terça-feira, 26 de junho de 2012

Dieta da Alma

Arroz, feijão, bife, ovo. Isso nós temos no prato, é a fonte de energia que nos faz levantar de manhã e sair para trabalhar. Nossa meta primeira é a sobrevivência do corpo. Mas como anda a dieta da alma?

Outro dia, no meio da tarde, senti uma fome me revirando por dentro. Uma fome que me deixou melancólica. Me dei conta de que estava indo pouco ao cinema, conversando pouco com as pessoas, e senti uma abstinência de viajar que me deixou até meio tonta. Minha geladeira, afortunadamente, está cheia, e ando até um pouco acima do meu peso ideal, mas me senti desnutrida. Você já se sentiu assim também, precisando se alimentar?

Revista, jornal, internet, isso tudo nos informa, nos situa no mundo, mas não sacia. A informação entra dentro da casa da gente em doses cavalares e nos encontra passivos, a gente apenas seleciona o que nos interessa e despreza o resto, e nem levantamos da cadeira neste processo. Para alimentar a alma, é obrigatório sair de casa. Sair à caça. Perseguir.

Se não há silêncio a sua volta, cace o silêncio onde ele se esconde, pegue uma estradinha de terra batida, visite um sítio, uma cachoeira, ou vá para a beira da praia, o litoral é bonito nesta época, tem uma luz diferente, o mar parece maior, há menos gente.

Cace o afeto, procure quem você gosta de verdade, tire férias de rancores e mágoas, abrace forte, sorria, permita que lhe cacem também.

Cace a liberdade que anda tão rara, liberdade de pensamento, de atitudes, vá ao encontro de tudo que não tem regras, patrulha, horários. Cace o amanhã, o novo, o que ainda não foi contaminado por críticas, modismos, conceitos, vá atrás do que é surpreendente, o que se expande na sua frente, o que lhe provoca prazer de olhar, sentir, sorver. Entre numa galeria de arte. Vá assistir a um filme de um diretor que não conhece. Olhe para sua cidade com olhos de estrangeiro, como se você fosse um turista. Abra portas. E páginas.

Arroz, feijão, bife, ovo. Isso me mantém de pé, mas não acaba com meu cansaço diante de uma vida que, se eu me descuido, torna-se repetitiva, monótona, entediante. Mas nada de descuido. Vou me entupir de calorias na alma. Há fartas sugestões no cardápio. Quero engordar no lugar certo. O ritmo dos dias é tão intenso que às vezes a gente esquece de se alimentar direito!


- Martha Medeiros -

Frustração


Frustração 
:: Elisabeth Cavalcante ::


Todos os seres humanos experimentam, em algum momento da vida, o sentimento de frustração. Ele é inerente à nossa condição, visto que desde muito cedo a criança se ressente da ausência da mãe sempre que esta se afasta.

A presença materna é, para ela, sinônimo de conforto e satisfação de suas necessidades básicas. Conforme nos desenvolvemos, este sentimento vai sendo transferido para outras pessoas, objetos e situações.

Na idade adulta, a fonte primordial da frustração se torna, cada vez mais, a expectativa que colocamos na satisfação de nossos desejos. Como a vida é incontrolável e, por mais que nos esforcemos, não temos qualquer garantia de que o resultado de nossas ações será exatamente aquele que idealizamos, a frustração é inevitável.

Na esfera dos relacionamentos é onde este sentimento mais predomina, pois costumamos projetar na outra pessoa, expectativas grandiosas, acreditando que ela preencherá todas as nossas necessidades e garantirá a felicidade com que tanto sonhamos.

Quando isto não acontece, os sentimentos de raiva, mágoa, inconformismo e traição, substituem rapidamente o amor que antes acreditávamos sentir. Dificilmente conseguimos perceber que o problema não está no outro; mas, sim, nas expectativas que alimentamos a respeito dele.


A idealização é um fenômeno típico dos apaixonados e é quase impossível, a princípio, perceber o outro como realmente é, e não como o imaginamos. Entretanto, se entrarmos num relacionamento sem qualquer expectativa, simplesmente dispostos a deixar acontecer, mas conscientes de que, passada a euforia inicial, a realidade poderá ser diferente do que a princípio acreditamos, as chances de que fiquemos frustrados certamente diminuirão.

A chave para evitar a decepção, em qualquer circunstância, é entregar-se ao fluxo da vida e aceitar o que ela trouxer sem revolta ou negação. Assim, estaremos finalmente recebendo o inesperado como um elemento fundamental do nosso aprendizado.

"Você precisa aprender a gostar daquilo que está acontecendo. Chamo a isso de maturidade. Você precisa gostar daquilo que já está presente. A imaturidade é ficar vivendo nos "poderias" e nos "deverias" e nunca vivendo naquilo que "é" - aquilo que "é" é o caso, e o "deveria" é apenas um sonho.

Tudo o que for o caso, é bom. Ame isso, goste disso e relaxe nisso. Quando algumas vezes vier a intensidade, ame-a. Quando ela for embora, despeça-se dela. As coisas mudam... A vida é um fluxo. Nada permanece o mesmo; às vezes, há grandes espaços e às vezes não há para onde se mover. Mas as duas coisas são boas, ambas são dádivas da existência.

Você deveria ser grato, reconhecido por tudo o que acontece. Desfrute o que for. É isso que está acontecendo agora. Amanhã poderá mudar; então, desfrute aquilo. Depois de amanhã algo mais poderá acontecer. Desfrute-o. Não compare o passado com as fúteis fantasias futuras. Viva o momento. Às vezes é quente, às vezes é muito frio, mas ambos são necessários; de outro modo, a vida desapareceria. Ela existe nas polaridades".

Osho, A Rose is a Rose is a Rose is a Rose

Salve Chico!


Ser feliz não depende só de você!


Ser feliz não depende só de você! 
:: Rosana Braga ::


Parece óbvio quando a gente afirma que não tem o controle de tudo e de todos, mas, no exercício de viver, o que termina acontecendo, na maioria das vezes, é que caímos na armadilha dos paradoxos. Ou julgamos que não temos culpa de nada, como se nada pudéssemos fazer para mudar o que não nos agrada; ou agimos e criamos expectativas como se pudéssemos controlar os resultados e como se tudo, em nossas vidas, dependesse exclusivamente de nós.

Sinceramente, vejo um lado extremamente positivo na ideia de nos responsabilizarmos por nossas escolhas e por nos sentirmos capazes de decidir o que queremos, como e quando queremos.

No entanto, enquanto continuarmos apostando nessa postura megalomaníaca e prepotente que sugere que somos seres independentes, células soltas no universo, nosso saldo será sempre permeado por frustrações, vazio e, em última instância, infelicidade!

