Uma nova pesquisa revela o que deixa as crianças brasileiras alegres ou tristes
THAIS LAZZERI / REVISTA ÉPOCA
Criar filhos felizes é uma das maiores preocupações dos pais – e começa antes mesmo de eles nascerem. O que deixa as crianças realmente felizes? Brinquedos, viagens ou parques de diversões? Uma pesquisa exclusiva mostra, pela primeira vez, o que sentem as crianças brasileiras. E ninguém melhor que elas próprias para contar o que as deixa felizes ou tristes.
A pedido da Sociedade Brasileira de Pediatria, o instituto de pesquisas Datafolha ouviu 1.525 crianças, de 4 a 10 anos, de 131 municípios. Até então, não existia no Brasil uma investigação sobre esses sentimentos. Não era possível afirmar se a diferença cultural ou a classe econômica poderia contribuir para o grau de felicidade na infância. Para surpresa dos pesquisadores, nenhum desses fatores foi significativo. Crianças do Recife deram respostas muito parecidas com as de São Paulo ou Porto Alegre. “Os sentimentos se mostraram universais”, afirma Eduardo Vaz, pediatra, presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
O estudo contemplou os estados emocionais da criança em relação à família, ao futuro, às brincadeiras e à escola. E aí veio mais uma surpresa: o que deixa a criança mais feliz são coisas simples, como estar com os avós, brincar com os amigos e praticar esportes. Para saber se os pais têm essa mesma percepção, ÉPOCA conversou com dez famílias, das cinco regiões brasileiras. A seguir, os resultados.
Família
Querer ficar perto dos pais, dos irmãos e... dos avós. Sim, dos avós também. É isso que deixa 87% das crianças brasileiras mais alegres, de acordo com a pesquisa. E eles estão mais presentes no dia a dia dos netos por vários motivos.
Querer ficar perto dos pais, dos irmãos e... dos avós. Sim, dos avós também. É isso que deixa 87% das crianças brasileiras mais alegres, de acordo com a pesquisa. E eles estão mais presentes no dia a dia dos netos por vários motivos.
Os avós de hoje chegam à velhice mais saudáveis, conectados e menos saudosistas. Lucia Maria Chavez mora em São Paulo e os netos, Fernando, de 11 anos, e Leonardo, de 5 anos, em São Carlos. Mas eles se falam todos os dias, por Skype ou telefone. Quando a mãe, a nutricionista Fernanda Mozeto, trabalhava fora e uma das crianças tinha febre, a avó percorria os 255 quilômetros que separam as duas cidades para cuidar do neto. “Os avós são repositórios da história daquela família”, diz Lídia Aratangy, psicóloga, autora deNovos desafios da convivência(Ed. Rideel). “A presença deles traz, para a criança, a segurança de onde ela veio.”
Estar perto dos pais também é motivo de alegria para a maioria das crianças. Para 87%, ficar perto da mãe; para 78%, do pai. E um dos fatores que mais entristecem as crianças é ficar longe deles. Cerca de 71% dizem ficar muito tristes quando longe do núcleo da família (geralmente o pai e a mãe).
O dia do aniversário aparece como motivo de alegria para 96% das crianças. Não só os presentes são responsáveis pela felicidade dos pequenos, mas a atenção que recebem na data da família e dos amigos também – além do próprio fato de crescerem oficialmente.
Longe do estereótipo de família perfeita, saber que a proximidade é tão importante para o bem-estar da criança pode ajudar os pais a, dentro do possível, adotar pequenas atitudes que façam diferença para os pequenos. Pode ser um recado surpresa na lancheira, uma ligação no meio da tarde, um SMS ou usar a hora do almoço para buscá-lo na escola. Levar ao cinema ou a um parque também é bom, mas a presença dos pais faz mais diferença que o tipo de programa. Como disse o escritor Guimarães Rosa, “felicidade se acha em horinhas de descuido”.
Fazer refeições em família, mostrou a pesquisa, deixa 87% das crianças felizes. Mas e aquele dia em que a mãe chega tarde do trabalho e os filhos estão dormindo? “Esses momentos pontuais não importam se os pais estão presentes”, afirma Lídia. Presença física é importante, mas não é só a isso que Lídia se refere quando fala em presença. Saber onde o filho está, o que vai comer, se está usando casaco em dia de frio, se voltou da escola bem ou se vai ter um aniversário de um colega e é preciso comprar um presente são cuidados à distância que fazem diferença na relação familiar. “As crianças sentem essa conexão”, diz Lídia.
Uma vez que é ouvida, valorizada, recebe atenção e carinho, a criança sente que pode confiar nos pais. Essa confiança torna-se um canal aberto para o diálogo na adolescência. O que não significa que percalços não acontecerão. Mas, se algum problema ocorrer, esse adolescente tem intimidade para se abrir e pedir ajuda.
Futuro e autoestima
Essa teia de intimidade construída com a família se reflete em outra área importante no desenvolvimento infantil: a autoestima, capacidade de se gostar e de se valorizar. A pesquisa mostrou que os pais estão no caminho certo: 86% das crianças ficam alegres quando se veem numa fotografia e 87% quando se imaginam adultas.
Gostar de ver a própria imagem é um sinal positivo sobre a autoestima. Ficar feliz ao se imaginar adulto demonstra segurança sobre quem é, o que vai se tornar e mostra esperança no futuro. Para Odair Furtado, psicólogo, professor do programa de psicologia social da PUC-SP, isso é reflexo de uma mudança profunda em nossa sociedade. A condição de vida do brasileiro melhorou, principalmente nas classes mais baixas, e a perspectiva de futuro, enfim, deixou de ser apenas sonho. “O futuro se concretizou”, afirma.
