Uma famosa propaganda diz que “sexo é saúde”. E é mesmo. Mas, assim como acontece com outros prazeres da vida, sexo em excesso pode representar um problema. É difícil, porém, estabelecer um limite do saudável para o sexo, a masturbação, a fantasia. Cada pessoa tem suas necessidades – e seus limites – e fazer mais sexo do que a média não é, em si, problemático. O problema aparece quando o sexo toma todo o espaço de outras atividades prazerosas – como as amizades e o relacionamento familiar – e atrapalha até o trabalho ou as horas de sono. A dependência sexual, como alguns especialistas se referem à situação, acontece quando a vida da pessoa passa a girar em torno do sexo. Para saber mais, leia a reportagem que escrevi em ÉPOCA desta semana sobre vício em sexo.
Os homens são a maioria entre os que procuram ajuda para lidar com o problema. Muitos são casados com mulheres que nem imaginam seu comportamento fora de casa. Essa é a história de Hugo (nome fictício), um corretor de seguros de Fortaleza que descobriu ser viciado em sexo e decidiu contar para a mulher e para a família sobre o seu problema. Publico aqui no Mulher 7×7 a íntegra do depoimento de Hugo porque a experiência dele pode ajudar outras pessoas que estão passando por uma situação parecida – seja no papel de Hugo ou no de sua mulher.
“Eu tinha 27 anos quando, um dia, voltando da balada para casa, passei pela zona de prostituição da Avenida Beira-Mar de Fortaleza. Como não tinha pegado ninguém na festa, decidi pagar uma prostituta. Disse a ela que não tinha cartão de crédito – o limite tinha estourado – nem dinheiro no banco. Ela disse ‘tudo bem’ e me levou para a casa dela. Fui parar numa favela, pagando pelo programa com tíquete restaurante. Nesse momento, decidi que tinha que parar. Aos 12 anos eu imaginava que tinha algo errado comigo. Aos 27, tinha certeza. Muitos homens falavam que aquilo era normal, ou que era só uma fase, mas eu não conseguia controlar meu comportamento sexual.
Desde os 11 anos, quando descobri a masturbação, me prendi totalmente ao sexo. Com 12, eu já tinha uma listinha de coisas que não queria fazer, mas sempre acabava fazendo. Me masturbar na cama, com garrafa, pegar ônibus lotado…
Meus pais foram educados numa cultura cristã e pensavam muito em termos de certo e errado, bom e mau, e nunca me falaram sobre sexo. Até que minha mãe descobriu minha lista e veio conversar comigo. Veio ela, não meu pai. E ela não me esclareceu nada e fiquei com mais vergonha ainda. Não parei de fazer o que fazia. Usava revistas, filmes pornôs, e só foi piorando.
Quando criança, eu não entendia nada. Era, para eles, como se o sexo não existisse, ou fosse ruim, mas, aos 9 anos, descobri, embaixo da cama, a coleção de revistas de mulher pelada do meu pai. Como ele ia à igreja e via aquilo? Eles não me explicavam.
Aos 5 anos, sofri abuso sexual. A menina tinha 17, 18 anos e era amiga de um casal amigo dos meus pais. Ela me dizia para eu não falar para ninguém. Eu, com medo, nem sabia o que era. Só fui entender que eu era uma vítima quando tinha 18, 19 anos. Vivemos numa sociedade em que a professora seduz um menino e tem uma pena mais leve do que um professor que seduz uma menina mais nova, embora o estrago criado seja praticamente o mesmo. Não conto essa história para justificar minha compulsão, mas porque aconteceu, e nunca contei nada para ninguém porque tinha vergonha.
Eu era quieto na infância, tímido mesmo, até porque tenho sardas. Lembro que um dia, quando pulei na piscina, saiu uma menina chorando e gritando para a mãe dela que eu tinha catapora. Eu era nadador, fui triatleta, mas acho que usava o esporte para mascarar a minha falta de contato social.
Minha primeira relação sexual só foi acontecer aos 20 anos. Antes disso, eu até ficava com as meninas em festas. Eu preferia só ficar a namorar, porque namorar era como me prender. Eu me masturbava compulsivamente, procurava prostitutas, fazia sexo sem qualquer relacionamento emocional. Quando ia para a igreja, fantasiava com as santas vestidas. Às vezes ia para a praia e não aguentava, ia para o mar me masturbar. Pensava que estava ficando maluco.