Isto é, enquanto nos enxergarmos de forma radical e absoluta, apostando em rótulos como "independentes" ou "dependentes", perderemos a preciosa chance de experimentarmos o lugar demasiadamente humano que felizmente nos cabe.

Nem tudo, nem nada. Nem preto, nem branco. Nem cheios, nem vazios. Nem santos, nem demônios. Nem certos, nem errados. Nem bons, nem maus. Nem sozinhos, nem misturados. Sobretudo, interdependentes. Elos essenciais de uma corrente que dá forma, força e sentido para o Todo.

É justamente essa necessidade sagrada de nos relacionarmos e trocarmos quem somos que nos torna seres candidatos à perfeição, imagem e semelhança da divindade. E é também, por essas e outras, que podemos, sim, optar entre um e outro caminho. Podemos, sim, decidir sob qual ângulo olharemos as circunstâncias de nossa existência.

Porém, o pacote completo que compõe a vida que vivemos nunca foi, não é e nem nunca será resultado exclusivo de uma individualidade. Somos todos um. Somos parte de algo bem maior. Somos células de um organismo multidimensional atuante, pulsante e constante.

Quem eu sou influencia -em menor ou em maior grau- quem você é! O que eu sinto reverbera e se espalha pelas entrelinhas do que você sente. E assim sendo, enquanto houver um único ser faminto, haverá também fome em mim e em você. Enquanto houver um único ser dolorido, haverá dor em mim e em você. Enquanto houver um ser perdido, haverá dúvida e confusão em mim e em você. Enquanto houver guerra em um único coração, haverá sensação de perda e destruição no meu e no seu coração.

Claro, não estou dizendo que agora, além de tudo, somos responsáveis pelo mundo inteiro. Mas acredito, sim, que alimentar o outro é dar fim à própria fome, que aliviar a dor do outro é proporcionar alívio a si mesmo, e que nesta mesma proporção, investir na gentileza, na paciência e no acolhimento do outro, é garantir que mais e mais pessoas experimentem a plenitude pela qual tanto eu quanto você temos lutado tão acirradamente.

E quanto mais pessoas participarem desta dinâmica, mais feliz "por nada" eu me sentirei. E você também! Menos dor, mais sensação de preenchimento, mais respostas e alternativas eu encontrarei. E você também! É quase matemático. Uma equação onde somos os números e, portanto, o resultado depende de mim... e de você também!

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Alma de Corno


O problema não é ser traído, mas viver apavorado com essa ideia! - por Ivan Martins


Nelson Rodrigues, o Nietzsche brasileiro, escreveu que certos homens nascem para ser traídos. Pesaria sobre esses infelizes genéticos uma pátina de fatalidade que os faria caminhar - feito um Édipo, feito um Hamlet, feito um idiota - em direção à única tragédia percebida como tal por estas bandas, o chifre. 


Nelson era um homem dos anos 30, mas, neste assunto, acho que o imaginário brasileiro não mudou substancialmente. Para homens ou para mulheres. A traição ainda é vista como uma tragédia pessoal insuperável. A fraqueza masculina é a sua principal explicação, acompanhada, naturalmente, pelo pérfido caráter feminino. A violência, ou pelo menos a mais terrível vergonha, é percebida como a única resposta imaginável. 
Tudo isso no plano moral, quase filosófico. Na vida real, as pessoas traem e são traídas cotidianamente, sem que isso cause enorme confusão. Os envolvidos sofrem as consequências íntimas e sociais dos seus atos, que às vezes são graves, mas, na maior parte das vezes, o drama privado não acaba em acerto de conta público. Embora às vezes termine, tragicamente.  
Mas o plano imaginário é terrivelmente importante. Nós vivemos tanto no mundo dos atos quanto no mundo das ideias. E as nossas ideias nesse terreno são antigas. Agimos de forma moderna, mas sentimos de forma antiquada. O velho fantasma da traição ainda nos põe obcecados. Homens e mulheres. Andamos por aí com um sorriso nos lábios, mas em estado de vigília permanente, interiormente atormentados. Morremos de medo. Parece que não existe nada mais importante no mundo do que a nossa maldita honra. 
No fundo, temos alma de corno. Não por estarmos fadados a ser traídos, como pensava Nelson, mas por vivermos apavorados com essa ideia.
Parte da nossa paranóia tem origem óbvia: a mania de tratar coisas íntimas como assuntos públicos. Discutimos com tanta insistência a vida dos outros que antecipamos como os nossos reveses serão julgados, da mesma maneira frívola e impiedosa. À dor íntima da traição ou do abandono, que é imensa, juntamos a vergonha de ser expostos ao ridículo. Imaginamos as piadas, os comentários, o sarcasmo. Isso enlouquece. Se déssemos menos importância ao que os outros pensam e falam, se fôssemos mais privados na nossa dor, o sofrimento seria menor. E a paranóia também. O medo da traição domina a nossa vida social. Fazemos piadas incessantes sobre o assunto para exorcizar o terror de que nos aconteça. Temos na ponta da língua frases lapidares sobre o tema. Comentamos intensamente a vida dos outros por perceber, melhor que os envolvidos, o inevitável chifre que vem vindo. Julgamos quem está em volta drasticamente, cegamente, com base na percepção de risco que ele ou ela nos impõe. Começamos e, sobretudo, terminamos relacionamentos por medo de ser enganados. O chifre assombra a nossa vida com a fatalidade do inevitável. Somos viralatas medrosos e assustados quando se trata desse assunto. Homens e mulheres.  
O outro componente do nosso medo é interior. Enxergamos na traição um julgamento a nosso respeito. Um homem de verdade não seria trocado; uma mulher atraente não seria deixada para trás. É puro Nelson Rodrigues. Quando somos enganados, sentimos que a culpa é nossa. Ao acusar o outro, tentamos desviar a atenção sobre a nossa suposta responsabilidade. Somos incapazes de perceber que o desejo vai como veio. Que a atração entre duas pessoas não implica num juízo sobre qualquer outra. Que as escolhas eróticas e afetivas não estão baseadas em quadros comparativos de virtude, virilidade ou feminilidade. Ao sermos enganados, esquecemos que o desejo não tem regras.
Talvez seja hora de deixar essa visão antiga para trás. Viver a felicidade sem medo, aproveitar a curtíssima vida sem sobressaltos. O amor entre as pessoas existe, os compromissos que elas assumem são reais, o respeito é parte da vida. Se as coisas mudarem, teremos de lidar com elas. Quando acontecer. Com dor, com tristeza, com raiva. Com dignidade também. Privadamente. O mundo de Nelson Rodrigues, dos homens temerosos e das mulheres impotentes, todos discutindo a vida de todos os demais no portão, vai se dissolvendo lentamente ao nosso redor. Podemos inventar para nós mesmos um outro mundo, melhor.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Regras da vida


Por que a imagem da vagina provoca horror?

