Filhos renovam os pais. Em vez de resistir, aprenda com eles!
- Não dá para falar agora, mãe. Preciso terminar esse vídeo até amanhã.
Alguns dias antes, minha menina de 12 anos havia pedido para comprar, com meu cartão de crédito, um programa para ajudá-la a produzir vídeos no tablet.
Em cima da cama, a montanha de álbuns da infância, recheados de fotos em papel, dava uma pista do projeto que a mantinha tão concentrada. Quando ela finalmente explicou do que se tratava, sorri por dentro. Feliz, orgulhosa da sensibilidade da cria.
A amiga mais próxima, vizinha de porta, companheira de aventuras desde que as duas tinham um ano de idade, faria aniversário no dia seguinte. Depois de tantos anos dividindo tudo, as duas terão de se acostumar com a ideia da separação. No final do ano, a garota se muda com a família para o Exterior.
Bia, minha filha, quis preparar um presente especial. Alguma coisa que a quase irmã pudesse ver e rever, sempre que tivesse saudade ou vontade de relembrar as emoções daquela convivência. As brigas, os chamegos, o apoio mútuo, os desafios, as descobertas dos primeiros anos.
O vídeo ficou pronto naquela mesma noite. Quando sentei ao lado dela para assistir, tentei disfarçar meu coração de manteiga. Em vão, é claro. Se existe alguém que conhece meus excessos esse alguém é ela.
Meus olhos ficaram molhados logo na primeira cena. Assim que surgiu na tela o nome de sua produtora imaginária. O que vi depois do “Bia Segatto Filmes apresenta...” foi um lindo exercício de síntese. A escolha da palavra exata, da imagem exata para traduzir em pouco mais de um minuto uma história que demorou 12 anos para ser construída.
A história daqueles dois pacotinhos de gente que cresceram e estão virando adolescentes cheias de gostos, de opiniões e de uma alentadora capacidade de enxergar o outro com olhos solidários.
Escolher a palavra exata, a imagem exata, a síntese perfeita é também a obsessão do meu ofício. Persigo a simplicidade, a clareza, o essencial. A Bia, que já me ensinou tanto sobre a vida, está me ajudando também a avançar nesse objetivo profissional.
A geração dela está exposta a um bombardeio sem precedentes de informações, de estímulos visuais, sensoriais, de luxo e de lixo. Por isso mesmo, essa geração desenvolveu uma capacidade incomum de ir direto ao ponto. De pinçar o que interessa. De selecionar, classificar, resumir. É econômica na linguagem e no uso do tempo, mas não perde de vista o alvo de interesse. É a geração dos olhos de lince.
Sempre é possível fazer diferente. E até mesmo desafiar os limites biológicos da reinvenção. Que nos sirva de inspiração o trabalho que rendeu nesta semana o Prêmio Nobel de Medicina ao japonês Shinya Yamanaka.Já pedi para a Bia me dar umas aulas com o programa novo. Vou aprender com ela a fazer vídeos, vou me exercitar na arte do despojamento, vou aparar os excessos. Essa menina me reprogramou. E a obra está inacabada. Enquanto houver vida existe a chance de reinvenção.
Ele também é um obcecado pelo fundamental, pelo indispensável. E assim descobriu os quatro genes essenciais capazes de fazer uma célula adulta voltar no tempo. E se comportar como se fosse imatura, embrionária, com o potencial de seguir qualquer caminho, virar qualquer coisa.
Não gosto de usar a palavra “revolucionária” para me referir a criações científicas. Esse cuidado nos livra do risco de anunciar uma revolução por dia, mas a descoberta de Yamanaka realmente mudou os rumos da pesquisa biomédica. Por isso, ele ganhou um Nobel em apenas seis anos – um reconhecimento que os laureados costumam levar décadas, ou uma vida inteira, para conquistar.
Yamanaka reprogramou a própria carreira (era um cirurgião ortopédico frustrado), reprogramou o desenvolvimento das células, reprogramou o jeito de fazer ciência biomédica e, se tudo correr como o previsto, vai permitir que o destino de milhares de pacientes seja reprogramado. Quem quiser saber detalhes sobre essas pesquisas encontra neste link uma reportagem que fiz num laboratório da UFRJ com a equipe que faz no Brasil aquilo que Yamanaka fez no Japão.
Yamanaka reprogramou a própria carreira (era um cirurgião ortopédico frustrado), reprogramou o desenvolvimento das células, reprogramou o jeito de fazer ciência biomédica e, se tudo correr como o previsto, vai permitir que o destino de milhares de pacientes seja reprogramado. Quem quiser saber detalhes sobre essas pesquisas encontra neste link uma reportagem que fiz num laboratório da UFRJ com a equipe que faz no Brasil aquilo que Yamanaka fez no Japão.
Tudo o que Yamanaka descobriu é real, mas as células reprogramadas guardam alguma semelhança com Benjamim Button, o protagonista da incrível fábula sobre o tempo estrelada por Brad Pitt. Nos dois casos, o tempo é um mero detalhe.
Tudo isso nos ajuda a lembrar que a vida pode ser reinventada.Com filhos por perto, tudo fica mais fácil. Filhos renovam os pais. Não apenas lançam moda, apresentam músicas e tribos como nos obrigam a sair do conforto. Argumentam, incitam, discutem. Ajudam a ver que as coisas funcionam de um jeito, mas bem que poderiam funcionar melhor de outro.
Nem sempre a convivência é pacífica e indolor, mas estou convencida que ter filhos é melhor que não tê-los. Filho amansa, acalma, enverga, reprograma.
Como a Bia fez comigo e Yamanaka fez com o mundo, neste Dia das Crianças desejo constante reprogramação a todos nós. Na minha mesa aqui na redação há um cartão exposto num lugar de destaque. Ele traz um poema de Cora Coralina. É inspiração para todos os dias. Espero que também tenha algo a dizer a vocês:
Como a Bia fez comigo e Yamanaka fez com o mundo, neste Dia das Crianças desejo constante reprogramação a todos nós. Na minha mesa aqui na redação há um cartão exposto num lugar de destaque. Ele traz um poema de Cora Coralina. É inspiração para todos os dias. Espero que também tenha algo a dizer a vocês:
“Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.”
João Pedro, 16, e eu. |
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