafrios da vaidade quando já são olhados como adultos, como criaturas independentes. E este último ingrediente é extremamente importante para que experimentem as drogas e até mesmo se esforcem por gostar delas. Isso acontece não apenas com a maconha e a cocaína, proibidas, mas também com o cigarro e o álcool. Todo o ritual do uso grupal dessas drogas mostra a dependência que os jovens têm da turma. Além do fato, importantíssimo, de que um dos objetivos dessas atividades é exibir-se para o grupo como alguém capaz de condutas de adulto.

O cigarro é um exemplo adequado para o que estou pretendendo demonstrar. A iniciação nem sempre é fácil, pois os brônquios rejeitam a fumaça inalada. É necessário esforço e determinação para vencer a tosse, a náusea e a tontura que o cigarro provoca nas pessoas não acostumadas a ele. Mas, se um rapaz for capaz de ultrapassar esses obstáculos, passará a se sentir como uma pessoa mais adulta. Achará que com ele acontece a mesma coisa que vê nas propagandas: as garotas notam sua presença de uma forma mais marcante! Ele é visto como um homem. E um homem muito especial, pois fuma a marca tal, própria dos mais nobres. O simples ato de colocar o maço de cigarros no bolso provoca uma sensação erótica. O indivíduo já se sente mais forte, mais bacana e com maiores chances de sucesso nas suas empreitadas, em geral, e nas investidas eróticas, em particular. As moças, por seu lado, também se sentem encantadas pelo ato de fumar. Para elas, trata-se de um símbolo de independência e de ousadia. Um símbolo de emancipação sexual! A mulher que fuma marca tal é livre e desperta desejos irresistíveis nos homens.

Felizmente já estamos avançando em relação à questão do cigarro. Cada vez mais é cafona ser fumante, e isto tira o erotismo desse vício. Mas tomar determinados aperitivos ainda é muito charmoso. O mesmo acontece, de forma mais reservada, com a maconha e a cocaína. Com tamanho reforço do nosso lado erótico, é fácil compreender porque a tendência para o vício é tão forte

Autoconhecimento


Autoconhecimento 
:: Elisabeth Cavalcante :: 

O autoconhecimento é um processo lento que pede, antes de tudo, confiança. A espera necessária para alcançar aquilo que buscamos - uma profunda consciência acerca de quem, de fato, somos - só será suportada se existir dentro de nós a confiança de que a semente inevitavelmente germinará.

Se não estivermos preenchidos por essa certeza, nenhum resultado poderá ser obtido e desistiremos diante do primeiro obstáculo que surgir. E eles serão muitos, pois a mente nos coloca inúmeras armadilhas para nos convencer de que viver sob seu domínio é a única forma de existência possível.

A confiança, porém, não pode vir acompanhada de ansiedade ou expectativa, porque estas constituem os principais entraves para um estado de relaxamento e paz. Aqueles que já se encontram nesse caminho, sabem que ao invés de ansiar pelo resultado final, devemos usufruir de cada instante que vivermos durante essa jornada, pois ela em si já se constitui numa grande bênção.

Se focarmos nossa energia na ânsia por obter algum resultado, certamente deixaremos de enxergar os momentos preciosos que a vida vai colocando em nosso caminho. A serenidade e a alegria são os principais critérios para sabermos se estamos de fato no caminho de volta para nosso verdadeiro ser.

Quanto mais preenchidos por estes sentimentos nos mantivermos, mais perto estaremos da fonte original de onde eles emanam: o divino, a dimensão onde o ego e a mente perderam todo o poder e somente a consciência de uma profunda união com tudo o que existe permanece.

Da observação à não-mente

... Uma vez que um homem esteja em um estado de não-mente, nada pode desviá-lo de seu ser. Não há poder algum maior que o da não-mente. Nenhum mal pode ser feito a tal pessoa.

Nenhum apego, nenhuma cobiça, nenhuma inveja, nenhuma raiva, nada pode surgir nele. A não-mente é absolutamente um céu puro, sem qualquer nuvem. 

Existe uma lei intrínseca: pensamentos não têm vida própria. Eles são parasitas; eles vivem na sua identificação com eles. Quando você diz, 'eu estou com raiva', você está despejando energia vital na raiva, porque você está ficando identificado com ela. 