Muitos anos atrás, não sei precisar quantos, deparei-me com o quadro A origem do mundo (L’Origine du Monde, 1866) e me encantei. Nele, o francês Gustave Courbet pinta uma vagina. Cheguei a ela desavisada e fui tomada por uma sensação profunda de beleza. Forte o suficiente para sonhar, deste então, com a compra de uma reprodução, um plano sempre adiado. Quando passei a trabalhar em casa, há dois anos, desejei ainda mais ter o quadro na parede do meu escritório, onde reúno tudo aquilo que me apaixona em um pequeno universo perfeito e só meu. No último aniversário, em maio, meu marido me deu a reprodução de presente. Só na semana passada, porém, o quadro chegou da vidraçaria onde fez escala para receber moldura. Então, algo inusitado aconteceu. 
Ouvi um grito:
- É o fim do mundo!
Eu estava no quarto e saí correndo, alarmada, para ver o que tinha acontecido. Encontrei Emilia, a mulher que limpa nossa casa uma vez por semana, com o rosto tomado por um vermelho sanguíneo, diante de A origem do mundo, que, ainda sem lugar na parede, jazia encostado em um armário.  
- É o fim do mundo! – gritava ela, descontrolada. – Nunca pensei ver algo assim na minha vida! Eliane, que coisa horrível!
Meio atordoada, eu repetia: “Não é o fim do mundo, é o começo!”. E depois, sem saber mais o que fazer para acalmá-la, me saí com essa estupidez: “É arte!”. Como se, por ser “arte”, ela tivesse de ter uma reação mais controlada, quando é exatamente o oposto que se espera. Beirando o desespero diante do desespero dela que eu não conseguia aplacar, apelei: “Mas, Emilia, metade da humanidade tem vagina – e a humanidade inteira saiu de uma vagina! Por que você acha feio?”.
O fato é que, para Emilia, era o fim do mundo – e não o começo. Tentei fazer piada, mas percebi que a perturbação não viraria graça. A questão para ela era séria – e ela só não pedia demissão porque trabalha há 12 anos comigo e temos um vínculo forte. Naquele dia, Emilia despediu-se incomodada e passei a temer que talvez ela não suporte olhar para o quadro a cada quinta-feira.
Graças ao estranhamento de Emilia, transtornada que foi pela experiência artística quando se preparava para passar o pano no chão, fui levada a um percurso inesperado. Descobri que A origem do mundo causa escândalo desde que foi pintada. E agora quem está horrorizada sou eu, mas pela ausência de horror em mim diante do quadro. Por quê? Por que eu não sinto horror? O que há de errado comigo que não sinto horror?, cheguei a me perguntar. De repente, nossas posições, a minha e a de Emilia diante do quadro, inverteram-se. Eu, que não compreendia o horror dela, passei a suspeitar do meu não horror. Por que Emilia, uma mulher adulta, que me conta histórias escabrosas da vida real, se horrorizou com a visão de uma vagina? Por que eu me encantei com a visão de uma vagina? Quando vivo uma experiência de transcendência, em geral eu não quero saber sobre a história da pintura que a produziu, porque temo perder aquilo que é só meu, a sensação única, pessoal e íntima que tive com aquela obra. É uma escolha possivelmente besta, mas faz sentido para mim. Por isso, eu quase nada sabia sobre “A origem do mundo”, para além do fato de que eu a adorava. Só no ano passado, ao ler um pequeno livro sobre um dos grandes nomes da história da psicanálise, o francês Jacques Lacan, soube que ele foi o último dono da pintura. Nos anos 90, sua família doou o quadro para o Museu D’Orsay, em Paris, onde está desde então. 
Eis uma breve trajetória da obra. A origem do mundo foi encomendada a Courbet, um pintor do realismo, por um diplomata turco chamado Khalil-Bey. Colecionador de imagens eróticas, ele pediu um nu feminino retratado de forma crua. E Courbet lhe entregou um par de coxas abertas, de onde despontava uma vagina após o ato sexual. A obra teria sido instalada no luxuoso banheiro do milionário, atrás de uma cortina que só se abria para revelar o proibido para uns poucos escolhidos. Khalil-Bey teria perdido a pintura em uma dívida de jogo, momento em que a tela passa a viver uma série de peripécias. 
O quadro teve vários donos e, ao que parece, todos o escondiam atrás de uma cortina ou de uma outra pintura. Na II Guerra Mundial, algumas versões afirmam que chegou a ser confiscado pelos nazistas do aristocrata húngaro ao qual pertencia. Em seguida, passou uma temporada nas mãos do Exército Vermelho. Até que, após uma acidentada jornada, em 1954 foi comprado por Lacan e instalado na sua famosa casa de campo.
Até mesmo Lacan, um personagem pródigo em excentricidades e sempre disposto a chocar as suscetibilidades alheias, ocultava o quadro com uma outra pintura, encomendada ao pintor surrealista André Masson com esse objetivo. Como uma porta de correr, esse “véu” retratava uma vagina tão abstrata que só um olhar atento a adivinhava. Apenas visitantes especiais ganhavam o direito de desvelar e acessar a vagina “real”. Segundo Elisabeth Roudinesco, a biógrafa mais notória de Lacan, o psicanalista gostava de surpreender os amigos deslocando o painel. Anunciava então “A origem do mundo”, com a seguinte declaração: “O falo está dentro do quadro”. Boa parte dos intelectuais apresentados à tela ficava, como Emilia, bastante incomodada.
Por quê? 
Que há algo perturbador no órgão sexual feminino não há dúvida. Até nomeá-lo é um problema. Vagina, como tenho usado aqui, parece excessivamente médico-científico. É como pegar a língua com luvas cirúrgicas. Boceta ou xoxota ou afins soa vulgar e, conforme o interlocutor, pejorativo. É a língua lambuzada pelo desejo sexual – e, por consequência, também pela repressão. Não há distanciamento, muito menos neutralidade possível nessa nomeação. É uma zona cinzenta, entregue a turbulências, e a palavra torna-se ainda mais insuficiente para nomear o que Courbet chamou de “A origem do mundo”. Para Lacan, “o sexo da mulher é impossível de representar, dizer e nomear” – uma das razões pelas quais teria comprado o quadro.