Na adolescência, comecei a estudar filosofia, mas fiz só três semestres. Decidi que não era aquilo. Fiz seis semestres de ciências contábeis. Sempre muito aquém do meu potencial por causa da compulsão. Depois entrei em administração, curso em que me formei. Nessa época, eu não conseguia me concentrar direito, não me abria e percebia que tinha uma coisa errada comigo.
A compulsão afetou várias áreas da minha vida, estava atrás de tudo o que eu fazia. Quando comecei a trabalhar, gastava muito dinheiro. Era uma desorganização só. Trabalhei em uma empresa multinacional, ganhava bem e morava com meus pais. Mas vivia sem dinheiro. Se ia comprar um relógio, comprava logo dois, um com fundo azul e outro, prata, de marca. Isso tem muito a ver com o fato de eu querer ser alguém. Meu complexo de inferioridade era tão grande que eu sempre queria saber mais, ter mais do que os outros.
Meu primeiro namoro foi com 27 anos. Ela tinha 33 e tinha acabado de sair de um relacionamento problemático com outra mulher. Eu tinha essa tendência de escolher de meninas que saíam muito, bebiam muito. De alguma forma, eu achava que elas iam precisar de mim para dar um jeito na vida delas.
Fiquei com essa menina mais ou menos um ano. Percebi, nesse tempo, que tinha que me separar dela, que não estava me fazendo bem, Mas não conseguia porque nossa ligação sexual era muito grande. Eu a encontrava e ia para motel ou para a casa dela. Era só sexo.
Depois tive um outro namoro rápido, de três meses, e entrei numa fase de muita bebedeira, saindo muito, fumando muito. Foi quando decidi parar com tudo. E comecei a correr. Corria 20 quilômetros por dia. Parei de sair, de beber, e comecei a pensar em buscar uma mulher diferente para mim. Eu estava controlando, estava menos compulsivo. Foi quando conheci minha mulher. Noivamos, casamos e pensei que estivesse tudo bem.
Depois do casamento, parei de correr e o padrão de comportamento voltou mais forte ainda. Como compulsivo, tendo aos extremos. Voltei a me masturbar compulsivamente e até tentei, três vezes, seduzir minha própria sogra. Coloquei a culpa na bebida, mas eu não estava bêbado. Era só a fantasia crescendo. A masturbação não resolvia e eu inventava mais coisas.
Nesse período, comecei a viajar muito por causa do trabalho. Conheci uma mulher de São Paulo num evento da empresa e mantive um caso com ela por sete anos. Também saía com algumas mulheres em Fortaleza. Uma vez, numa viagem para uma cidade próxima, fui a uma casa de strip com os amigos de trabalho e paguei prostituta por dois dias. De volta, cheguei a pagar passagem de avião para uma delas, e hospedagem. Eu até conseguia passar dois ou três meses sem fazer nada, mas depois voltava tudo de novo. E pior.
Em 2002, perdi meu emprego. A compulsão afetava tudo, meus relacionamentos, as companhias que escolhia para estar comigo, a relação com o dinheiro, estava tudo um caos e também o trabalho. Se tinha uma tarefa para entregar em 2 dias, eu ficava procrastinando ao máximo e deixava para fazer só quando não dava mais para adiar. O resultado é que saía um trabalho com pouca qualidade. E eu sempre estava colocando a culpa nos outros, é o cliente, é o chefe, é o governo…
Minha mulher ficou sustentando a casa e fui ficando cada vez mais distante. Só quando diminuía a nossa frequência de relação sexual é que minha mulher desconfiava de alguma coisa.
Fui procurar um psiquiatra e ele disse que eu tinha transtorno obsessivo-compulsivo. Me receitou um remédio e agendou uma sessão por semana para conversar. Mas eu sabia, no fundo, que não era esse o problema. Também não comprei o remédio, porque eu estava sem dinheiro.
Um pouco antes, tínhamos começado a frequentar uma igreja presbiteriana. Eu estava deprimido, desempregado, e achei que seria bom. Mas as crenças só serviram para aumentar minha vergonha, não para me ajudar com o problema.