Mas quando você diz: 'eu estou observando a imagem da raiva na tela da mente dentro de mim', você não está mais dando qualquer vida, qualquer alimento, qualquer energia à raiva. Você será capaz de vê-la porque você não está identificado, a raiva é absolutamente impotente, não tem qualquer impacto sobre você, não muda você, não afeta você. Ela é absolutamente oca e morta. Ela passará e deixará o céu limpo e a tela da mente vazia.

... E uma vez que você começa a se mover no caminho certo, o seu êxtase, as suas belas experiências vão se tornar mais e mais profundas, mais e mais amplas, com novas nuances, novas flores, novas fragrâncias.

... Esses são os caminhos e o critério de como escolher: se você se move em algum caminho, usa alguma metodologia e isso lhe traz alegria, mais sensitividade, torna-o mais observador e lhe dá uma sensação de imenso bem estar, esse é o único critério de que você está indo no caminho certo. Se você estiver se tornando mais miserável, mais raivoso, mais egoísta, mais ambicioso, mais luxurioso, estas são as indicações de que você está se movendo num caminho errado.

No caminho certo, a sua felicidade irá crescer dia após dia e suas experiências de belas sensações irão tornar-se tremendamente psicodélicas, muito coloridas, com cores que você nunca viu no mundo, com fragrâncias que você nunca experimentou. Então, você poderá seguir no caminho sem qualquer medo de que possa estar indo errado...

... A meditação com certeza leva à não-mente, assim como todo rio se move em direção ao mar, sem qualquer mapa, sem qualquer guia. Todo rio, sem exceção, finalmente, alcança o oceano. Toda meditação, sem exceção, finalmente, alcança o estado de não-mente.

... Não-mente é uma palavra simples, mas ela significa exatamente iluminação, liberação, liberdade de todas as escravidões, experiência de imortalidade.

Essas são palavras grandiosas e eu não quero que você fique assustado, por isso eu uso uma palavra simples, não-mente. Você conhece a mente... e você consegue conceber um estado em que essa mente esteja sem funcionamento. 

Uma vez que esta mente esteja sem funcionamento, você se torna parte da mente do cosmos, da mente universal. Quando você é parte da mente universal, a sua mente individual funciona como uma bela serviçal. Ela terá reconhecido a mestra e ela trará novidades da mente universal para aqueles que ainda estão presos à mente individual.

Quando eu estou falando para vocês, é na verdade o universo que está me usando. As minhas palavras não são minhas palavras, elas pertencem à verdade universal. Esse é o poder, o carisma e a magia delas."

OSHO - Satyam, Shivam, Sundram - tradução: Sw.Bodhi Champak

Olha aí...


terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Mas eu também sou "dono de casa"!


POR RAPHAEL TSAVKKO /  BULA REVISTA.