Em busca de respostas para o horror de Emilia, que, por oposição, revela o meu não horror, naveguei por algumas interpretações do quadro – e da perturbação gerada por ele. Jorge Coli, historiador, crítico de arte e autor de um livro sobre Courbet para a editora francesa Hazon, assim comentou sobre A origem do Mundo, em um artigo publicado em 2007: “Parece-me a radicalização do processo de transformar a mulher em um objeto orgânico, pois ele esconde a cabeça (pensante) e os braços e pernas (elementos da ação). Vemos a ponta do seio e, sobretudo, o sexo”. Coli assinala que uma das questões do século XIX era a ameaça do desejo contida no feminino. Inerte, entregue à contemplação, a mulher não ameaçaria.
Em algumas manifestações escandalizadas, o fato de Courbet ter “reduzido” a mulher a um pedaço da anatomia foi considerado uma afronta. Uma mulher sem cabeça, sem braços, sem história. A pintura chegou a ser definida pelo escritor e fotógrafo francês Maxime Du Camp como um “lixo digno de ilustrar as obras do Marquês de Sade”. Análises mais psicanalíticas explicam o horror de quem olha pela castração. Diante do espectador, entre as coxas abertas da mulher se revelaria a ferida aberta, a falta, a impossibilidade de ser completo. As mulheres se horrorizariam pela constatação da castração, os homens pelo temor a ela. Se alguns olhares produzem pistas, outros reforçam apenas o incômodo que a obra produzia.
O efeito do quadro já foi tentado em fotografias de mulheres, em geral prostitutas, colocadas na mesma posição, mas o resultado revelou-se diverso. Ao transpor para a fotografia, não é mais a imagem de Courbet, mas outra. Até que, em 1989, uma artista francesa, Orlan, fez algo marcante – e com grande potencial para gerar polêmica – a partir da obra original. Ela reproduziu a pintura trocando a vagina por um pênis – ou a boceta por um caralho. E chamou-a de A origem da guerra. Olhar para essa imagem causa um estranhamento, especialmente porque a posição, deitada de costas, é muito mais íntima da mulher do que do homem. O pênis, no caso, se oferece ereto ao olhar, mas a partir de um corpo na horizontal, entregue.
É instigante, desde que a provocação não seja reduzida a um feminismo indigente, banalizado pela crença pueril do “a mulher gera a vida, o homem a morte”. A intenção de Orlan, segundo Roudinesco, era bem mais refinada. Ela “pretendia desmascarar o que a pintura dissimulava, realizando uma fusão da ‘coisa’ irrepresentável com seu fetiche negado”. Reivindicava então a “imprecisão do gênero e da identidade” que marca o nosso tempo, anunciando, por sua vez: “Sou um homem e uma mulher”.
O que se pode afirmar é que Courbet revelou o que está sempre coberto, oculto, escondido. No Carnaval brasileiro, por exemplo, como lembra a psicanalista Maria Cristina Poli em um artigo interessante sobre o feminino, tudo é exposto – e até superexposto – do corpo da mulher, menos a vagina. Mas a força do quadro não está só no “mostrar”. Há algo de incapturável e único na forma como Courbet mostrou o “imostrável”, já que a transposição da imagem para a fotografia não causa o mesmo efeito. E o que é?
Não sei.
A vagina pintada por Courbet é peluda como não vemos mais nos dias de hoje. A depilação quase total do sexo feminino tornou-se um popular produto de exportação do Brasil. Tanto que virou um dos significados da palavra “Brazilian” no renomado Dicionário Oxford: "Estilo de depilação no qual quase todos os pelos pubianos da mulher são retirados, permanecendo apenas uma pequena faixa central”. Pelo visto, a partir dos trópicos supostamente liberados e sexualizados, a vagina depilada virou um clássico contemporâneo.
Este é um ponto interessante. Ao primeiro olhar, a extração dos pelos serviria para revelar mais a vagina, mas me parece que este é mais um daqueles casos, bem pródigos na nossa época, em que se mostra para ocultar – a superexposição que ofusca e cega. A vagina sem pelos é uma vagina flagelada – e arrancar os pelos com cera é mesmo um flagelo. É também uma vagina infantilizada pela força. E é ainda uma vagina esterilizada, já que vale a pena lembrar que no passado recente essa depilação agressiva só acontecia nos hospitais para, supostamente, facilitar o parto. “Se não depilo totalmente, me sinto suja”, disse-me uma amiga. Suja?
Em janeiro de 2000, a atriz Vera Fischer exibiu sua vagina peluda em um ensaio fotográfico da revista Playboy. Causou furor. Falou-se na “Mata Atlântica”, na “Amazônia”, na “selva” onde sempre é perigoso penetrar. Havia algo de poderoso e incontrolável na vagina em estado “natural” de Vera Fischer, e a polêmica se fez. Era uma mulher não domesticada ali. Uma mulher adulta.
Não me parece – e nunca saberemos se tenho razão – que, se Courbet tivesse pintado uma vagina careca, ela teria causado tanto o horror de Emilia quanto o êxtase em mim. A vagina pintada por Courbet é uma vagina que revela. Mas o quê?
Não sei. A maravilha da arte é que ela nos transtorna sem a menor intenção de nos dar respostas – muito menos caminhos a seguir. A arte é sempre labiríntica. Não há sentimentos “certos” ou “errados” diante da expressão artística, há sentimentos apenas. Movimentos. Que nos levam por aí, aqui. É em respeito a essa ideia que decidi não colocar nenhuma imagem do quadro aqui, nem mesmo um link – ou um atalho – para a imagem na internet. A busca da origem do mundo é pessoal e intransferível. Assim como a decisão de buscá-la.
A obra de Courbet sempre foi oculta por uma outra pintura. Ou cortina. Exceto agora, que a exibição no museu deu a ela uma espécie de salvo-conduto, por ser ali “o lugar certo”. De algum modo, até então, a vagina mais famosa da História da Arte fora coberta por um véu – além do véu representado pela própria pintura.
Decidi não cobrir minha reprodução de A origem do mundo com uma burca. Vamos ver o que acontece.  


