Cíntia Marcucci • Ilustração André Neves
Superproteção, escolha, adaptação, autonomia, independência... são muitas as palavras que envolvem esse tema. E, por várias vezes, temos dificuldade em colocar as reflexões sobre elas em prática no dia a dia com as crianças. É que, quando elencamos em palavras, parece algo filosófico demais para traduzir em atitudes.
Mas são nos minutos do cotidiano que tudo isso se torna “vida real”, sem que a gente perceba. Você nota que pode proteger seu filho ao mesmo tempo que o prepara para enfrentar o futuro. Vê que ao soltá-lo aos poucos, por mais difícil que isso possa parecer, ele aprende a trilhar seu caminho. Porque, sim, progressivamente ele vai querer “tocar” a vida dele sozinho. Deixe que isso aconteça sem medos. “Hoje os pais educam seus filhos para a felicidade imediata. Se vai doer, a educação é adiada. Quando veem, o tempo passou e educar adultos é mais complicado”, diz o psicólogo Teuler Reis, autor do recém-lançado Educação e Cidadania(Ed. Wak).
Para ajudar você, CRESCER entrevistou pais e especialistas e conta como o conceito funciona na prática.
1. Incentive as escolhas
Criança deve ter escolha? Sim, sem dúvida. Quando seu filho pode dizer do que gosta, como gosta, o que quer fazer, ele aprende a se comunicar com você e com o mundo. A sua parte é explicar que nem sempre as coisas poderão ser do jeito que ele prefere. É um dos “trabalhos” que o jornalista André Barcinski e a estilista Paula Bertone procuram fazer com a filha Nina, 3 anos. “Como ela é cheia de opiniões, tentamos estimular isso, dividindo o máximo de decisões possíveis, seja no que vai comer ou onde vamos passar o dia. Percebemos que é justamente o contrário de mimar: a gente também mostra que não é só ela que tem vontades”, diz André. E tem um outro lado, claro, porque nem sempre as vontades são possíveis. “Algo que acontece, por exemplo, é que sempre após uma tarde na casa de amigos, com crianças alucinadas por TV, ela volta e nos pede para ver em casa também, hábito que não temos. Recebe um ‘não’, mas oferecemos outras opções, como ouvir”, completa Paula.
2. Caiu e levantou!
Seja no sentido literal ou figurado, quando um filho cai, a vontade que dá é de sair correndo para ver se ele está bem e pegá-lo no colo. Respire fundo e controle a tentação se perceber que não é nada grave. O motivo é ótimo: você vai adorar quando enxergar que ele sabe se reerguer sozinho. Luan Monteiro, que trabalha com produção de cinema, espera a filha Nina, de 1 ano e 5 meses, reagir antes de entrar em ação. “Desde o primeiro tombo que vi, tento não sair correndo aflito e ela se levanta rápido e continua brincando”, diz. Funciona quase como uma metáfora. “Sinto que nossa reação a prepara, desde já, para lidar com as adversidades da vida. Ela vai enfrentar coisas difíceis, mas vai saber se levantar e reagir por si em vez de esperar que alguém a ajude”.
3. Limites bem claros
A correria da vida de hoje muitas vezes atropela importantes conversas que precisamos ter com as crianças. Mas elas devem acontecer. “Queremos soluções imediatas e deixamos de falar com os filhos com a desculpa de que eles não entendem”, diz o psicólogo Teuler Reis, autor de Educação e Cidadania – A Batalha de uma Educação Comprometida (Ed. Wak). Por isso que, enquanto ele é bebê, para evitar perigos, não é, não. Mas, conforme ele cresce, já entende que a tomada dá choque, que o fogão queima e que isso dói.
4. Frustrações, sim
Fale a verdade: quem é que teve filhos para vê-los ter dor, serem rejeitados pelos amigos ou querer muito um brinquedo e não poder ganhar? E quando você pode “dar um jeitinho” no problema, seria o caso de resistir? Em alguns momentos, sim. Evitar que eles resolvam seus próprios problemas e passem pelas frustrações normais do dia a dia pode ser uma marca grave para a formação da personalidade da criança. A fotógrafa Camila Dourado percebeu este ano o quanto preparar a filha Ana Clara, 11 anos, para as adversidades ajudou mais do que ela imaginava. No início das aulas, a menina descobriu que a escola tinha feito mudanças em sua turma e a separado das amigas. A mãe sentiu como se fosse com ela. “Imaginei o quanto minha filha estava sofrendo e o quanto isso seria duro para ela”, conta Camila. “Logo pensei em pedir à diretoria que fizesse algo, mas conversando com Ana Clara vi que ela estava lidando muito melhor com aquilo do que eu. Se tivesse interferido, faria um grande estrago.”