Sempre que vejo propagandas de eletrodomésticos, de produtos para casa, como de sabão em pó, por exemplo, me revolto pela presença quase que exclusiva da mulher no ambiente do lar e por elas serem sempre o alvo único e inconteste de todo e qualquer produto.
É ela quem lava os pratos, quem lava e passa as roupas, faz a comida... Enfim, tudo relacionado à casa é a mulher quem faz, enquanto cuida dos filhos e, claro, dos maridos, quase sempre inúteis já que, afinal, "trabalham". 
Isso quando as propagandas não beiram o absurdo (ou mesmo ultrapassam), com homens absolutamente tapados e incapazes que não conseguem sequer trocar aquela pedrinha que dá cheiro e supostamente limpa a privada. É preciso gritar para a "desocupada" que "apenas" cuida da casa para que tudo se resolva. A incapacidade do homem é gritante. E ofensiva.
Eles chegam em casa do trabalho e encontram mulheres "donas do lar" que, além de tudo, preparam seu jantar e o das crianças, sempre com um sorriso no rosto,  com cheirinho "especial" na casa, roupa lavada...
O homem é o rei da casa e a mulher é sua escrava sorridente... As crianças? São lá só pra fazer figuração, servir de gancho para a propaganda ou só para atrapalhar mesmo.
Algumas propagandas mais "avançadas" ainda mostram a mulher "ativa", trabalhando, saindo, não apenas a dona de casa modelo (dos anos 50). Mas, claro, além deste trabalho, a eterna jornada dupla no lar. Enquanto isso, o marido (aliás, porque normalmente são sempre casadas? Raras são as independentes, solteiras, que namoram e etc), claro, não faz nada.
Não importa qual seja a empresa, qual seja o tipo de produto: Dentro de casa, a mulher é quem trabalha. Uma realeza invertida, onde a "rainha" é quem efetivamente se desdobra em mil funções.
Nada há de errado em ser "dona do lar", ou melhor, em cuidar da casa, o problema é quando esta vira a ocupação exclusiva e razão de vida, como se nada mais existisse. E quando o homem é retratado como um inútil que não ajuda em nada, mas apenas se beneficia da labuta da mulher.
Ambos, homem e mulher são retratados de forma estereotipada, caricata e, enfim, desonesta.
A minha intenção com esse texto, na verdade, parte de um ponto de vista puramente "masculino" e sem intenção de ser feminista — ainda que eu apoie as bandeiras feministas e suas reclamações e reivindicações. É a perspectiva de quem também é "dono de casa", de quem também lava roupas, as guarda, arruma a cama, limpa a casa, lava os pratos, faz comida...
Na verdade, na minha casa, a maior parte do trabalho doméstico é feito por mim, que passo a maior parte do dia em casa estudando enquanto minha namorada trabalha fora e costuma cozinhar nos fins-de-semana (com minha ajuda, aliás).
Mas o serviço de casa sou eu quem faz e não me sinto contemplado pelas propagandas, muito pelo contrário!
Ao mesmo tempo em que há um claro preconceito contra a mulher, há também o preconceito contra o homem, porque este, em teoria,  não deveria fazer nenhum trabalho doméstico, logo, aquele que faz está "errado" dentro da concepção propagandística da mídia patriarcalista.
Sendo mais claro, o homem deve exclusivamente "trabalhar" e sustentar a casa. Não deve/pode fazer nenhum tipo de trabalho em casa, no máximo cozinhar naquela data especial a fim de conquistar a mulher ou de manter alguma "chama" acesa. Nada de preparar o almoço pra mulher e pras crianças, a intenção é puramente sexual. O macho alfa conquistador que cozinha para mostrar sua superioridade. 
Mas os pratos ficam pra mulher lavar, no dia seguinte.
Em todos os outros momentos, a casa pertence (sic) à mulher. Ela cuida dos filhos, ela prepara as refeições, lava, passa...
Não é agradável ser "ensinado" pela TV que quem deve limpar a casa, cozinhar, lavar e passar é unicamente a mulher e, ao mesmo tempo, é terrível ver que tudo é feito supostamente pensado nelas. 
Oras, mas o homem que cuida da casa não tem vez? Não tem espaço?
Somos cidadãos de segunda classe? Alienígenas que deveríamos ter uma Amélia para fazer tudo enquanto coçamos vendo futebol e tomando cerveja (outro "estereótipo midiático" a que somos submetidos)?
Não!
Nós também somos donos de casa, também queremos ser contemplados pelas empresas que vendem sabão em pó, também queremos ver homens lavando os pratos e não para ganhar sexo como agradecimento por supostamente ter feito um trabalho que não é nosso, mas porque simplesmente dividimos as tarefas do lar ou, em outros casos, porque somos solteiros, pais solteiros ou mesmo porque existem casais gays em que, obviamente, não há nenhuma mulher para fazer o serviço doméstico!
Ao mesmo tempo em que há um descarado preconceito contra o papel da mulher na sociedade— é a eterna dona de casa que, mesmo trabalhando fora tem o dever de acumular funções — há também um preconceito contra o papel do homem que não se sente (e não é) contemplado nas propagandas.
E isto precisa mudar, urgentemente, sob qualquer ponto de vista ou perspectiva, seja ela feminista ou não.

Então vem...


A cilada dos falsos light


Por que pizza de massa grossa, nhoque de batata e pudim de leite engordam menos que certas saladinhas