Eliane Brum / Revista Época.

Fofoca

“Quem faz intrigas sobre a vida alheia quer ter algo de sua autoria, uma obra que se alastre e cresça, que se torne pública e que seja muito comentada. Algo que lhe dê continuidade. É por isso que fofocar é uma tentação. Porque nos dá, por poucos minutos, a sensação de ser portador de uma informação valiosa que está sendo gentilmente dividida com os outros.
Na verdade, está-se exercitando uma pequena maldade, não prevista no Código Penal. Fofocas podem provocar lesões emocionais. Por mais inocente ou absurda, sempre deixa um rastro de desconfiança.
Onde há fumaça há fogo, acreditam todos, o que transforma toda fofoca numa verdade em potencial. Não há fofoca que compense. Se for mesmo verdade, é uma bala perdida. Se for mentira, é um tiro pelas costas.”
                                                                                                                                      Martha Medeiros

Aquilo que não falamos...


Aquilo que não falamos...

por Maria Silvia Orlovas

Quando ficamos mais velhos vamos aprendendo a guardar o silêncio, e diz a sabedoria que a palavra é de prata e o silêncio é de ouro. Concordo plenamente com o ditado popular, mas como todas as regras, as exceções podem perturbar demais a vida das pessoas, porque deixar de falar para não magoar o outro pode se tornar um vício bem negativo no comportamento das pessoas.

Respeito não tem a ver diretamente com silêncio. Aliás, podemos nos desrespeitar muito nos omitindo, não mostrando aquilo que sentimos, assim como podemos também causar um grande tumulto interno e até doenças guardando sentimentos.

Relações saudáveis deveriam suportar críticas, erros e horas da verdade. E se acaso você não confia plenamente em si mesmo para mostrar o que sente, cabe se perguntar se está realmente tendo uma atitude amorosa, política ou se está se escondendo, fazendo de conta que não sente o que sente.

Claro que nenhum relacionamento, amizade ou casamento suporta gritos, berros sem sentido, falta de educação. Aliás, respeito é a base de qualquer relação e, mesmo para aqueles que não tiveram essa referência na infância, o passado em desalinho não justifica falta de amor, de gentileza, no momento atual. A menos que a pessoa ainda não tenha despertado para a consciência de que está semeando o seu destino todos os dias, e também colhendo, porque a cizânia e o mal humor apenas impulsionam o levante de energias negativas, pobreza, desafeto, e raiva, no mundo à sua volta. Assim, não falar para os outros aquilo que você pensa ou sente não impedirá você de receber o troco da energia semeada.

Gentileza gera gentileza, afeto gera afeto, mas tem que vir do coração. Não adianta odiar e falar suave. A suavidade vem de uma alma pura, de um sentimento puro. Agora se você tem raiva, se ficou magoado, se não gostou da atitude de alguém, pode ser que não seja adequado responder na hora. Pode ser que não caiba naquele momento uma reprimenda, ou argumentação, mas também não cabe dentro do seu peito carregar uma raiva pela vida toda... Seu coração não suportará a vida inteira esta mágoa que num momento ou noutro se transformará em doença. E para evitar esse tipo de situação, por favor, amigo leitor, cuide-se. Procure uma terapia, pois desabafar e descobrir forças em si mesmo para lidar com a dor o ajudará a crescer e pontuar seus limites.
Limites também trazem felicidade.

Quando nos sentimos desrespeitados, por mais que haja amor na relação, ficamos abalados. E, não falar o que pensamos, não impede que o outro perceba e reaja às emanações de raiva ou de tristeza que vem do seu íntimo. Porém, o círculo negativo pode terminar quando esclarecemos os sentimentos.

Mas, lembre-se sempre de usar o filtro do amor e do mergulho interior, tente também não se confundir, porque quando estamos tristes podemos interpretar muito mal aquilo que recebemos. Assim, mais uma vez realço a importância do autoconhecimento, da meditação, e da terapia. Pois se você se amar mais, se respeitar mais, não precisará de silêncios artificiais. A fala fluirá normalmente e você terá sabedoria o suficiente para amar o outro, e respeitar seus momentos, assim como também para se amar e saber a hora de falar e a hora de calar.

Muita luz a todos!

terça-feira, 19 de junho de 2012

Perfeito!


Surra de cama

Quem diz que as mulheres gostam?

Ivan Martins.

Foi uma moça americana quem me disse, no meio de uma festa, que os homens brasileiros tinham mania de transar demorado. Em vez de fazer sexo de um jeito gostoso e rápido – que ela considerava ideal -, seu namorado brasileiro não parava enquanto ela não estivesse exausta e irritada. “Numa noite especial, de vez em quando, tudo bem”, ela me disse, cheia de impaciência. “Mas, a toda hora... Eu não sou maratonista.”  

