sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Gianecchini, a beleza e o linfoma


Para quem depende da aparência, o câncer é especialmente cruel.
CRISTIANE SEGATTO
  Reprodução
CRISTIANE SEGATTO 
Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 15 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo. Para falar com ela, o e-mail de contato écristianes@edglobo.com.br
Gosto de andar a pé, de ônibus, de metrô. De boca fechada e ouvidos bem abertos. Essas andanças me fazem perceber que o câncer do ator Reynaldo Gianecchini continua provocando perplexidade. O diagóstico que ele recebeu já é notícia velha, mas é o tipo de acontecimento que precisa de tempo para ser digerido. 

Seja qual for o motivo (morbidez, curiosidade, solidariedade, falta do que fazer?), as pessoas ainda sentem necessidade de falar sobre ele. Quase sempre, arrematavam o comentário com o mesmo lamento: “Ninguém esperava”. 

Por que ninguém esperava? Qualquer pessoa está sujeita ao câncer. Inclusive jovens de aparência saudável. O risco de ter a doença aumenta à medida que envelhecemos, mas não são raros os casos de bebês, crianças e adolescentes marcados pela doença. 

Se não é a idade nem a aparência saudável de Gianecchini que subvertem a imagem construída pela sociedade daquilo que deveria ser um doente de câncer, o que é então? Suspeito que seja a beleza incomum. 

É difícil aceitar que um galã como ele tenha câncer. É claro que essa aparente contradição não resiste a uma análise racional. Como, em grande parte, somos movidos por impressões e sentimentos, a estranheza persiste. 

Aos 38 anos, o ator recebeu o dignóstico de linfoma não-Hodgkin de células T. É um tipo menos comum (ocorre em menos de 15% dos casos) e mais agressivo. A doença pode evoluir rapidamente e se disseminar. O linfoma de células B que a presidente Dilma Rouseff teve é mais fácil de tratar. 
LINFOMA DE HOGDKIN 
Rita em 2007, quando estava em tratamento do linfoma e deu entrevista para ÉPOCA.
Gianecchini começou a fazer quimioterapia. Será um tratamento em altas doses. É possível que ele também precise de radioterapia e de um autotransplante de medula óssea. Diferentemente do que ocorre com os linfomas de células B, ainda não existe um tratamento moderno e específico para combater linfomas como o do ator. 

É provável que em breve ele apresente os efeitos colaterais clássicos. Náuseas, vômitos, cansaço, queda de cabelo. Passar por isso é um baque para qualquer pessoa. Para quem tem uma profissão que exige aparência impecável, a experiência é cruel. 

Enquanto enfrenta o tratamento, um engenheiro pode continuar a calcular o material necessário para construir um prédio. Um jornalista pode continuar a escrever. Um porteiro pode continuar a controlar o entra e sai do prédio. Quem vive da imagem não tem a chance de continuar ativo profissionalmente e sentir que, na medida do possível, a vida segue seu rumo. 

Gianecchini vai precisar de força e do carinho que já começou a receber. O desafio que ele enfrenta me fez lembrar de uma moça que entrevistei em 2007. Uma personal trainer chamada Rita de Cássia Castellano. Como Giane, a atividade profissional dela dependia da boa forma física. Como Giane, Rita descobriu o linfoma quando estava no auge da beleza e da juventude. 

Aos 30 anos, dois meses depois de dar à luz Mateo, seu primeiro filho, Rita recebeu o diagnóstico de linfoma de Hodgkin. O câncer de Gianecchini (não-Hodgkin) e o de Rita (Hodgkin) têm apresentação clínica semelhante. A diferença está nas características das células malignas. Dependendo do subtipo dos linfomas, o prognóstico varia muito.

Durante a gravidez, Rita notou umas alergias pelo corpo. Pernas e braços coçavam muito. Que mulher, num momento tão especial da vida, desconfiaria de câncer? Mas ele estava lá. Felizmente, Mateo nasceu saudável. Com 3,370 quilos e 50 centímetros. 

Rita emagreceu muito e começou a ficar cansada. Uma ultra-sonografia revelou líquido no pulmão. Quando foi internada para retirá-lo, os médicos descobriram o linfoma. “Pegava áreas enormes”, contou. “Meu ‘alien’ ia do pescoço até a barriga.” 

Quando soube da doença, Rita só conseguia pensar que precisava estar viva para criar o filho. Ela perdeu a mãe aos 6 anos, sofreu com a madrasta e não queria que acontecesse o mesmo ao filho. 

O que mais me impressionou quando a conheci era a convicção com que dizia: “Vou criar meu filho”. Era uma certeza que me deixava sem voz. A moça bonita que dependia da boa forma física para continuar trabalhando foi capaz de mudar completamente, e em pouco tempo, o foco de sua energia. Só o que importava era Mateo. 

Foi assim que aceitou o tratamento, a queda dos cabelos, a fadiga e todas as dificuldades que vieram depois. Ela dizia: “Em outro momento, ficaria arrasada sem cabelo. Hoje nem ligo. Saio na rua careca. Ao próximo que perguntar, vou dizer que peguei piolho”. 
Rita hoje, com seu filho Matteo, depois de ter lutado contra o câncer há quatro anos.
Quase quatro anos depois, o que teria acontecido a Rita? Foi o que me perguntei na semana passada. Telefono ou não telefono? Tive a melhor das surpresas quando ouvi a voz dela do outro lado da linha. Rita me fez ganhar o dia. Ela é a moça de cabelos compridos que aparece, feliz da vida, na foto feita recentemente. O garoto fofo (agora com 4 anos e meio) é Mateo. “Ele vai ter que me aguentar até eu chegar a uns 85 anos”, diz ela. 

Rita terminou o tratamento em agosto de 2008. Foram oito meses de quimioterapia. Depois, radioterapia. Sem sinais do linfoma, está na chamada fase de manutenção. Uma vez por ano faz uma tomografia completa do corpo. 

Assim que terminou o tratamento, Rita voltou a se preocupar com a beleza. “Minha profissão exige aparência saudável. A quimioterapia me desgastou, me deixou com a pele sem brilho e cheia de manchas”, diz. 

Enquanto se tratava com antidepressivo, Rita pensava em fazer cirurgia plástica, lifting facial, mudar o nariz etc. Depois desistiu. “O pior era não poder trabalhar. Ficava enlouquecida para voltar ao trabalho, mas minha aparência e minha energia não combinavam com minha profissão”, diz. 

O médico lhe dizia que dois anos depois do tratamento sua aparência iria melhorar. Foi o que aconteceu. Os novos alunos da personal trainer sequer imaginam o que ela enfrentou. 

Rita tem algo a dizer a Gianecchini. “Concentre-se em ficar bom. Esqueça tudo o que é supérfluo nessa hora. A aparência é secundária. Você vai tirar umas férias forçadas, sumir por uns tempos. Mas com certeza terá o apoio da família, dos amigos e do público. A gente perde a vaidade por um tempo, mas depois ela volta. Seja obediente e espere. Você vai voltar. Lindo como sempre.” 

Obrigada por tudo, Rita. Felicidades, Reynaldo. 

(Cristiane Segatto escreve às sextas-feiras) 

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