por Cristiane Segatto / Revista Época

O casal chega ao restaurante, olha o cardápio e pergunta se um prato é suficiente para duas pessoas. O garçom dá a resposta clássica: “Depende do tamanho da fome”. Quando ouviu isso, Antonio Herbert Lancha Jr, professor de Nutrição Aplicada à Atividade Física na Universidade de São Paulo, enxergou mais uma razão para caprichar no livro que estava escrevendo.
Fuja das dietas aprendendo a comer: escolha isso, não aquilo, um lançamento da Editora Manole (202 páginas, R$ 68), deve muito aos cidadãos anônimos observados em restaurantes e praças de alimentação por Lancha Jr, a mulher dele (a nutricionista Luciana Oquendo Pereira Lancha) e outros colegas. 
O erro do garçom é também o da maioria dos clientes. “Precisamos pedir o prato de acordo com nossa necessidade de energia e de prazer – e não pelo tamanho da fome”, diz Lancha Jr. “Se a pessoa passou muitas horas sem comer nada (o que já é um erro), deve pedir uma torrada quando chegar ao restaurante”. Depois de aplacar a ansiedade e melhorar o humor, aí sim poderá fazer uma escolha mais saudável – sem restrições malucas e sem abrir mão do prazer. 
Os autores partiram de comportamentos corriqueiros e mitos sobre alimentação saudável divulgados à exaustão na internet para criar um livro útil e cheio de comparações surpreendentes. 
O primeiro deles: quem escolhe uma salada Caesar porque não quer engordar faria melhor negócio se pedisse um nhoque ao sugo. A salada de alface e frango grelhado leva também molho cremoso e porções generosas de queijo parmesão. Um prato costuma ter 329 kcal e 16 gramas de gordura. Quatro colheres de nhoque de batata com uma concha de molho (sem queijo ralado) contêm menos calorias (213 kcal) e gorduras (3 gramas). Bom saber disso, não é?
O livro, parecido com o guia americano Eat this, Not that!, de David Zinczenko, traz muito mais. Compara 106 pratos da cozinha internacional consumidos no Brasil, sobremesas e itens vendidos em cafeterias. Fica fácil identificar as melhores escolhas em qualquer ocasião e em qualquer tipo de restaurante (italiano, japonês, português, indiano etc).
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Antecipo na coluna de algumas dessas comparações antes que o livro chegue às livrarias (leia o quadro abaixo). Você sabia que uma fatia de pudim de leite é uma opção mais interessante que um naco de Romeu e Julieta?
“Quem acha que se alimenta bem e se preocupa com a saúde e a boa forma costuma errar em pequenos detalhes”, diz Lancha Jr. Um erro corriqueiro é escolher pizza de massa fina. O que torna a pizza engordativa é a grande quantidade de gordura presente no recheio. 
Ao escolher a massa fina precisamos de vários pedaços para nos sentir satisfeitos. Por causa disso, ingerimos mais gordura. Com a massa mais grossa, comemos menos fatias. Logo, vamos ingerir menos gordura.
Duas boas opções são as pizzas de atum ou caprese (mozarela de búfala, tomate e manjericão). Sempre de massa grossa. É claro que se você for um glutão do tipo que come seis pedaços, essa estratégia não funciona. Nesse caso, a espessura da massa será indiferente.
Outro mito é o do “grelhado com salada”. É uma opção rica em proteína, gordura, vitaminas e sais minerais – mas pobre em carboidatros. É por isso que em geral sentimos vontade de comer “um docinho” pouco tempo depois.
Os autores explicam que isso acontece porque o organismo sente falta do carboidrato. Ou melhor: sente que a glicemia (concentração de glicose no sangue) pouco se alterou após a refeição – diferentemente das concentrações de lipídios (provenientes da gordura), aminoácidos (provenientes da proteína), vitaminas e sais minerais. 
É preciso comer de tudo – com moderação e inteligência. Restringir a ingestão de determinado tipo de nutriente é bobagem. A ausência dele será sentida e diversos mecanismos de estímulo ao consumo serão disparados até que essa falta seja suprida. 
Quando sentimos fome também não adianta apelar para litros e litros de água ou para a monotonia de salada no almoço e no jantar durante vários dias. O corpo possui necessidades biológicas bem definidas – influenciadas por fatores sociais e emocionais. Quem pretende emagrecer precisa compreender e respeitar essas necessidades. As dietas falham justamente porque desprezam esses fatos. 
Passar muitas horas sem comer, adotar dietas malucas ou ficar em jejum são boas formas de engordar. Isso tudo estimula a produção de gordura pelo organismo – um processo chamado de lipogênese. Num primeiro momento, a pessoa perde peso porque perde músculo (a tal massa magra), mas o organismo passa a produzir mais gordura. E ainda armazena maiores quantidades de gordura encontradas nas refeições seguintes. 
Para emagrecer – e para ser feliz à mesa – é preciso perceber que os alimentos são muito mais que um amontoado de calorias. “A alimentação é um elemento fundamental do convívio social. A palavra comemorar vem do verbo comer. Nós COMEmoramos”, diz Lancha Jr.
Que as informações possam ajudar você a comer melhor e a comemorar mais!
Alimentação light coluna Cristiane Segatto (Foto: ÉPOCA)

Me chamem de Velha!!!