Para que fique claro, ela não se queixava de longas e minuciosas preliminares. Reclamava do tempo excessivo de penetração, que ela considerava apenas uma exibição de vigor da parte dele. Ao final da festa, todo mundo bêbado, ela ainda voltou ao assunto e me perguntou se os brasileiros eram todos assim, exibicionistas. Constrangido e ofendido nos brios nacionais, eu respondi, encerrando a conversa, que não fazia a menor ideia.
Esse diálogo ocorreu faz tempo. Na hora, eu achei, com alguma razão, que era conversa de gringa, choque cultural e tal, mas o comentário ficou gravado. Desde então, toda vez que um amigo se gaba – como os homens fatalmente fazem – de ter dado “uma surra de cama” numa garota, dentro de mim uma voz sarcástica pergunta: “E ela, gostou?”  
Antes de prosseguir, uma informação em benefício das mulheres: os homens são terrivelmente solitários quando se trata de sexo. Embora gastem um tempo enorme falando do assunto, eles não trocam informações verdadeiras. Enquanto as mulheres conversam sobre as suas dificuldades, os homens relatam ao bando apenas os seus triunfos, reais ou imaginários. O resultado é que existem dois mundos opostos na cabeça masculina, quando se trata de sexo. Um é feito de performances medianas, vexames e glória eventual. É o mundo da experiência verdadeira, íntima. O outro mundo, repleto de conquistas épicas e ereções olímpicas, é o do relato mitológico dos outros. Qual é a realidade coletiva? Não faço ideia. Sei que na cama, como diria Fernando Pessoa, somos todos príncipes 
Quem salva os homens da completa desinformação em relação ao sexo são as mulheres. Elas nos relatam, em geral de forma indireta, o que acontece na intimidade delas e dos outros homens. Como não estão comprometidas em contar vantagem, nem preocupadas em destruir reputações, (exceto em uma ou outra ocasião...), vêm delas bons relatos. E opiniões menos apaixonadas. Por isso decidi, na semana passada, esclarecer diretamente com elas a história das transas demoradas: afinal, isso é bom para elas ou não é?
Minha pequena amostra, colhida entre mulheres de idades e situações conjugais distintas, sugere que o empenho dos homens em esticar aquele momento ao máximo pode ser inútil.
É quase unânime a opinião entre as mulheres que os homens estão se empenhando exageradamente por desinformação. “Acho que teve tanto marketing nas revistas femininas para combater a ejaculação precoce que a história virou para o outro lado”, me escreveu uma amiga. “Hoje, os caras vão para a cama como quem vai para um teste de resistência.” Ela me disse que a tendência é tão forte que as garotas começam a regular sexo por achar que o parceiro está esperando uma maratona – e elas não se sentem fisicamente preparadas. Várias mulheres dizem detestar sexo prolongado: “Enquanto o cara está lá, se achando o máximo, eu fico pensando, ‘meu deus, acaba logo com isso’”. Outras dizem gostar apenas de preliminares demoradas: “Elas são importantes e deliciosas”. Poucas afirmam gostar de “trepadas quilométricas”, com recordes de penetração. “No começo de um relacionamento ou empolgada com um flerte, é legal”, me disse uma. Mesmo quem gosta muito, faz ressalvas: “Tem de ter intensidade, sentimento. Não pode ser uma coisa mecânica”.
Outra coisa que fica nítida nessas conversas é o apego das mulheres por experiência emocionais durante o sexo, não somente físicas. Homens que não gozam privam a parceira de uma sensação importante de satisfação. Aqueles que gozam e depois se dedicam ao orgasmo dela ganham pontos na categoria da solidariedade erótica. Quem consegue gozar ao mesmo tempo em que elas, leva para casa um troféu de enorme valor por sintonia. Sentimentos, rapaz, sentimentos...
Claro, essas coisas variam de casal para casal. Quem gosta de um jeito com fulano pode gostar de outro com sicrano. É preciso explorar as possibilidades, no limite do temperamento de cada um. As regras são flexíveis, mas existe uma coisa chamada personalidade sexual. Alguns curtem sexo intensamente e são capazes de transar por horas. Outros gostam ainda mais, mas concentram seu prazer em espasmos curtos. Há os que se interessam menos pelo assunto.
Sexo, afinal, é diversidade, como tudo na vida. Muitos adoram correr, tantos detestam. Uns têm enorme capacidade de concentração, outros se distraem com facilidade. Há pessoas gulosas e aquelas naturalmente comedidas. Se as pessoas são diferentes em tudo, não é de esperar que se comportem da mesma forma na cama - a não ser que estejam tentando imitar um padrão, o que constitui enorme besteira. Um dos segredos públicos do sexo feliz é a necessidade de descobrir seu próprio jeito de ter prazer. Mas isso leva tempo e implica, necessariamente, em pôr de lado estereótipos e modelos.
Para os homens não é fácil. Desde que a gente é garoto, tem sempre um sabichão disposto a explicar do que as mulheres realmente gostam. Essas conversas prematuras e desinformadas, que envolvem quantidades imensuráveis de mentiras, tendem a encher nossa cabeça de lixo. Demora a livrar-se delas e descobrir, na prática do sexo, no afeto das relações, o que é bom e ruim, para nós e para elas. Na verdade, é um trabalho para a vida inteira.
Da minha parte, gosto de pensar em sexo como um trem em movimento. O orgasmo é uma estação onde todo mundo quer descer, de preferência juntos. Nem sempre dá. Em geral nós, homens, desembarcamos primeiro, e temos de esperar, cheios de dedos, pelo vagão da mulher, que vem lá atrás. Com a prática e as preliminares, a ordem se inverte: ela desce do trem primeiro, depois nos ajuda com a nossa bagagem. De um jeito ou de outro, o tempo da viagem é menos importante que chegar ao destino. Quando os dois estão os dois na plataforma, felizes, pode-se fazer qualquer outra coisa: passear, ler, dormir, comer. O trem do sexo, afinal, vai estar lá à nossa espera, toda vez que quisermos viajar.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Haroldo, seu fofo!


Os traficantes do amor


Estamos cercados por uma indústria que explora a nossa carência.

IVAN MARTINS

Na minha mesa de trabalho há uma rosa amarela do dia dos namorados. Entraram aqui um fortão e uma loirinha, vestidos de anjo, e deixaram o presente em nome de uma marca de cerveja. Achei engraçado, mas, assim que eles saíram, bateu certa melancolia. Como é fácil banalizar as coisas que nos comovem. Como é simples transformar em clichê – ou babaquice – os sentimentos terríveis que definem a nossa humanidade.
Olhe em volta: estamos cercados pela palavra amor.  
Há um milhão de livros com esse título, dez milhões de músicas com esse refrão, centenas de filmes e um batalhão diário de novelas que trata do assunto. Pela quantidade de produtos amorosos que nos oferecem, é inevitável concluir que consumimos mais amor do que cerveja, chocolate e televisores de tela plana. Talvez um pouco menos que celulares. 
Nosso apetite por amor não tem limites. Nossa sede de amor jamais acaba. Somos carentes insaciáveis. Sonhamos com o amor todas as noites. Acordamos encharcados de imagens doloridas. Dentro de nós se agita um mar de memórias que tem como centro as nossas experiências de afeto. Velhas, remotíssimas, e recentes. Elas nos movem de forma inconsciente. Somos filhos, somos irmãos, somos amigos, somos amantes, somos pais e mães. Todos nós. A cola que liga todas essas situações é o amor.  
Começamos a receber amor ainda minúsculos, nos braços da mãe, e nunca mais paramos. Ele nos constitui emocionalmente, como os músculos e os ossos nos formam fisicamente. É parte essencial de nós e precisa ser reposto, realimentado, revivido a cada dia, a cada momento, em um processo que, a rigor, nunca tem fim.  
Um alienígena que chegasse à Terra iria perceber, em dois minutos, nossa abissal vulnerabilidade. Além de água, alimento, abrigo, precisamos desesperadamente de amor - em várias formas, em qualquer forma na verdade. Somos viciados nele. Erguemos nossa vida em torno dele. Do erotismo violento da adolescência aos sentimentos suaves da velhice, nossa existência é uma longa experiência amorosa – ou uma busca desesperada, e muitas vezes cega, muitas vezes infrutífera, pelo amor. 
É por isso que me incomoda a banalização comercial do sentimento. Ela me parece uma covardia, quase uma canalhice. Algo como oferecer luz a um cego. Diante do amor, somos todos ingênuos, frágeis, facilmente enganáveis. É simples nos vender qualquer coisa, nos iludir com qualquer promessa. Estamos, desde crianças, atrás da próxima dose dessa droga – e, às vezes, tenho a sensação de estarmos cercado de traficantes que não entregam a mercadoria. Nem poderiam.
Nossos verdadeiros sentimentos são obscuros e sombrios, quase impossíveis de serem saciados. Eles não cabem nos formatos pré-moldados da indústria do amor. Pegue o caso da mulher que matou e destrinchou o marido uns dias atrás. Havia amor ali. Amor na forma de ciúme. Amor próprio. Amor de mãe que temia ser separada da filha. Mas não é disso que a marca de cerveja quer falar no dia dos namorados. A história de Elize Matsunaga precisa de um filme europeu pesado, triste, não comercial, daqueles que nos expulsam da sala de cinema com a mesma força com que mergulham dentro de nós.  
Diante do tamanho das nossas necessidades, e da nossa imensa complexidade, a indústria do amor está fadada a nos desapontar. Ela oferece música para um momento de dor, mas mil músicas são incapazes de nos consolar quando acabamos de ser abandonados. Ela nos dá lindas histórias de amor, mas quem pode com elas quando está coberto por um manto intransponível de medo e tristeza? 
O paradoxo do amor público, industrial, feliz, multiplicado nas redes sociais e nas salas de Multiplex, é que as nossas experiências realmente importantes são incomunicáveis e intransferíveis. Apesar do estardalhaço social, estamos sozinhos frente ao amor. Cabe a cada um de nós encontrá-lo, vivê-lo ou perdê-lo intimamente. É inevitável gemer sozinho no escuro, cercado de silêncio. O pessoal da rosa amarela não estará disponível se você precisar deles. 