A imagem é um dos blocos na construção da autoestima. Os outros blocos podem ser aprendidos no dia a dia, com a ajuda dos pais. Valorizar conquistas, como quando a criança aprende a andar de bicicleta sem rodinhas, é uma delas. E ajudar a levantar do chão quando ela cair. “Os pais precisam permitir que o filho enfrente desafios”, diz Ana Olmos, psicanalista infantil e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP).
Mas nem sempre ela vai conseguir. Aprender a se frustrar é tão importante quanto saber lidar com críticas quando elas dão apoio para avançar e não desistir. Por exemplo: ensinar à criança os melhores movimentos para o jogo de damas é educativo. Deixar propositadamente que ela ganhe, não. “Quando for confrontada fora de casa, não vai saber lidar com isso”, diz Ana.
Uma amostra de como a criança percebe as críticas familiares de forma positiva é como ela percebe a bronca de uma forma diferente dos pais. Para sete dos dez pais ouvidos, bronca é o maior motivo de tristeza para os filhos dentro de casa. Para 71% das crianças, a maior chateação é ficar sem os pais. A bronca não aparece como motivo de tristeza no levantamento. “Mesmo quando fica triste por ser repreendida, a criança se sente inconscientemente protegida”, diz Ana Olmos. “A partir dos 6 anos, as crianças têm a percepção consciente de que os pais estão discutindo com elas para seu bem.”
Brincadeiras
Um dos dilemas dos pais modernos é o que oferecer para que os filhos tenham as melhores oportunidades no futuro. Além de se preocupar com cursos extracurriculares, como aulas de língua estrangeira, é importante preservar o tempo da brincadeira. “Brincando as crianças aprendem habilidades que vão além do desenvolvimento motor e cognitivo”, afirma Maria Ângela Barbato Carneiro, coordenadora do Núcleo de Cultura e Pesquisas do Brincar da PUC-SP. “Ela aprende a argumentar, a ser ouvida, a prestar atenção, a organizar e liderar, a propor novas alternativas.”
Na pesquisa da SBP, as brincadeiras aparecem como atividades favoritas quando as crianças não estão na escola. E, ao contrário do que muitos pais pensam, tecnologia não é o primeiro item da lista. Seis entre dez pais entrevistados apontaram videogames e internet como distrações favoritas. Na pesquisa com as crianças, apareceram brincar de boneco ou boneca e de carrinho como brincadeiras individuais favoritas. Videogame está em quarto lugar nessa categoria. Dentre as distrações em grupo, as crianças elegeram jogar bola, andar de bicicleta e brincar de esconde-esconde. As atividades que faziam sucesso na infância dos adultos são as mesmas que fazem a alegria dos pequenos de hoje.
Outra impressão dos pais desfeita pela pesquisa é o que deixa os filhos muito tristes. Os adultos de sete famílias, dentre as dez ouvidas, apontaram perder em jogos e competições. Para 47% das crianças, tristeza é brincar sozinho. Perder não foi citado como motivo de tristeza.
A publicitária Adriana Ceresér, de 37 anos, leva as filhas, Gabriela, de 9, e Gisela, de 6, desde pequenas para brincar em espaços públicos, mesmo tendo quintal em casa. “Quero que elas tenham outros núcleos de amizade”, afirma. Nos fins de semana, toda a família anda de bicicleta. Quando não vão, as meninas reclamam. “Sinto que isso as deixa desenvoltas.” E os ganhos são físicos também. “Elas já andam de bicicleta sem rodinhas, enquanto os primos, que não passeiam sempre, ainda usam”, diz Adriana.
As brincadeiras são um estímulo para as crianças se engajarem numa atividade física no futuro. A pesquisa mostra que 93% delas gostam de praticar esporte. Como explicar, então, que uma em cada três crianças, segundo o Ministério da Saúde, está acima do peso? É simples. “Gostar não significa que pratiquem, nem que conheçam diversas opções”, diz Beatriz Perondi, pediatra e médica do esporte do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Brincar com jogos esportivos no videogame não substitui a prática de verdade. Uma hora de brincadeira gasta cerca de 700 calorias, em comparação a 150 calorias em frente à televisão. “Fazer do esporte uma atividade familiar prazerosa contribui para a formação do hábito de praticar depois”, diz Beatriz.
Escola
Quando perguntadas do que gostavam na escola, as crianças não titubearam: 91% citaram as férias. E 89%, o recreio. O segundo número mostra que a escola é um lugar onde a criança se sente bem porque tem a oportunidade de interagir. “Elas gostam dos momentos em que podem brincar sem atividades guiadas”, afirma Maria Márcia Malavasi, coordenadora de pedagogia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A lição é motivo de alegria (acredite) para 65% das crianças. A servidora pública Lara Barcelos de Carvalho, de 38 anos, moradora de Sobradinho, no Distrito Federal, faz questão de acompanhar a hora da lição de casa. Caçula de 16 irmãos, ela quer dar aos filhos Matheus, de 11 anos, Felipe, de 7, e Geovana, de 6, o acompanhamento que não teve. “Eles entendem melhor quando estudo com eles”, afirma. Os amigos dos filhos pedem para fazer trabalhos do colégio na casa de Lara. “Desejo que cada um desempenhe, da melhor forma, a capacidade que tem.” E esse não é um caminho para alcançar a felicidade?
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