sábado, 26 de maio de 2012

A arte de enfrentar os próprios fantasmas


Ir ao encontro de angústias e incertezas que nos apavoram pode ser a melhor forma de não paralisar e seguir em direção ao amadurecimento emocional
 
© EVERETT COLLECTION/SHUTTERSTOCK
É absolutamente normal sentir medo. Ele faz parte de um sistema natural de defesa, que vem evoluindo conosco já faz alguns milhares de anos e surge nas situações mais diversas e imprevistas. É paralisante, irracional e incontrolável. Desperta reações subconscientes e nos remete ao ancestral selvagem que habita em nossa mente – e ainda move (ou faz estancar) nosso corpo.

Diferentemente do que acontecia com nossos “ancestrais selvagens” ou ocorre comoutros animais, no entanto, os motivos dos medos  que experimentamos raramente se materializam, permanecendo mais em nosso imaginário do que na vida real. Essa “expectativa” de uma ameaça que nunca se concretiza pode se tornar patológica, dando vazão a transtornos cognitivo-emocionais. Explico: imagine a “pane” que acontece quando um fabuloso sistema biológico preparado para reagir lutando até a morte ou fugindo até esgotar sua energia muscular é continuamente ativado, mas não chega a se tornar necessário de fato. É mais ou menos como se um piloto estivesse parado com seu carro no sinal vermelho, o sinal de vez em quando desse “alerta” amarelo, ele se preparasse para sair do lugar, começasse a acelerar, esquentasse o motor e... nada, o sinal voltasse a ficar vermelho novamente. Repetidas ativações do sistema de defesa (sinal amarelo), sem nunca requerer a resposta motora (sinal verde) e sempre retornando ao ponto de partida (sinal vermelho), com imobilidade e muita expectativa: assim é o ciclo deflagrado no organismo numa situação de estresse crônico em contexto urbano moderno.

Esses ciclos de carga emocional acontecem de forma bastante semelhante à situação do piloto numa largada descrita acima. As pupilas se dilatam, a atenção aumenta, os batimentos cardíacos se aceleram, o corpo mobiliza energia, os músculos ficam tensos – e tudo absolutamente em vão. A expectativa do medo provoca estresse e dá vazão a sintomas somáticos, incluindo, por exemplo, a hipertensão.

Neste momento você poderia se perguntar: “Mas temos um sistema de defesa em nosso cérebro que serve para nos deixar estressados e doentes?”. Na verdade, não é bem assim. O que ocorre é um processo que chamamos de má adaptação. O mundo está mudando rapidamente à nossa volta, a população cresce exponencialmente, tudo a uma velocidade de renovação tecnológica sem precedentes, e você, no fundo (e no cérebro), continua sendo um homem (ou mulher) das cavernas!

 Esse ancestral, que tinha o cérebro muito parecido com o seu, vivia em constante confronto com perigos reais e corria risco de vida em várias situações; se “desse bobeira”, era devorado por algum grande predador ou tomava um bocado de pancadas de um rival ou competidor. Nesse caso, toda essa resposta emocional, o coração batendo tão rápido que parece querer sair pela boca, a preparação para a fuga ou para o combate iminente, era puramente justificada! Assim, extravasando a energia mobilizada, o homem primitivo não sofria de úlcera nervosa...

Em resumo, é fundamental enfrentar nossos medos e aprender a lidar com nosso cérebro de homem das cavernas que vive na selva urbana. Nem toda fumaça indica incêndio, e precisamos ficar alertas para não sermos ludibriados pelos bugs de nosso sistema operacional que já vem desatualizado de fábrica. A reprogramação mental – e emocional – é possível e bem-vinda. Em tempos de crise e quebra de paradigmas como o que vivemos atualmente, com o planeta se tornando um grande formigueiro, a mudança de nossa mente e nossas atitudes se faz extremamente necessária, incluindo aí o enfrentamento de fantasmas, angústias e incertezas que todos temos, em alguma medida. E não podemos nos dar ao luxo de alimentá-los, pois o medo é paralisante e nos faz desperdiçar muita energia. Melhor enxergar essas emoções como um sinal que aponta em direção a fraquezas e proporciona oportunidades de amadurecimento. Afinal, “não há coragem sem medo” (em inglês, “There cannot be courage without fear”), frase atribuída ao piloto de Fórmula Indy e designer de automóveis Eddie Rickenbacker. Ás da aviação americana durante a Primeira Guerra Mundial, ele foi consultor militar, empreendedor e sobrevivente de desastre aéreo, encarou seus medos e não os deixou impedi-lo de realizar seus sonhos.
REVISTA MENTE E CÉREBRO MAIO 2012.

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