quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Ninguém teve culpa de nada


Mais uma nos Homens de Segunda de Hoje: o roteirista Marcelo Zorzanelli diz que revirar o túmulo de um relacionamento em busca de culpados é a forma mais fácil de perder tempo e atrapalhar o próprio futuro.
“Ah, mas eu era muito mais velho naquele tempo/
Eu hoje sou muito mais jovem”
Sempre fui fascinado por estes versos. São de um poeta americano do século passado. Para mim, dizem tudo o que se precisa saber sobre a excelsa arte de envelhecer.
Como é comum a muita gente, alguns versos brotam do chão, da memória mais profunda minando para a consciência, como a resposta a alguma questão que aborrece. No meu caso, foi um email. Queria que o email tivesse sido para outra pessoa, mas era para mim.  Às vezes, quando estou com a alma já carregada, finjo não reparar que falaram comigo. Quando você sabe que não vai conseguir carregar mais um peso. Mas o email estava lá e eu senti pelo tilintar dos pratos na cristaleira que era um trator vindo na minha direção. Tinha que ler.
Cogitei parar de lê-lo a partir do primeiro parágrafo. Era o retomar de uma conversa amarga, aquela mesma conversa aziaga que não se resolve, espiraliza em rolos que nem fumaça de madeira, vai subindo pelo céu e turvando o ar. Estava escrito lá que eu jamais fora eu mesmo. Que nunca fora o que prometi ser. O objetivo era mostrar que alguém estava errado, sempre esteve, e este alguém mora na minha casa, usa meus sapatos, atende pelo meu nome, enfim, que este alguém era e sou eu. Não me defendi. Talvez ela esteja certa.
“Você foi muito cruel nestas linhas”, respondi à hora. Agora, confesso que discordo de mim. Ela não foi cruel. Eu, realmente, agi mal. Diversas vezes, não lembro quantas. Agi mal até quando não sabia que estava agindo mal. Fiz mal tentando fazer o bem. Empurrei para longe algo que queria ter perto, como quando nos esticamos para tentar pegar algo com a ponta dos dedos. (Esta imagem eu ouvi, criança, no seriado da Punky Brewster. Juro).
Mas não é isso que me ficou desta experiência, depois de bastante pensar. O que eu quero dizer é que não há culpa quando duas pessoas se amaram. Eu tentei achar a tal culpa por muito tempo.
Se ninguém tem culpa/ não se tem condenação“, cantou Sérgio Sampaio. ” Não fui eu nem Deus/Não foi você nem foi ninguém/ Tudo o que se ganha nessa vida/É pra perder”.
O que venho tentando dizer, e perdão a você cara leitora, arrastada até aqui por esta prosa mal-arranjada, é que não vale a pena se explicar. Não vale a pena falar, repisar, repensar, discutir, analisar, procurar crimes. Esse foi o nosso erro desde a primeira discussão. É o erro de todos. Tratar a vida a dois com a disposição cartesiana de dois controladores de tráfego, dois engenheiros chatos. Dois velhos turrões. Quem perdoa com facilidade? Uma criança perdoa com facilidade. Um adulto, não. Por isso os versos do começo. Eu era muito mais velho naquele tempo. Estou tentando ficar mais jovem agora.
Cada um construiu sua própria versão a partir das memórias e foi em cima deste espólio que ambos tocaram a vida desde então. Voltar ao assunto para tentar convencer o outro de algo será a mais inglória e infrutífera das empreitadas.
Não precisa voltar a nada. Está tudo resolvido como está. Eu acreditava no mito da conversa que lavava a alma, que cicatrizava feridas antigas, na verdade terminava de sará-las, elas que já estavam melhores depois de tanto tempo. Esta conversa é absolutamente desnecessária — aqui está a mensagem. Se formos falar, que falemos de outra coisa. De coisas novas, de coisas jovens, da sua nova alegria ao lado de alguém. Está tudo perdoado. Para sempre.
Éramos muito mais velhos naquele tempo. Vamos remoçar.

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