A velhice sofreu uma cirurgia plástica na linguagem


Na semana passada, sugeri a uma pessoa próxima que trocasse a palavra “idosas” por “velhas” em um texto. E fui informada de que era impossível, porque as pessoas sobre as quais ela escrevia se recusavam a ser chamadas de “velhas”: só aceitavam ser “idosas”.  Pensei: “roubaram a velhice”.  As palavras escolhidas – e mais ainda as que escapam – dizem muito, como Freud já nos alertou há mais de um século. Se testemunhamos uma epidemia de cirurgias plásticas na tentativa da juventude para sempre (até a morte), é óbvio esperar que a língua seja atingida pela mesma ânsia. Acho que “idoso” é uma palavra “fotoshopada” – ou talvez um lifting completo na palavra “velho”. E saio aqui em defesa do “velho” – a palavra e o ser/estar de um tempo que, se tivermos sorte, chegará para todos.
Desde que a juventude virou não mais uma fase da vida, mas uma vida inteira, temos convivido com essas tentativas de tungar a velhice também no idioma. Vale tudo. Asilo virou casa de repouso, como se isso mudasse o significado do que é estar apartado do mundo. Velhice virou terceira idade e, a pior de todas, “melhor idade”. Tenho anunciado a amigos e familiares que, se alguém me disser, em um futuro não tão distante, que estou na “melhor idade”, vou romper meu pacto pessoal de não violência. O mesmo vale para o primeiro que ousar falar comigo no diminutivo, como se eu tivesse voltado a ser criança. Insuportável.
A velhice é o que é. É o que é para cada um, mas é o que é para todos, também. Ser velho é estar perto da morte. E essa é uma experiência dura, duríssima até, mas também profunda. Negá-la é não só inútil como uma escolha que nos rouba alguma coisa de vital. Semanas atrás, em um programa de TV, o entrevistador me perguntou sobre a morte. E eu disse que queria viver a minha morte. Ele talvez não tenha entendido, porque afirmou: “Você não quer morrer”. E eu insisti na resposta: “Eu quero viver a minha morte”.
Na adolescência, eu acalentava a sincera esperança de que algum vampiro achasse o meu pescoço interessante o suficiente para me garantir a imortalidade. Mas acabei aceitando que vampiros não existem, embora circulem muitos chupadores de sangue por aí. Isso só para dizer que é claro que, se pudesse escolher, eu não morreria. Mas essa é uma obviedade que não nos leva a lugar algum.  Que ninguém quer morrer, todo mundo sabe. Mas negar o inevitável serve apenas para engordar o nosso medo sem que aprendamos nada que valha a pena.
Há uma bela expressão que precisamos resgatar, cujo autor não consegui localizar: “A morte não é o contrário da vida. A morte é o contrário do nascimento. A vida não tem contrários”. A vida, portanto, inclui a morte. Por que falo da morte aqui nesse texto? Porque a mesma lógica que nos roubou a morte sequestrou a velhice. A velhice nos lembra da proximidade do fim, portanto acharam por bem eliminá-la. Numa sociedade em que a juventude é não uma fase da vida, mas um valor, envelhecer é perder valor.  Os eufemismos são a expressão dessa desvalorização na linguagem.A morte tem sido roubada de nós. E tenho tomado providências para que a minha não seja apartada de mim. A vida é incontrolável e posso morrer de repente. Mas há uma chance razoável de que eu morra numa cama e, nesse caso, tudo o que eu espero da medicina é que amenize a minha dor. Cada um sabe do tamanho de sua tragédia, então esse é apenas o meu querer, sem a pretensão de que a minha escolha seja melhor que a dos outros. Mas eu gostaria de estar consciente, sem dor e sem tubos, porque o morrer será minha última experiência vivida. Acharia frustrante perder esse derradeiro conhecimento sobre a existência humana. Minha última chance de ser curiosa.
Não, eu não sou velho. Sou idoso. Não, eu não moro num asilo. Mas numa casa de repouso. Não, eu não estou na velhice. Faço parte da melhor idade. Tenho muito medo dos eufemismos, porque eles soam bem intencionados. São os bonitinhos mas ordinários da língua.  O que fazem é arrancar o conteúdo das letras que expressam a nossa vida. Justo quando as pessoas têm mais experiências e mais o que dizer, a sociedade tenta confiná-las e esvaziá-las também no idioma.