Grandes e Pequenas Mulheres

    Há mulheres de todos os gêneros. Histéricas, batalhadoras, frescas, profissionais, chatas, inteligentes, gostosas, parasitas, sensacionais. Mulheres de origens diversas, de idades várias, mulheres de posses ou de grana curta. Mulheres de tudo quanto é jeito. Mas se eu fosse homem prestaria atenção apenas num quesito: se a mulher é do tipo que puxa pra cima ou se é do tipo que empurra pra baixo.
    Dizem que por trás de todo grande homem existe uma grande mulher. Meia-verdade. Ele pode ser grande estando sozinho também. Mas com uma mulher xarope ele não vai chegar a lugar algum.
    Mulher que puxa pra cima é mulher que aposta nas decisões do cara, que não fica telefonando pro escritório toda hora, que tem a profissão dela, que o apóia quando ele diz que vai pedir demissão por questões éticas e que confia que vai dar tudo certo.
     Mulher que empurra pra baixo é a que põe minhoca na cabeça dele sobre os seus colegas, a que tem acessos de carência bem na hora que ele tem que entrar numa reunião, a que não avaliza nenhuma mudança que ele propõe, a que quer manter tudo como está.
    Mulher que puxa pra cima é a que dá uns toques na hora de ele se vestir, a que não perturba com questões menores, a que incentiva o marido a procurar os amigos, a que separa matérias de revista que possam interessá-lo, a que indica livros, a que faz amor com vontade.
    Mulher que empurra pra baixo é a que reclama do salário dele, a que não acredita que ele tenha taco pra assumir uma promoção, a que acha que viajar é despesa e não investimento, a que tem ciúmes da secretária.
    Mulher que puxa pra cima é a que dá conselhos e não palpite, a que acompanha nas festas e nas roubadas, a que tem bom humor.
    Mulher que empurra pra baixo é a que debocha dos defeitos dele em rodinhas de amigos e que não acredita que ele vá mais longe do que já foi.
    Se por trás de todo grande homem existe uma grande mulher, então vale o inverso também: por trás de um pequeno homem talvez exista uma mulherzinha de nada.
- Martha Medeiros -
 

Ah a maturidade...


domingo, 17 de junho de 2012

Martha.

“Já fui julgada até crucificada. Já fui enaltecida e muito amada. Já fui certa e errada. Já julguei e condenei. Me arrependi e me desculpei. Já fiz de tudo um pouco porque meu verbo é solto. Se sinto, preciso falar, se me incomoda tenho que questionar. Mal interpretada costumo ser mas o que posso fazer quando preciso dizer o que vai dentro do meu coração e bole com a minha emoção. Já fui injusta com quem não deveria ser e cruel com quem fez por merecer. Já fui bondosa e companheira. Já fui até a enfermeira de vidas que desabavam. Já fui bombas que estouravam em meio a guerras devastadoras. Já fui a doutora que curou um coração que se feriu por amor. Já fui a personagem esquecida e a atriz principal. Já fui recatada e imoral. Já fui alguém que o vento levou e que trouxe, de volta, por um favor. Já acertei e errei adoeci e me curei. Já pedi e implorei. Já cedi, vendi e dei. Já me culpei e me torturei por tantas coisas que nem sei. Já corri muito atrás mas era longe demais e não consegui chegar. Já rasguei lembranças que não prestavam mais. Já remexi o lixo para achá-las e de volta, na gaveta, colocá-las. Já fiz de tudo um pouco afinal sou normal, só não posso revelar o etc e tal.”
(Martha Medeiros)

sábado, 16 de junho de 2012

Simpatia


O romance acabou?


Diante do comportamento das mulheres, tenho um amigo que acha que sim!

IVAN MARTINS

Homens também se queixam. Ao contrário do que imaginam as mulheres, muitos deles estão perdidos e confusos com a forma atual dos relacionamentos. Muitos homens se ressentem da falta de relações mais claras, mais corteses, menos predatórias. Sofrem com isso. Tendo vivido experiências ruins e inesperadas, eles se perguntam, angustiados, se o romance acabou. 

