domingo, 21 de agosto de 2011

Por que as mulheres roem unhas?


!!!!Eu não sei, mas há beleza nesse mistério
IVAN MARTINS
  Reprodução
IVAN MARTINS
É editor-executivo de ÉPOCA
Quantos homens você conhece que roem as unhas? Eu não conheço nenhum, mas posso me lembrar de pelo menos meia dúzia de mulheres que fazem isso. Num dia ruim, os dedos delas podem parecer lápis mordidos. Nos dias bons, eles ainda lembram sabuguinhos mastigados. Em qualquer situação, dedos comidos sempre parecem pedir “cuidem de mim! Por favor, me acalmem”!

Por que as mulheres roem mais unhas do que os homens? Ou, posto melhor, por que o fazem de forma tão dramática?

Ontem, falando com uma amiga que come unhas desde os seis anos de idade, ela me explicou o que parece ser a regra de gênero nesse assunto: seu pai rói unhas socialmente, civilizadamente, praticamente as apara com os dentes. Ela, que lembra ter começado no vício imitando o pai, não tem qualquer limite. Desde que eu a conheço, vive de unhas arruinadas, embora já tenha tentado um milhão de maneiras de evitar essa forma de autofagia.

Bonita e calma, essa amiga mostra como é difícil enfiar todas as roedoras no mesmo saco. Ela não parece uma pessoa tensa. Diz que se pega roendo as unhas na frente da TV, lendo um livro. Quanto mais relaxada, melhor. Comer as unhas parece ser um jeito de estar com ela mesma. Não é algo que ela faça, por exemplo, quando se sente sob pressão no trabalho. Ela fuma, mas eu conheço outra comedora de unhas de aparência calma que não fuma – e duas roedoras tensas, muitos tensas, que tampouco fumam. Logo, se existe algo em comum entre as mulheres que roem unhas, não está na aparência, na idade, no temperamento ou no modo de vida. Onde estará?

Freud, que tem explicação para quase tudo, decretou que as pessoas que comiam unhas – homens ou mulheres – seriam prisioneiros emocionais da fase oral da existência, o período inicial da vida em que os bebês se relacionam com o mundo pela boca. Em outra generalização espetacular, Freud escreveu que essas mesmas pessoas (as que fumam, bebem, comem exageradamente e roem unhas...) tenderiam a ter personalidades passivas e titubeantes, do tipo que se deixa facilmente controlar pelos outros.

Eu posso dizer, contra isso, que as mulheres que roem unhas ao meu redor não parecem ter pouca personalidade. O contrário talvez fosse mais verdadeiro. E é sempre bom lembrar que o próprio Freud, que era uma personalidade autoritária e um pensador muito original, morreu de tanto fumar charutos, em pleno gozo de um vício ao qual ele mesmo atribuía óbvias vinculações à fase oral. Não deve ser coisa apenas de gente sem tutano.

Da minha parte, acho que esse negócio de roer unhas é uma metáfora. A fome que a roedora expressa é subjetiva. Mulheres roem o vazio que cresce dentro delas, como unhas, aquele mesmo vazio que nós todos carregamos. Os homens talvez nem se dêem conta dele. Ou lidam com o assunto fazendo barulho. As mulheres ruminam suas dores e mastigam seus passivos. Apropriadamente, roem.

Agora que estamos nisso, fico me perguntando se alguma heroína de cinema jamais roeu as unhas. Alguém se lembra? É provável que não, mas eu tenho certeza que muitas delas teriam os dedinhos mordidos se eles fossem mostrados pela câmera.

Outro dia eu revi Sintonia do amor, aquele filme em que Tom Hanks interpreta um viúvo solitário de Seattle cujo filho pequeno telefona para um programa de rádio. É evidente que a jornalista nervosa que se apaixona por Hanks, feita por Meg Ryan, é uma exímia roedora de unhas. Basta olhar para a carinha desamparada dela. A mesma Meg Ryan evidentemente não faria outra coisa em Harry & Sally, feitos um para o outro: aquela personagem perdida e agitada praticamente nasceu de unhas roídas. Mais recentemente, tenho certeza que ao menos uma das garotas de Ele não está tão a fim de você roia unhas – a baixinha de cabelos curtos desesperada para arrumar alguém, interpretada por Ginnifer Goodwin. É claro que a heroína triste de Cópia fiel também faz isso.

Quando se tenta encontrar as unhas roídas fora da realidade, a gente percebe que elas não existem. São omitidas, censuradas, excluídas. Alguém já leu a introdução de uma entrevista que comece com uma descrição das unhas roídas da grande executiva, artista ou ativista social? Eu não. Mas talvez isso fosse bom. Como não se consegue que as mulheres parem de roer unhas, talvez devêssemos expor a dimensão do vício. Assim talvez as vítimas se sentissem confortadas ou estatisticamente amparadas. Quem sabe estimuladas a tentar parar. Que tal uma Associação dos Roedores Anônimos de Unhas, na qual as pessoas fariam encontros semanais para dar força uma a outra e contar há quantos dias não mastigam as pontinhas de si mesmo?

Sábado passado, no almoço, eu tive a impressão de que esse tipo de encontro pode funcionar. Estavam ao meu lado, na ponta da mesa, duas mulheres que não conseguem deixar as próprias unhas em paz. Uma eu conheço bem, a outra conheci na hora. Foi bonito ver como as duas, que jamais haviam se visto, rapidamente passaram a trocar informações sobre o mau hábito comum: desde quando? Em que circunstâncias? Como você lida com isso? Eu fiquei ali olhando, escutando, pensando. Continuo sem entender por que as mulheres roem unhas, mas desde então fiquei com a sensação de que há nesse mistério certa beleza, equivalente, em outro plano, à beleza de longas unhas pintadas. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Fico muito feliz com seu comentário!!! :)

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...