Mas a igreja teve um lado bom. Eles tinham um grupo de reflexão de casais com uma psicóloga. Não tinha nada de Bíblia, mas de psicologia, e pensei que poderia ser um caminho para mim. Nessa época, estava começando a trabalhar como corretor de seguro e queria organizar minha vida financeira. O difícil era me controlar. Tinha vezes em que eu chegava atrasado para as reuniões porque estava em casa, na internet, vendo pornografia. Minha mulher, que ia direto do trabalho – ela é professora universitária -, às vezes chegava antes.
Um dia, percebi que o pastor que estava na reunião tinha um problema. Ele fugia, era evasivo. Como eu era. Eu não disse que era compulsivo por sexo, mas que tinha um comportamento que eu fazia, embora não quisesse, e me sentia mal depois.
Foi ele que me indicou o grupo Dependentes de Amor e Sexo Anônimos (Dasa). Quando cheguei naquela sala, chorei que só. Para mim, a coisa mais difícil foi assumir que eu tinha um problema. Eu sempre queria ser o bonzão, mostrar que era melhor do que os outros. Assumir que eu tinha uma compulsão sexual foi doloroso.
Decidi conversar com a minha mulher. Disse do meu problema, que precisava de ajuda. Falei da compulsão sexual, mas só da parte da internet, da pornografia. Era outra mentira. Ela chorou e tentou entender. Foi mais fácil para ela, que tinha um tipo de compulsão, a bulimia, mas não menos doloroso. Pensei que, ou meu casamento terminava ali, ou se fortalecia.
Eu já estava com um ano de recuperação e faltava contar tudo. Faltava dizer das amantes. Antes eu vivia uma mentira, fazia sexo com minha mulher fantasiando com um monte de outras. Eu estava incomodado de não contar, mas estava sem jeito. Uma vez, acabei marcando um encontro no motel com uma secretária da empresa. Cheguei em casa e fiquei pensando no que fazer. Acabei desmarcando o encontro. Dois dias depois, ligaram em casa e falaram com minha mulher. Disseram para ela tomar cuidado com o marido, que eu não estava dispensando nem colegas de trabalho. Cheguei em casa e ela estava chorando. Me contou da ligação e perguntou se era verdade. Fiquei calado. Fui dormir na sala e lá escrevi meu depoimento, que eu leria no Dasa. Mandei o texto para o email dela. Ela chorou, eu chorei. Fiquei aliviado porque pude falar a verdade total, a verdade de quem eu era, do meu problema. O segredo e a culpa só aumentam a compulsão.
Durante a recuperação, eu tive síndrome de abstinência. Sentia insônia. Antes, era como se eu carregasse meu próprio estoque de medicamento. Com o orgasmo, meu corpo liberava as ‘drogas’ que eu tinha dentro de mim. Usei o sexo como uma muleta. Se eu estava frustrado, ansioso, com medo, com raiva, ia para o sexo. Para a fantasia, para a masturbação. O fato de fazer sexo com minha mulher para me anestesiar, me medicar, só alimentava minha compulsão. Foi muito difícil eu me entender. Quem não é compulsivo nunca vai entender o que é o sexo para mim. Sempre usei o sexo para me automedicar. E sexo compulsivo não basta, não preenche, não traz uma energia boa.
Desde que comecei a recuperação, aos 37 anos, não tive mais amante. Já a masturbação foi mais difícil de tirar. A internet me entregava a droga ali, de graça. Adotei algumas estratégias. Passei a entrar na internet só quando tinha alguém em casa. Até hoje, só navego quando minha mulher está por perto. Não que eu não possa fazer, mas é muito fácil clicar, começar a ver e fantasiar. O primeiro ano é o mais difícil, é para ver se a pessoa quer se recuperar ou não.
Já recuperado, contei para os meus pais. Acho que eles nem chegaram a entender a profundidade do problema. Minha mãe disse ‘pare de ver essas besteiras’, como se fosse algo fácil. Mas não é. Tem gente que talvez nunca vá entender o conceito da compulsão sexual, vai pensar que é sem-vergonhice. Quando se fala do meu problema, vários levam para a brincadeira, outros, para o lado moral. Muitos dizem que não existe. Mas só quem viveu sabe como é ruim.”
- Letícia Sorg.
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