Chamar de idoso aquele que viveu mais é arrancar seus dentes na linguagem. Velho é uma palavra com caninos afiados – idoso é uma palavra banguela. Velho é letra forte. Idoso é fisicamente débil, palavra que diz de um corpo, não de um espírito. Idoso fala de uma condição efêmera, velho reivindica memória acumulada. Idoso pode ser apenas “ido”, aquele que já foi. Velho é – e está.  Alguém vê um Boris Schnaiderman, uma Fernanda Montenegro e até um Fernando Henrique Cardoso como idosos? Ou um Clint Eastwood? Não. Eles são velhos.
Idoso e palavras afins representam a domesticação da velhice pela língua, a domesticação que já se dá no lugar destinado a eles numa sociedade em que, como disse alguém, “nasce-se adolescente e morre-se adolescente”, mesmo que com 90 anos. Idosos são incômodos porque usam fraldas ou precisam de ajuda para andar. Velhos incomodam com suas ideias, mesmo que usem fraldas e precisem de ajuda para andar. Acredita-se que idosos necessitam de recreacionistas. Acredito que velhos desejam as recreacionistas. Idosos morrem de desistência, velhos morrem porque não desistiram de viver.
Basta evocar a literatura para perceber a diferença. Alguém leria um livro chamado “O idoso e o mar”?  Não. Como idoso o pescador não lutaria com aquele peixe. Imagine então essa obra-prima de Guimarães Rosa, do conto “Fita Verde no Cabelo”, submetida ao termo “idoso”: “Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam...”.
Velho é uma conquista. Idoso é uma rendição.
Como em 2012 passei a estar mais perto dos 50 do que dos 40, já começo a ouvir sobre mim mesma um outro tipo de bobagem.  O tal do “espírito jovem”. Envelhecer não é fácil. Longe disso. Ainda estou me acostumando a ser chamada de senhora sem olhar para os lados para descobrir com quem estão falando.  Mas se existe algo bom em envelhecer, como já disse em uma coluna anterior, é o “espírito velho”. Esse é grande.
Vem com toda a trajetória e é cumulativo. Sei muito mais do que sabia antes, o que significa que sei muito menos do que achava que sabia aos 20 e aos 30. Sou consciente de que tudo – fama ou fracasso – é efêmero. Me apavoro bem menos. Não embarco em qualquer papinho mole. Me estatelei de cara no chão um número de vezes suficiente para saber que acabo me levantando. Tento conviver bem com as minhas marcas. Conheço cada vez mais os meus limites e tenho me batido para aceitá-los. Continua doendo bastante, mas consigo lidar melhor com as minhas perdas. Troco com mais frequência o drama pelo humor nos comezinhos do cotidiano. Mantenho as memórias que me importam e jogo os entulhos fora. Torço para que as pessoas que amo envelheçam porque elas ficam menos vaidosas e mais divertidas. E espero que tenha tempo para envelhecer muito mais o meu espírito, porque ainda sofro à toa e tenho umas cracas grudadas à minha alma das quais preciso me livrar porque não me pertencem. Espero chegar aos 80 mais interessante, intensa e engraçada do que sou hoje.
Envelhecer o espírito é engrandecê-lo. Alargá-lo com experiências. Apalpar o tamanho cada vez maior do que não sabemos. Só somos sábios na juventude. Como disse Oscar Wilde, “não sou jovem o suficiente para saber tudo”. Na velhice havemos de ser ignorantes, fascinados pelas dimensões cada vez mais superlativas do que desconhecemos e queremos buscar.  É essa a conquista. Espírito jovem? Nem tentem.
Acho que devíamos nos rebelar. E não permitir que nos roubem nem a velhice nem a morte, não deixar que nos reduzam a palavras bobas, à cosmética da linguagem. Nem consentir que calem o que temos a dizer e a viver nessa fase da vida que, se não chegou, ainda chegará. Pode parecer uma besteira, mas eu cometo minha pequena subversão jamais escrevendo a palavra “idoso”, “terceira idade” e afins. Exceto, claro, se for para arrancar seus laços de fita e revelar sua indigência.
Quando chegar a minha hora, por favor, me chamem de velha. Me sentirei honrada com o reconhecimento da minha força. Sei que estou envelhecendo, testemunho essa passagem no meu corpo e, para o futuro, espero contar com um espírito cada vez mais velho para ter a coragem de encerrar minha travessia com a graça de um espanto.
(Eliane Brum escreve às segundas-feiras - Revista Época.)
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