segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Sobre o choro sem razão e a nossa paciência


 Toda a casa ateia choro. Uma criança pequena se enfureceu porque propus trocar o pijama quente por algo mais fresquinho, mas eis que ela não queria ajuda, eu não sabia, e tudo desandou. Cansaço? Será?
A mais velha, aquela altura, já tinha aprontado a dela porque hoje tudo é disputa, e até meu abraço virou alvo desse embate. Preciso entrar em casa duas vezes para oferecer dois primeiros abraços. Abro a porta, entro e abraço uma. Saio, fecho, abro de novo, com a mesma cara surpresa de quem acaba de entrar, e abraço a outra. Foi a conciliação perfeita. Coisa de doido essa bateção de portas.
Mas você sabe me explicar por que a coisa desanda assim num ato tão inocente? A mãe propõe trocar a camisola e o mundo cai.
 Minha casa não é muito diferente da sua e de todo mundo. Palavras certas ditas na hora certa também detonam crises. Crianças felizes se portam como insatisfeitas.
 Só que eu estava falando do choro pela casa. Ignorei e fui para a cozinha fazer a vitamina da noite que era o melhor que eu poderia fazer. Tentar consolar o inconsolável é perda de tempo.
 Sentada no banco alto em cima das mãos e balançando as pernas, a mais velha me espiava, provavelmente tentando entender como eu conseguia ignorar o berreiro da irmã. De uma hora para outra, a balbúrdia cessou. Foi quando percebi que a minúscula e faladeira menina aparecia na porta da cozinha, e eu comecei a contar alto o que estava acontecendo.
 ”Vou botar o LEITE…agora a farinha LÁCTEA…um pouquinho de fruta….banana talvez. Que PENA que estou sem ajuda, não é Letícia? Que pena que não tem ninguém para provar o leite para mim…”
 A dona das pernas balançantes riu e olhou para a irmã escondida na porta.
Botei a vitamina no copo e deixei-o estrategicamente na beirada do granito da pia, onde ela poderia alcançá-lo na ponta dos pés.
 ”Vou deixar aqui, então, porque não tem ninguém para pegar”.
E dei as costas.
 Comecei a preparar o lanche da mais velha enquanto um copo cambaleante voltava a procurar seu lugar no granito, com uma pequena mão por trás. Fingi levar um susto.
 ”O quê!? O que esse copo vazio tá fazendo aqui? Ele não estava cheio?”
Risinhos.
 ”Filha, você sabe se alguma fadinha esteve por aqui?”
“Eu não…”, disse a mais velha, me ajudando na brincadeira.
“Será que esse ser invisível quer mais um pouco?”
“Quelo”, respondeu a voz risonha.
 Enchi o copo. Deixei-no na pia e flagrei a criança na hora pegando a vitamina.
“Arrá!!! Então era você o tempo todo?”
 O sorrisinho inocente mordia o canudo do copo, se escorando como quem tenta derrubar a parede atrás de si, tanta era a vontade de sair correndo, caso eu ameaçasse com um “vou te pegar”. Foi o que fiz. E ela disparou.
 Demorou mas passou. A criança me olhava e sorria. Gargalhava feliz, enquanto minha alma infantil se surpreendia com as nuances dessa história que chamam papel de mãe. Suspirei. Não pensei em nada. Senti uma pequena satisfação por não ter embarcado na onda errada.
 Cansada, a gente tende a não brincar. Sob pressão ou efeito de quaisquer problemas, a gente corre o risco de sucumbir ao sobe-e-desce do mundo infantil e, às vezes, pior, acaba escolhendo a tangente que nos leva para longe delas.
 O berreiro não tem a menor importância. O foco sou eu. Como lidar com tantas emoções, as nossas e as delas.



Isabel Clemente é editora de ÉPOCA no Rio de Janeiro.

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