Conto uma história:
Tenho um amigo que acaba de se separar depois de 10 anos exatos de casamento. Está de volta ao mercado faz alguns meses e descobriu que as coisas mudaram. “As mulheres não são mais as mesmas”, ele concluiu. Meu amigo teve duas experiências parecidas, ambas ruins.
Na primeira, conheceu uma garota numa festa, passaram uma noite bacana – que teve romance, mas não chegou ao sexo – durante a qual ela insistiu, mais de uma vez, que eles deveriam voltar a se ver. Claro, ele disse. Havia gostado da garota. Trocaram telefones. Quando ele ligou, uns dias depois, ela atendeu de forma apressada e evasiva. Meu amigo deixou passar outro par de dias e ligou novamente. Desta vez marcaram um encontro, durante o qual ela se portou de forma distante e fria. Atônito, ele procurou a amiga que os havia apresentado e soube que a garota “tinha problemas com um ex-namorado”. Desistiu de procurá-la.
A outra experiência foi pior. Ele conheceu uma garota, transaram e começaram uma relação. Escaldado pela experiência anterior, diz que evitou procurar demais ou ligar demais ou parecer interessado demais. Funcionou, por algum tempo. Mas, estimulado pelas demonstrações de carinho, interesse e até ciúme da parte dela, ele diz que baixou a guarda e se deixou envolver. Então as coisas começaram a desandar. Diante de alguns perdidos, depois que ela sumiu um fim de semana inteiro, ele perguntou o que estava acontecendo e ouviu um clássico: “Não gosto de ser cobrada”. Daí foi ladeira abaixo até a ruptura, alguns dias e vários telefonemas infames depois. Essa parte todo mundo sabe como é.
Meu amigo está bravo, perplexo e pessimista.
Acha que durante o seu casamento ocorreu uma mutação que transformou as mulheres em bichos masculinizados. Elas não querem proximidade, intimidade, compromisso. O jeito tradicional de conquistá-las – oferecendo atenção, carinho e exclusividade – não funciona mais. Homens e mulheres dizem ao meu amigo que “essas meninas não sabem se relacionar”. Que o único jeito com elas é transar, tratar mal e manter distância. Assim elas ficam interessadas. “Têm pânico de envolvimento”, dizem a ele. Namoro como ele gostaria não existe mais, garantem. Relaxar gostosinho e viver um relacionamento apaixonado? Nem pensar: cada um tem duas ou três pessoas para consumo eventual, mas, a rigor, ninguém é de ninguém. É open bar, dizem a ele, mas não se pode levar nada para casa.
O que vocês acham disso?
Mas essa é apenas metade da verdade.Eu acho que estão dizendo ao meu amigo apenas meia verdade. Sim, as coisas mudaram nos últimos anos. As relações entre homens e mulheres se tornaram mais duras, mais ásperas. Sim, as mulheres masculinizaram seu comportamento. Muitas agem com o mesmo desapego e frieza com que os homens sempre agiram: pegam, transam, largam. É uma espécie de retribuição. É também o prazer de exercer seus desejos sem culpas e sem remorsos, sem amarras morais. Com descaso pelo outro, claro. É um mundo darwiniano em que todo mundo bate e todo mundo sofre. Quem pode mais chora menos. Mas qual a surpresa? Vivemos o individualismo triunfante em todos os aspectos da existência, não seria diferente nos relacionamentos afetivos: “Ema, ema, ema, cada um com seus problema”. 
A outra metade – eu acho - é que nem todas as garotas estão felizes. Muitas estão loucas para descer da roda-gigante. Também querem carinho e sossego. Precisam ser amadas, bem tratadas, bem comidas. Nunca ter ninguém na noite de sexta-feira é uma droga. Acordar de ressaca no sábado ao lado de um cara qualquer não é o melhor começo de um fim de semana. Andar por aí procurando, todo o tempo, procurando. Quem quer essa vida? Em vez disso, que tal dirigir até a praia de casal, viajar para o Rio no feriado, andar de mãos dadas em agosto na avenida Paulista, antes de entrar no cinema? Minha experiência sugere que boa parte das garotas está interessada em romance, mas nem sabe direito onde procurar – e talvez nem saibam o que fazer quando a possibilidade se apresenta. Há tanto lixo na nossa cabeça que às vezes fica difícil ser feliz, né?
Digo a vocês, portanto, o que eu tenho dito ao meu amigo: paciência.
A mulher certa aparece, as coisas rolam. Já aconteceu comigo, vejo acontecendo à minha volta o tempo todo. As gatas mais selvagens acabam convertidas à monogamia pela dose certa de atenção, sexo e sentimento. Ao menos temporariamente. As mulheres mais evasivas podem ser envolvidas por uma conversa sincera e inteligente – desde que ela venha na hora certa, talvez do cara certo. Há que tentar sem medo.
Importante é não se deixar levar pela misoginia corrente, provocada pela perplexidade e pelo ressentimento dos homens. As mulheres não viraram monstros egoístas. Elas viraram seres humanos mais parecidos conosco. Demonizar o comportamento feminino não ajuda a entender droga nenhuma. Assim como não adianta endeusá-las. Nem santas, nem putas e nem filhas da puta, elas são só garotas.  

Um Deus que sorri !!!

"Eu acredito em Deus. 

Mas não sei se o Deus em que eu acredito é o mesmo Deus em que acredita o balconista, a professora, o porteiro.

O Deus em que acredito não foi globalizado.

O Deus com quem converso não é uma pessoa, não é pai de ninguém.
É uma idéia, uma energia, uma eminência.

Não tem rosto, portanto não tem barba.

Não caminha, portanto não carrega um cajado.

Não está cansado, portanto não tem trono.

O Deus que me acompanha não é bíblico.

Jamais se deixaria resumir por dez mandamentos, algumas parábolas e um pensamento que não se renova.

O meu Deus é tão superior quanto o Deus dos outros, mas sua superioridade está na compreensão das diferenças, na aceitação das fraquezas e no estímulo à felicidade.

O Deus em que acredito me ensina a guerrear conforme as armas que tenho e detecta em mim a honestidade dos atos.
Não distribui culpas a granel: as minhas são umas, as do vizinho são outras, e nossa penitência é a reflexão.
Ave Maria, Pai Nosso, isso qualquer um decora sem saber o que está dizendo.

Para o Deus em que acredito só vale o que se está sentindo.

O Deus em que acredito não condena o prazer. Se ele não tem controle sobre enchentes e violência, se não tem controle sobre traficantes, corruptos e vigaristas, se não tem controle sobre a miséria, o câncer e as mágoas, então que Deus seria ele se ainda por cima condenasse o que nos resta: o lúdico, o sensorial, a libido que nasce com toda criança e se desenvolve livre, se assim o permitirem?

O Deus em que acredito não é tão bonzinho: me castiga e me deixa uns tempos sozinha.

Não me abandona, mas me exige mais do que uma visita à igreja, uma flexão de joelhos e uma doação aos pobres: cobra caro pelos meus erros e não aceita promessas performáticas, como carregar uma cruz gigante nos ombros.

A cruz pesa onde tem que pesar: dentro. É onde tudo acontece e tudo se resolve.

Este é o Deus que me acompanha.

Um Deus simples.

Deus que é Deus não precisa ser difícil e distante, sabe-tudo e vê-tudo.

Meu Deus é discreto e otimista. Não se esconde, ao contrário, aparece principalmente nas horas boas para incentivar, para me fazer sentir o quanto vale um pequeno momento grandioso: um abraço numa amiga, uma música na hora certa, um silêncio.

É onipresente, mas não onipotente.

Meu Deus é humilde.

Não posso imaginar um Deus repressor e um Deus que não sorri.

Quem não te sorri não é cúmplice."
 
(Martha Medeiros)





quinta-feira, 14 de junho de 2012

Há momentos...


Há momentos na vida em que sentimos tanto
a falta de alguém que o que mais queremos
é tirar esta pessoa de nossos sonhos
e abraçá-la.

Sonhe com aquilo que você quiser.
Seja o que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que se quer.

Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.

As pessoas mais felizes
não têm as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor
das oportunidades que aparecem
em seus caminhos.

A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passam por suas vidas.

O futuro mais brilhante
é baseado num passado intensamente vivido.
Você só terá sucesso na vida
quando perdoar os erros
e as decepções do passado.

A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar
duram uma eternidade.
A vida não é de se brincar
porque um belo dia se morre.
Clarice Lispector





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