5. Vá além do exemplo
Explicar por que se toma uma atitude ou outra em cada situação ajuda a formar crianças e adultos mais coerentes. Ernani Pestana, que trabalha com concepção de lojas, conta um episódio que ocorreu com sua filha Ádelin, 8 anos. “Certa vez, ela me perguntou por que eu estava devolvendo um produto no supermercado. Ele tinha sido cobrado errado, para menos, eu voltei para pagar a diferença e vi uma oportunidade de explicar uma atitude que eu gostaria que ela também tivesse”, diz Ernani, que também é pai de Emily, 3. As crianças estão sempre observando e os pais educando, mesmo sem planejar.
6. Há regras que mudam, outras, não
“Por que na casa do meu amigo ele pode dormir às 11 horas e eu preciso ir para cama às 9?” “E por que, quando estou com raiva, eu não posso bater no meu irmão?” Se você não ouviu perguntas como essas, certamente vai ouvir. Para Edimara de Lima, diretora pedagógica da Prima Escola (SP) e membro da Associação Brasileira de Psicopedagogia, é natural e saudável que as crianças questionem as normas que vão conhecendo. “Regras foram feitas para serem seguidas, mas é preciso ensinar aos filhos que elas não são iguais em todos os lugares.” Há as universais, fundamentais para uma sociedade em harmonia e, que todos devem seguir. Mas há as específicas de uma escola ou uma casa, que seu filho vai compreender que mudam conforme hábitos e costumes. Isto é exercitar o respeito. “Ele entende que não há sempre um ‘certo’ e ‘errado’: às vezes o que existe é só ‘o diferente’”, diz Edimara.
7. Mãe e pai também têm sua criptonita
Para os filhos, os pais são como super-heróis. São perfeitos, têm poderes especiais, não erram. É nisso que eles se fixam para ter segurança no mundo, principalmente quando ainda são muito novos. “É muito útil que os pais aproveitem as oportunidades de mostrar aos filhos que também sentem medo e tristeza”, diz o psiquiatra Alexandre Saadeh, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Por isso se um dia não der para segurar o choro na frente deles, tudo bem. Pode ser uma forma de ensinar que o importante é enfrentar o que nos aflige, e que assumir isso já é um passo e tanto. Por exemplo, se você tem pavor de altura e ele quer ir à roda-gigante, não deixe isso estragar o passeio no parque de diversões. Explique seus sentimentos, diga que está tentando mudar mas que ainda não consegue, e incentive que ele vá com outra pessoa. Vai unir ainda mais vocês.
8. Ensine seu filho a ser independente
Sem os pais por perto, o filho precisa saber como se virar. E, por mais maluco que pareça, será junto de você que ele aprenderá isso. Como? Aproveite algumas situações do dia a dia. Deixe-o falar para o cabeleireiro como quer o corte – mesmo que você dê mais detalhes depois. Ou, na consulta com o pediatra, deixe que ele tente responder às perguntas do médico. Encoraje-o a dizer onde dói, o que está sentindo. “Faça isso sempre. Ele vai aprendendo aos poucos como se expressar, se fazer entender e argumentar”, diz Isabel Kahn Marin, psicanalista e professora da PUC-SP, que ouve pais e mães em sua clínica há mais de 30 anos.
9. Trabalho em grupo desde cedo
Quando já estão na escola, o conceito de responsabilidade, essencial para viver em sociedade, fica ainda mais evidente para a criança. E a rotina contribui. “É por isso que elas recebem as lições de casa”, diz Alexandre Saadeh. Você pode ajudar desde cedo, delegando pequenas tarefas. Por volta dos 3 anos, por exemplo, seu filho já está pronto para entender que os brinquedos não voltam magicamente sozinhos para o lugar. Então, deixe-o guardar tudo depois de brincar. Mesmo que sua família tenha empregada ou babá que cuida da organização da casa, atribua-lhe alguns deveres, sempre com um tom positivo. É assim que seu filho se sentirá parte do grupo, no caso a família, e isso vai replicar na escola, nas relações com os colegas e, no futuro, com a equipe de trabalho.
10. Ele é do mundo
É natural que as crianças pequenas se coloquem como o centro do universo, e isso talvez não provoque apenas uma posição egoísta diante da vida, mas também uma intolerância a tudo que não lhe seja familiar. Com o tempo, isso tende a mudar e, de novo, com a ajuda dos pais. “Se são de uma determinada religião, por exemplo, ao explicar sobre outras crenças para os filhos precisam fazê-lo sem demonstrar preconceito”, diz a psicanalista Isabel Marin. “Diga que você acredita que aquilo é o melhor para a sua família, mas que as pessoas podem pensar diferente.” Assim ele terá a liberdade para experimentar e conhecer, a única forma de fazer escolhas com consciência. Se precisar, mude os hábitos. Circulem por locais que não costumam ir, apresente-o ao mundo. Ao seu mundo e ao que não é o seu, mas que poderá ser o dele.
André Neves nasceu no Recife e dedica-se exclusivamente ao universo da literatura infantil. Seus livros já ganharam importantes prêmios no Brasil e suas imagens correm o mundo em mostras e exposições. Hoje, ele mora em Porto Alegre
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